Entrevista Nota 10: Mônica Tassigny e a conexão entre direito e tecnologia nos hackathons jurídicos

seg, 20 janeiro 2025 10:31

Entrevista Nota 10: Mônica Tassigny e a conexão entre direito e tecnologia nos hackathons jurídicos

Docente da Unifor fala sobre a conexão entre direito e tecnologia nas salas de aula, além de abordar a importância de hackathons jurídicos para a formação profissional


Doutora em Educação e pós-doutora em Direito Constitucional, Mônica é professora do curso de Direito e do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade de Fortaleza (Foto: Ares Soares)
Doutora em Educação e pós-doutora em Direito Constitucional, Mônica é professora do curso de Direito e do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade de Fortaleza (Foto: Ares Soares)

A tecnologia já está intrínseca aos mais diversos aspectos do cotidiano, e com o ramo do direito não seria diferente. Essas inovações tecnológicas dinamizam processos e facilitam o trabalho tanto de profissionais quanto de instituições jurídicas, promovendo celeridade nos trâmites burocráticos e aumentando a acessibilidade à justiça pela população.

É por isso que iniciativas como os hackathons — maratonas de programação famosas no mundo da tecnologia que buscam resolver problemas e desenvolver inovações tecnológicas — têm ganhado força e se expandido ao conectar múltiplas áreas do conhecimento, promovendo uma troca fundamental de habilidades e experiências com um objetivo em comum: melhorar a vida das pessoas. Os hackathons jurídicos são exemplos disso.

“O incentivo tecnológico dos hackathons é importante para o fomento ao pensamento apto a inovar, principalmente no direito. O campo jurídico precisa de soluções práticas, acessíveis e verdadeiramente úteis”, explica Mônica Tassigny, docente do curso de Direito e do Programa de Pós-Graduação em Direito Constitucional (PPGD) da Universidade de Fortaleza.

A pedagoga já trabalha em sala de aula a conexão entre tecnologia e direito, incentivando a formação de novos profissionais preparados para as atuais demandas do mercado e da sociedade. Ela, inclusive, coordenou uma equipe de alunos no projeto de pesquisa “Direito, Tecnologia e Arte na Prevenção de Bullying e Cyberbullying nas Escolas”, que resultou na elaboração do aplicativo SafeApp.

O software, que tem como função denunciar o bullying nas escolas de forma anônima, foi um dos vencedores do 1º Hackathon Mundo Unifor de Impacto Social. Em fase de teste em escolas públicas de Fortaleza, a ideia busca enfrentar e prevenir o problema por meio da possibilidade de denúncias anônimas. 

Mestre e doutora em Educação pela Universidade Federal do Ceará (UFC), Mônica Tassigny possui doutorado sanduíche em Socioeconomia pela École des Hautes Études en Sciences Sociales (EHESS) e pós-doutorado em Direito Constitucional pela Faculté de Droit et Sciences Politiques - Aix-Marseille Université, ambos na França. É membro da Academia Metropolitana de Letras de Fortaleza (AMLEF) e da Câmara de Assessoramento Técnico-Científico da Funcap.

Na Entrevista Nota 10 desta semana, ela fala sobre a conexão entre direito e tecnologia nas salas de aula, além de abordar a importância de hackathons jurídicos para a formação profissional.

Confira na íntegra a seguir.

Entrevista Nota 10 — A tecnologia vem transformando as mais diversas áreas de atuação profissional, e com o campo jurídico não seria diferente. De que maneira o avanço tecnológico tem modificado o papel dos juristas e a forma como o direito é praticado no dia a dia?

Mônica Tassigny — O direito e a tecnologia tem cada vez mais andado de mãos dadas, no entanto, é preciso atenção à forma como ela é implementada na seara jurídica. A ética deve prevalecer, sobretudo, no cotidiano das atividades vinculadas ao direito. O uso da inteligência artificial para reforço na celeridade dos tribunais é um exemplo disso. Por meio de robôs que funcionam através de IA, os grandes tribunais, como o Superior Tribunal de Justiça, podem chegar a resoluções rápidas para casos que se repetem. Contudo, muito se discute acerca dos riscos de uso e acerca da privacidade das partes e dos advogados.

Entrevista Nota 10 — Os hackathons têm ganhado destaque em outras áreas além da tecnologia, como é visto nos hackathons jurídicos. De que forma essas iniciativas têm impulsionado a inovação no campo do direito? Elas podem ser consideradas um espaço para promover maior acessibilidade à justiça?

Mônica Tassigny — Com certeza! O incentivo tecnológico dos hackathons é importante para fomento ao pensamento apto a inovar, principalmente no direito. O campo jurídico precisa de soluções práticas, acessíveis e verdadeiramente úteis. 

No I Hackathon Social do Unifor Hub, nossa equipe desenvolveu um aplicativo que propõe-se a debater a questão do bullying e cyberbullying nas escolas. A prática foi recentemente criminalizada, em 2024.

No Hackathon das Mulheres, implementado em parceria com a Secretaria das Mulheres do Estado do Ceará, desenvolvemos uma inteligência artificial capaz de orientar meninas do ensino fundamental e médio acerca de seus direitos, como forma de educá-las sobre a Lei Maria da Penha, por exemplo. 

Entrevista Nota 10 — Como as graduações e pós-graduações em direito podem integrar hackathons ou outras práticas inovadoras em seu ensino, de modo a estimular a criatividade, o pensamento crítico e o uso de tecnologias jurídicas?

Mônica Tassigny — Essas atividades devem ser estimuladas e integradas como ações extracurriculares, com premiações atrativas e oportunidade de networking, com profissionais especializados. O hackathon é um espaço de oportunidades e crescimento para quem planeja se diferenciar na sua área.

Entrevista Nota 10 — De que maneira a Unifor promove a capacitação de profissionais jurídicos preparados para lidar com os desafios tecnológicos do mercado de trabalho? Que diferenciais podemos destacar?

Mônica Tassigny — A pesquisa é um caminho rico para quem planeja conhecer mais sobre os avanços tecnológicos, sobretudo, sobre a crescente inteligência artificial. Os três eixos do ensino superior - ensino, pesquisa e extensão - são importantes para impulsionar os estudantes nessa temática.

Entrevista Nota 10 — Você coordenou uma equipe de alunos na elaboração do aplicativo SafeApp, software de denúncia do bullying em escolas de forma anônima e que foi um dos vencedores do 1º Hackathon Mundo Unifor de Impacto Social. Como o direito deu suporte a essa criação? E de que maneira a participação no Hackathon impacta não só a formação, mas também a carreira desses estudantes?

Mônica Tassigny — O Direito desempenhou um papel fundamental na criação e concepção do SafeApp, oferecendo uma base teórica e normativa para o desenvolvimento do aplicativo. 

O nosso grupo de pesquisa científica foi o ponto de partida para a criação do aplicativo, pois observou os fenômenos do bullying e do cyberbullying nas escolas, sendo possível identificar a relevância do tema e onde residia o maior gargalo, que é o medo da vítima de sofrer represálias. O SafeApp foi pensado como uma solução prática para essas questões, priorizando o anonimato e a segurança das denúncias.

Com base nos dados coletados, o direito ofereceu suporte ao projeto, como na Lei 13.185/2015, que instituiu o Programa de Combate à Intimidação Sistemática, e na criminalização do cyberbullying desde 2024, destacando que práticas de bullying e cyberbullying violam diretamente direitos fundamentais, especialmente no caso de crianças e adolescentes — que necessitam de proteção integral e especial, conforme preconizado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). 

Para os alunos-pesquisadores, a participação no Hackathon impacta diretamente na formação profissional para o mercado de trabalho do século XXI, o qual demanda extrapolar o aprendizado teórico de sala de aula para promover competências práticas de solução de problemas e habilidades colaborativas com áreas adjacentes do saber. No caso do SafeApp, a equipe foi composta por estudantes de diversas áreas, como direito, tecnologia e administração, permitindo uma troca enriquecedora de conhecimentos e a construção de uma solução integrada.

Os alunos envolvidos no projeto SafeApp puderam vivenciar na prática a aplicação de seus conhecimentos acadêmicos em um problema real, o que certamente fortalece tanto a formação acadêmica quanto suas perspectivas profissionais.

Entrevista Nota 10 — A inteligência artificial é um tópico quase inescapável quando falamos sobre a tecnologia em nosso cotidiano, influenciando inclusive o universo jurídico de diferentes maneiras. Você acredita que a IA deve ser abordada e ensinada em sala de aula? Como esse assunto pode ser trabalhado para trazer conscientização e preparo aos futuros profissionais de direito?

Mônica Tassigny — A inteligência artificial (IA) deve ser abordada em sala de aula como uma ferramenta indispensável para os profissionais do direito, refletindo as exigências do mercado de trabalho atual e, principalmente, do futuro. O ensino sobre IA deve ir além de um tópico estanque ou isolado, sendo trabalhado de forma transversal em diversas disciplinas do curso de Direito. Dessa forma, os alunos podem compreender sua aplicabilidade prática e utilizá-la para a produção de conhecimento, enriquecimento de seus currículos e, principalmente, impactar a sociedade de maneira eficiente e responsável.

É essencial conscientizar os estudantes sobre o uso estratégico e ético da IA. A tecnologia deve ser vista como um meio para otimizar tarefas rotineiras e potencializar o desempenho profissional, sem substituir o raciocínio crítico e o domínio de conteúdos jurídicos. Assim, é crucial evitar que os alunos se tornem dependentes ou “escravos” da tecnologia, mas [prepará-los para que se tornem] protagonistas capazes de idealizar e implementar soluções tecnológicas para problemas sociais.

No contexto jurídico, a IA pode ser utilizada em atividades como a análise de grandes volumes de dados, automação de tarefas repetitivas, elaboração de documentos e até mesmo na mediação de conflitos. Contudo, é igualmente importante que os estudantes compreendam as implicações éticas e os limites da IA, incluindo questões como viés algorítmico, proteção de dados e privacidade.