Fibromialgia é reconhecida como deficiência e garante novos direitos a pacientes

Sanção da nova lei federal representa avanço na inclusão social de pessoas com dores crônicas e abre uma frente de combate à invisibilidade e ao preconceito

Com a recente sanção da Lei nº 15.176/2025, a fibromialgia passou a ser reconhecida como deficiência no Brasil , abrindo um novo capítulo na história dos direitos das pessoas que convivem com essa síndrome crônica e debilitante. A mudança legal assegura a esses pacientes o reconhecimento formal como Pessoa com Deficiência (PCD), garantindo o acesso a direitos como isenção de impostos, inclusão em políticas de empregabilidade e condições especiais para aposentadoria.

Para a advogada Hérika Bezerra de Menezes, doutora em Direito Civil e Constitucional e docente do curso de Direito da Universidade de Fortaleza — instituição mantida pela Fundação Edson Queiroz —, a medida representa um marco importante. “A principal e mais relevante alteração trazida pelo projeto de lei é a concessão de visibilidade às pessoas que convivem com a síndrome da fibromialgia ou com a fadiga crônica”, afirma a especialista.

A docente destaca que essas condições, por muito tempo, foram alvo de negligência, estigmatização e desconhecimento técnico e social, o que gerava um impacto direto na qualidade de vida dessas pessoas.

A nova legislação, diz Herika, estimula de forma expressiva a inserção da pessoa com fibromialgia no mercado de trabalho. Antes da sanção da lei, o desconhecimento generalizado sobre a fibromialgia, especialmente no setor privado, contribuía para que as limitações impostas pela síndrome, como crises de dor e fadiga, fossem vistas como entraves no ambiente de trabalho, o que frequentemente resultava em afastamentos, dificuldade de permanência nos cargos e barreiras para inserção profissional.

Com a nova categorização, esses obstáculos passam a ser enfrentados com base legal. Pela Lei de Cotas , empresas com 100 ou mais funcionários devem reservar de 2% a 5% das vagas para pessoas com deficiência. 

Além disso, os processos seletivos precisam oferecer tratamento diferenciado, respeitando as limitações da condição e garantindo justiça na concorrência. “Também não há limite de idade para que pessoas com deficiência participem do programa Jovem Aprendiz, o que amplia significativamente as oportunidades de inclusão e capacitação profissional”,  acrescenta a professora.

Uma mudança que reconhece direitos concretos

Hérika também detalha que os impactos da nova legislação vão além da empregabilidade. “Com o reconhecimento da fibromialgia como condição que caracteriza a pessoa com deficiência, os pacientes passam a ter direito à isenção do imposto de renda sobre os proventos de aposentadoria”, aponta.

A advogada explica que isso é um benefício tributário destinado a proporcionar alívio financeiro, tendo em vista os custos elevados com medicamentos, tratamentos, terapias multidisciplinares e acompanhamento psicológico, frequentemente necessários ao manejo da síndrome.

No entanto, para que esse e outros benefícios possam ser acessados, é necessário que o paciente obtenha um laudo médico oficial emitido por profissional habilitado, preferencialmente do Sistema Único de Saúde (SUS) ou do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).

Esse laudo deve atestar não apenas a condição clínica, mas também sua relação com a incapacidade para o trabalho, quando for o caso. “A condição de deficiência, por si só, não implica incapacidade laboral. Contudo, nos casos em que a fibromialgia se manifesta de forma severa, poderá haver direito à aposentadoria por invalidez, desde que preenchidos os requisitos legais”, afirma Hérika.

Os critérios para solicitar essa aposentadoria são:

  • Para aposentadoria por invalidez (quando há incapacidade total e permanente):
    • Estar inscrito no INSS;
    • Ter, em regra, no mínimo 12 contribuições mensais (carência), salvo nos casos de doença grave;
    • Comprovar a incapacidade laboral total e permanente por meio de perícia médica oficial.
  • Para aposentadoria da pessoa com deficiência, é possível optar por aposentadoria por idade:
    • 60 anos para homens;
    • 55 anos para mulheres;
    • Por tempo de contribuição reduzido, conforme o grau da deficiência (leve, moderada ou grave), avaliado pela perícia do INSS.

Outro direito garantido por lei é a isenção de impostos na aquisição de veículos, incluindo IPI, IOF, ICMS e IPVA, este último sendo conforme a regulamentação de cada estado. Para isso, o automóvel deve ser comprado em nome da pessoa com deficiência, mesmo que outra pessoa possa conduzi-lo. 

  • IPI: Imposto federal sobre produtos industrializados.
  • IOF: Imposto federal sobre operações financeiras, como financiamentos.
  • ICMS: Imposto estadual sobre circulação de mercadorias e serviços.
  • IPVA: Imposto estadual cobrado anualmente sobre a posse de veículos.

“É necessário apresentar laudo médico específico, que declare a deficiência e comprove a limitação funcional que justifique a adaptação ou aquisição do veículo”, orienta a docente da Unifor.

+ SAIBA MAIS | Tratamento da fibromialgia envolve cuidados físicos e psicológicos

Um passo decisivo contra o preconceito

A nova legislação também tem papel fundamental na construção de uma cultura de empatia e respeito. “A ausência de exames laboratoriais ou de imagem que comprovem objetivamente a condição contribuiu, ao longo dos anos, para que as queixas dos pacientes fossem desacreditadas, subestimadas e muitas vezes atribuídas indevidamente a questões psicológicas ou psiquiátricas”, pontua Hérika. 

Essa falta de respaldo médico e jurídico, segundo ela, gerava exclusão em políticas públicas e reforçava o sofrimento emocional de quem já convivia com dor constante, distúrbios do sono e fadiga incapacitante.



“Ao reconhecer legalmente a fibromialgia como deficiência, a legislação rompe com o paradigma da invisibilidade, legitimando as dores e limitações vivenciadas por essas pessoas e abrindo caminho para que o Estado e a sociedade lhes garantam dignidade, equidade e cidadania plena”Hérika Bezerra, advogada e docente do curso de Direito da Unifor
 


A especialista reforça a importância de se adotar uma perspectiva de gênero na implementação de políticas públicas, uma vez que a maioria das pessoas afetadas pela fibromialgia são mulheres: segundo a Sociedade Brasileira de Reumatologia (SBR), cerca de 3% da população brasileira tem fibromialgia , sendo a maioria dos diagnósticos realizados mulheres.

Com a sanção da nova lei, o Brasil dá um passo decisivo no reconhecimento do sofrimento real de milhares de pessoas que até então lutavam silenciosamente contra a dor e o preconceito. “A nova legislação não apenas garante o acesso a direitos, mas, sobretudo, reconhece a existência e a luta cotidiana de milhares de pessoas que, até então, eram silenciadas pela ausência de respaldo legal, social e institucional”, conclui Hérika.

Atendimento gratuito e multidisciplinar no Ambulatório da Dor

A Universidade de Fortaleza já atua ativamente na atenção à fibromialgia por meio do Ambulatório da Dor , localizado no setor de Fisioterapia do Núcleo de Atenção Médica Integrada (NAMI) . O serviço é voltado para usuários do SUS e funciona às segundas e quartas-feiras à tarde, com atendimentos integrados de fisioterapeutas, psicólogas, nutricionistas, enfermeiras e estudantes da graduação e pós-graduação dos cursos de saúde da Unifor.


Projeto disponibiliza acompanhamento médico e psicológico com abordagem interdisciplinar para pessoas com queixas de dores crônicas (Foto: Ares Soares)

A professora Ana Paula Vasconcellos Abdon — doutora em Biotecnologia, especialista em Dor e professora do curso de Fisioterapia da Unifor —, explica que o serviço tem como foco o cuidado integral das pessoas com dor crônica. “Os pacientes recebem suporte interdisciplinar, com avaliação funcional, definição de metas terapêuticas, acompanhamento dos casos e alta conjunta”, pontua a fisioterapeuta. 

Essa atuação em conjunto entre diferentes profissionais contribui para que os pacientes se sintam mais engajados no tratamento, o que tende a favorecer melhorias na qualidade de vida. Ana Paula reforça que a fibromialgia exige uma abordagem integrada.

“A fisioterapia atua na funcionalidade e redução da dor; a psicologia contribui com o manejo do sofrimento emocional e estresse; e a medicina estabelece o diagnóstico e a prescrição medicamentosa”, resume. Para ela, esse tipo de tratamento centrado no paciente é essencial para lidar com uma síndrome que afeta diversas dimensões da vida cotidiana.



“A qualidade de vida pode ser melhorada com estratégias como fisioterapia com exercícios adaptados, psicoterapia focada em estratégias de enfrentamento, educação em dor e grupos de apoio. Mesmo nas crises, ensinamos práticas como respiração diafragmática, movimentos suaves e controle do esforço”Ana Paula Abdon, docente do curso de Fisioterapia e coordenadora do Ambulatório da Dor
 


A docente também destaca que o modelo biopsicossocial é o mais eficaz. “Ele considera o ser humano em sua totalidade e rompe com a lógica reducionista que antes classificava essas pessoas como hipocondríacas ou frágeis. O reconhecimento da fibromialgia como deficiência ajuda a quebrar esse estigma”, conclui.

Serviço

Ambulatório da Dor
Local: setor de Fisioterapia do NAMI, 1º andar
Endereço: Rua Desembargador Floriano Benevides, 221, Bairro Edson Queiroz – ao lado do Fórum Clóvis Beviláqua
Contato: (85) 3477.3624 | (85) 9.9200-7069 [WhatsApp]
Mais informações: Instagram @ambulatoriodadorunifor