seg, 11 março 2024 10:47
Histórias que inspiram: A dedicação ao mundo jurídico
Nesta edição, uma defensora pública, um ministro do STJ, um procurador e docente, uma jurista empreendedora e um secretário de Estado compartilham êxitos e desafios de suas jornadas no mundo jurídico
Uma mulher vê o Direito como instrumento para transformar vidas e desafia o poder público masculinizado a uma visão mais humana. Um homem mergulha nos rincões do interior para ter a real dimensão da importância de garantir às pessoas que acessem direitos básicos e se volta para a universidade com toda a sua bagagem. Uma jurista atravessa o oceano para ajudar a realizar sonhos e refazer identidades enquanto empreende. Um homem negro desafia as probabilidades e se torna ministro do Superior Tribunal de Justiça. Um policial federal concursado desembarca no poder executivo e cria senso de urgência: o que faz hoje afetará a vida de toda uma sociedade.
Estas são algumas jornadas sinuosas que egressos do Centro de Ciências Jurídicas (CCJ) da Universidade de Fortaleza, vinculada à Fundação Edson Queiroz, abraçaram. Inspirados pelo desejo de fazer a diferença, experimentam um sucesso que chega a conta-gotas, diariamente. Sentem que triunfaram no desejo de fazer a diferença no universo do Direito.
São profissionais que estão na labuta há tempos e cujas lições sobressaem das experiências e das reflexões que agora compartilham. Eles estão no setor público, na iniciativa privada e nos seus negócios independentes. Entre desafios e logros profissionais, falam sobre construção de carreira e a sensação de realizar grandes feitos.
As histórias que contam extrapolam o mundo jurídico para inspirar. Esta é a primeira de uma série de quatro reportagens especiais do Unifor Notícias Mobile, a serem publicadas no segundo domingo de cada mês, com histórias profissionais notáveis nas mais diversas áreas do conhecimento. Mas, comecemos pelo mundo das leis.
A defensora pública que sonhou com um sistema prisional mais humano
Mariana Lobo cresceu ouvindo o avô, que era promotor de justiça no interior, contar como o sistema de justiça era importante para fazer as pessoas conseguirem acessar direitos nos rincões do mundo. Entendeu, ainda criança, que o judiciário poderia ser um instrumento potente para transformar vidas. Queria igualar os pontos de partida de grupos desiguais quando se matriculou no curso de Direito da Unifor, onde o tio já era professor.
“A Unifor foi onde, efetivamente, eu tive contato com a prática e a teoria do Direito. Contei com diversos professores que mostravam o Direito voltado para a perspectiva da responsabilidade social”, relembra ela, que participou de um projeto que seria o embrião do Escritório de Práticas Jurídicas (EPJ).
Pouco tempo depois de formada, foi aprovada no concurso para a Defensoria Pública do Estado do Ceará. “Eu me apaixonei de cara”, confidencia ela, que acabou desistindo de prestar outros concursos. “Vi o potencial que é uma atuação de levar o Direito às pessoas sem necessariamente ir ao Poder Judiciário”, explica.
Depois de dois anos e meio como defensora pública (e de prestar educação jurídica e atendimentos no morro Santa Terezinha), ingressou na Associação dos Defensores Públicos do Ceará por ver a necessidade de defender o serviço.
“Não tinha como se falar em construção de cidadania se a gente não pudesse falar um pouco da defensoria, que é efetivamente este braço do sistema de justiça que faz com que as pessoas possam ter acesso aos seus direitos”, conta.
O posto lhe deu notoriedade e, por volta dos 34 anos, aceitou o convite do então governador do Ceará, Cid Gomes, para assumir a Secretaria Estadual de Justiça e Cidadania. Era uma mulher, jovem e com uma visão forte voltada para os direitos humanos assumindo uma pasta que iria gerir também o duro sistema prisional.
“Um dos grandes desafios da minha vida profissional foi conseguir levar para o sistema prisional a visão do Estado garantindo uma defesa pública que trabalha na perspectiva da justiça de direitos, mas principalmente na perspectiva de um sistema prisional mais humano.” — Mariana Lobo, defensora pública e ex-secretária de Justiça e Cidadania do Ceará
Mariana queria contribuir para que a porta de saída (a ressocialização) fosse uma possibilidade real. A visão mais humana e a busca pela garantia de direitos eram sementes plantadas nela desde a graduação e ressaltadas pela condição de ser mulher.
“Compreendi que o sistema prisional é o retrato, em sua grande maioria, do fracasso de todas as outras políticas públicas de proteção social, de moradia, educação, saúde”, conta.
Empenhou-se na missão. E não se deixou abater nem mesmo com os olhares incrédulos dos outros secretários de justiça e segurança do país durante reuniões em Brasília, a maioria de homens vindos das forças policiais e militares. Chegou a ouvir perguntarem quando chegaria o secretário do Ceará.
“Os próprios gestores tinham dificuldade de acreditar que quem estava ali era uma mulher jovem e que iria gerir uma pasta que eminentemente é vista na perspectiva da repressão e nunca na perspectiva da recuperação”, rememora.
Mariana não se abateu. “Se conseguir garantir que uma pessoa, no sistema prisional, possa ter a pena aplicada de maneira justa e tenha um processo de ressocialização, você já fez toda a diferença. Basta você mudar a vida de uma pessoa que todo o seu esforço já valeu a pena”, diz. Ainda assumiu a vice-presidência do Conselho Nacional de Justiça Criminal e Penitenciária e da Associação Nacional dos Defensores Públicos.
Mariana está realizada na missão que empreendeu para transformar vidas. É o que sente quando contribui para que um homem trans consiga colocar seu nome social nos documentos ou garante o direito à educação integral a uma criança autista como defensora pública.
“O sucesso profissional para mim é a satisfação de saber que você pode fazer a diferença com aquilo que você sempre almejou. Ele é uma trajetória”, reflete.
O ministro que desafiou as probabilidades e chegou ao STJ
Teodoro Silva é um homem preto e nordestino, nascido no interior do Ceará. De tanto sonhar com o mundo jurídico, fez o curso de Direito na Unifor. Sonhava chegar longe e, antes de saber até onde poderia ir, assumiu cargos de delegado, promotor de Justiça e desembargador. Desafiou as probabilidades em uma jornada longa até chegar ao Superior Tribunal de Justiça (STJ).
“Nunca havia passado pela minha cabeça ser ministro. A responsabilidade é muito grande. É o tribunal da cidadania. O STJ é encarregado de uniformizar todas as normas infraconstitucionais da República Brasileira. É uma das coisas mais lindas que pode haver no Estado Democrático de Direito”, resume o ministro.
Composta por 33 membros, a Corte estava com duas vagas abertas, e Teodoro entrou na disputa como desembargador estadual em junho de 2023. “Lembro como se fosse hoje”, diz ele, sentado no seu gabinete em Brasília, com uma estátua de madeira do Padre Cícero ao fundo.
“Sou muito devoto. Conversava com Padre Cícero e tinha convicção de que chegaria lá”, narra. Para isso, contava com a vocação latente na vontade de ser ministro, o serviço prestado à magistratura e a carreira acadêmica como professor.
Decidiu contar sua história para os demais membros da Corte e acabou vendo seu nome na enxuta lista que seria analisada pelo presidente da República. Foi escolhido por Lula e, sabatinado no Senado, tornou-se ministro. Um ministro preto e nordestino, que acredita que todos têm potencial para chegar onde ele chegou.
“Sou ministro com muita fé em Deus e perseverança. Foi a maior felicidade da minha vida. Quando fui nomeado, passou um filme da minha vida na minha cabeça. Filho de açougueira que não ganhava dois salários por mês, negro, vindo de uma casa com 18 filhos”, diz.
“Eu me sinto uma das pessoas mais felizes na vida, com o dever de honrar o STJ, a minha origem pobre, as escolas por onde passei e as lições que aprendi com minha mãe, Alaíde, que criou 18 filhos. Sou leal a todos que por mim fizeram. A Unifor está neste meio e não sairá.” — Teodoro Silva, ministro do Superior Tribunal de Justiça
Mas este é o desfecho de uma história que começou muitos anos atrás. Teodoro exercia a função de militar quando decidiu apostar no mundo jurídico. “O Direito para mim era tudo, era aquela aposta maior da vida”, diz. Ingressou na Unifor com pressa para prestar concurso público e adiantou as disciplinas o quando pôde, a ponto de se formar em três anos e meio.
Primeiro, passou para ser delegado em Rondônia. Depois, seguiu estudando para ingressar no Ministério Público. Voltou ao Ceará como promotor de Justiça e passou em muitos municípios antes de voltar à Fortaleza para criar uma nova promotoria referente ao sistema penitenciário no Ministério Público, numa época de comoção nacional pelo sequestro de Dom Aloísio Lorscheider em uma rebelião na capital.
Mas Teodoro queria voltar para sua casa. Já tinha tido experiência como docente na Universidade Regional do Cariri e decidiu focar na carreira acadêmica. Quando não estava no Ministério Público, ia para a Unifor fazer especialização, mestrado e doutorado. Foi selecionado para ensinar na instituição que o formou.
“Era um dever moral saldar uma dívida que eu tinha para com a Unifor, que foi onde começou tudo na minha vida”, conta. Orgulhoso, diz que pelo menos quatro gerações de sua família se formaram na Universidade. Entre eles, há ministro do STJ, promotor de justiça, delegado de polícia e subsecretário de segurança pública.
“A Unifor para mim é história. Minha história de vida é um quebra-cabeça que passa por ela”, afirma. Foi lá que ele encontrou a grande maioria de assessores que o ajudam no cargo de ministro em Brasília: todos egressos do curso de Direito. Quando dá aulas, Teodoro diz observar o grande potencial que existe entre os alunos para chegar onde chegou.
“Dou aula de Processo Penal na Unifor e vejo ali jovens talentosos. É uma das principais instituições formadoras de talentos, e encontro egressos por onde vou, no Brasil e em Portugal. (...) Querer é poder. Todos que estão fazendo Direito podem chegar onde cheguei”, encoraja.
A jurista que atravessou o oceano para realizar sonhos
Foi preciso muita dedicação e coragem para que a jurista Beatriz Sidrim atravessasse o Oceano Atlântico para realizar sonhos e refazer genealogias de brasileiros que buscavam conquistar o reconhecimento da dupla nacionalidade na Europa.
Sócia da Destinos Objetivos Consultoria Internacional, ela conta ter uma carteira de cerca de dois mil clientes, algumas centenas deles com processos já finalizados com sucesso. “Nenhum negado até o momento, o que considero nosso maior trunfo!”, celebra.
Tudo começou no campus da Unifor durante a graduação, quando abraçou as experiências possíveis. Estagiou em grandes e conceituados escritórios de advocacia, na Defensoria Pública e na Ordem dos Advogados do Brasil - Seção Ceará (OAB-CE).
Já formada, atuou em alguns escritórios antes de decidir empreender e montar a sua consultoria no exterior. Mudou-se para Portugal em 2018. O trabalho foi se tornando uma referência, e Beatriz expandiu a atuação para outros países, como Itália e Espanha.
“Hoje sou sócia na Destinos Objetivos Consultoria Internacional, em Lisboa, que atua com nacionalidades portuguesa, italiana e espanhola, além de processos migratórios, negócios e empresas para os três países europeus”, conta. O escritório atende brasileiros que têm descendência europeia e desejam acessar o direito à dupla nacionalidade, além de clientes na América Latina e Estados Unidos.
“A Unifor me proporcionou uma base de formação forte e sólida, e isso é essencial para a construção do meu ‘eu’ profissional. O incentivo à curiosidade, o desenvolvimento das habilidades de pesquisa, os princípios e conceitos sempre incentivados ao longo do curso são fundamentais para minha vida profissional.” — Beatriz Sidrim, jurista, sócia-fundadora da Destinos Objetivos Consultoria Internacional e membro consultivo da Comissão de Direito Internacional da OAB-CE
“Toda a minha trajetória profissional e os conhecimentos adquiridos ao longo dos anos foram fundamentais para o meu trabalho fora do Brasil”, reconhece. Quando chegou a Lisboa, tudo isso foi como um forte alicerce para projetos que, na época, eram sonhos e, hoje, tornaram-se realidade. O caminho não foi fácil, mas repleto de desafios. Portugal foi um país acolhedor, mas ainda era preciso se adaptar ao clima, às relações, à culinária, às leis.
“A legislação portuguesa é diferente da brasileira e isso foi um ponto de desafio, mas daqueles positivos, porque me impulsionou a estudar mais, a me aperfeiçoar. Levar o conhecimento, o saber e o talento do povo brasileiro e do povo nordestino para outros lugares do mundo é incrível”, afirma.
Beatriz diz ser muito grata pelo percurso que empreendeu até agora, embora reconheça que o sucesso também está em saber que ainda há muito a aprender e a crescer. “Foi um processo natural de resposta às dinâmicas da lusofonia e a minha vocação para me relacionar com o próximo, o que trouxe o diferencial do atendimento que prezo com cada um que nos procura”, conta.
Para ela, um dos maiores aprendizados nesta jornada foi este: a importância das relações. A empatia e a confiança construída dia após dia com os clientes. Bem-sucedida, ela vê o sucesso profissional como a chance de fazer o que se ama com excelência ao lado de pessoas que vibram na mesma frequência e que acreditam nos mesmos valores. Foi assim que viu o seu trabalho auxiliar tanta gente a realizar sonhos.
O professor que acumulou a maior bagagem possível
Emmanuel Girão sempre foi um jovem estudioso. Acreditava que a educação era a única estrada possível para vencer na vida. Quando o pai faleceu subitamente e a renda familiar despencou, pensou que teria que deixar o colégio particular onde estudava em Fortaleza.
Mas o bom desempenho escolar e o esforço lhe garantiram uma bolsa, e ele se agarrou aos estudos com a força necessária para passar em alguns concursos públicos em bancos e no vestibular de Direito da Unifor.
Ingressou no Ministério Público como promotor de Justiça e fez uma carreira notória na instituição, que depois o promoveu a procurador. Palmilhou o interior do Estado e viu que, nos rincões do Brasil, existe um campo muito grande de trabalho em relação à garantia dos direitos fundamentais.
“Há populações que ainda não têm acesso a direitos básicos como saúde, educação e segurança. No Ministério Público, temos a oportunidade de trabalhar nisso. Conheci essa realidade e tive a oportunidade de fazer minha parte. Trouxe muita bagagem para depois me tornar docente.” — Emmanuel Girão, procurador de Justiça e docente da Unifor
Emmanuel estava, dia após dia, acumulando experiência. Quando retornou a Fortaleza, decidiu que seria professor e participou de um processo seletivo para o corpo docente da Unifor. Voltava à sua casa com a maior bagagem possível.
“Sempre gostei de estudar, e eu acho que todas as pessoas que gostam de estudar acabam tendo uma inclinação para a docência”, reflete ele, que também ministra aulas na Escola Superior do Ministério Público, onde compartilha conhecimento com procuradores e promotores de Justiça.
Na docência, Emmanuel percebeu como é importante viver dentro de um ambiente acadêmico e trocar vivências. A experiência diária com a multidisciplinaridade o tornaram um profissional ainda mais capacitado, tanto na carreira de procurador quanto de professor de Direito Eleitoral na Unifor.
“Quando começamos a ensinar, a sensação que temos é um pouco de voltar no tempo”, reflete o docente. “E aí você começa a pensar na dificuldade dos alunos e no que você pode fazer por eles, além de simplesmente passar o conteúdo. Como mostrar caminhos para eles alcançarem o sucesso?”, complementa.
Emmanuel se sente realizado. Na última semana, completou 17 anos de docência na Unifor. Também contabiliza 36 anos de serviço público e 28 anos no Ministério Público. E segue contando.
O policial federal que abraçou o senso de urgência como secretário estadual
Samuel Elânio é um policial federal concursado que desembarcou no poder executivo — mais precisamente, na Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social do Ceará (SSPDS-CE) — e criou senso de urgência: sabe que o que faz e o que decide hoje afetará a vida de toda uma sociedade.
Filho de um promotor de Justiça, cresceu próximo ao universo jurídico e apaixonou-se pela esfera criminal. Ingressou no curso de Direito da Unifor em 1999 e mal havia concluído a graduação quando foi aprovado em concurso para delegado da Polícia Federal. Assumiu o posto com ânimo.
“Foi uma carreira que me apaixonei. Gostava da atividade, da dinâmica e nunca mais pensei em mudar de ramo”, conta ele, que começou como delegado da PF. Assumiu jovem uma delegacia de fronteira, próximo à Guiana Francesa, no Oiapoque, extremo norte do país. Depois de cinco anos e meio lá, mudou-se para Juazeiro do Norte.
Saiu do Cariri para chefiar a Delegacia da Polícia Federal em Mossoró e, dois anos depois, realizou o sonho do “concurseiro” federal: voltar para sua terra. Em Fortaleza, assumiu a Delegacia de Repressão a Entorpecentes e a Força-Tarefa das Facções. O trabalho realizado o levou primeiro para a secretaria executiva de Segurança do Estado, e depois ele assumiu como secretário.
“Tivemos algumas operações policiais um pouco sensíveis, também desafiadoras, e quando eu vim para Fortaleza, algumas operações também eram bem complexas”, admite, lembrando da disputa de grupos criminosos que incendiaram ônibus na capital.
“O maior desafio de todos e o mais complexo é este: ser secretário de Segurança Pública”, ele diz. Samuel precisa enfrentar cotidianamente críticas e questionamentos. “É uma situação muito mais macro, que é todo dia, toda hora. A Segurança Pública não só condiz com policiais na atividade, é muito mais complexo que isso”, explica.
Para ele, a atribuição na PF é mais pontual. Lá, era possível fazer um trabalho de forma mais reservada, sem exigência de prazo e de resposta rápida. Muito diferente do que é exigido às forças da SSPDS-CE.
“Estar dentro da SSPDS me fez realmente abrir um leque. Tudo é muito para ontem, tudo é urgente, tudo é emergência. E, realmente, o que você faz no Sistema Estadual de Segurança Pública repercute diretamente na vida das pessoas.” — Samuel Elânio, delegado da PF e secretário de Segurança Pública do Ceará
Para Samuel, a Unifor tem um papel muito importante na sua trajetória. “Passar tão rápido no concurso foi fruto de toda a estrutura e apoio que tive. Passava horas estudando na biblioteca. Isso mostra o quanto a Unifor foi importante, juntamente com meu esforço”, finaliza.