seg, 21 outubro 2024 12:28
Pesquisa Unifor: Estudo analisa processo de recuperação de indivíduos com dependência alcoólica
Pesquisadores da Universidade de Fortaleza investigaram o tema para além da abstinência ou da redução do uso de substâncias
A dependência alcoólica é um problema grave que compromete tanto a saúde física quanto mental, afetando diversas áreas da vida, como as relações sociais e a carreira profissional. Por isso, é essencial uma abordagem abrangente no tratamento do alcoolismo, reconhecendo sua complexidade e a necessidade de uma rede de apoio sólida. A recuperação exige suporte contínuo e estratégias personalizadas, que levem em conta os desafios físicos, emocionais e sociais envolvidos.
Nesse contexto, o professor Victor Monteiro, psicólogo clínico e pesquisador do Laboratório de Psicopatologia e Clínica Humanista Fenomenológica (Apheto) da Universidade de Fortaleza — instituição da Fundação Edson Queiroz —, produziu o artigo “What Is It Like to Be in Alcohol Addiction Recovery? A Dialectical Phenomenological Analysis”. A investigação explora as vivências da recuperação da dependência alcoólica a partir de uma análise fenomenológica dialética.
O estudo (“Como é estar em recuperação de dependência de álcool? Uma análise fenomenológica dialética”, em tradução livre) busca compreender o que é a recuperação na dependência de álcool para além da abstinência ou da redução do uso da substância. Nele, foram examinadas as experiências de recuperação de indivíduos com dependência alcoólica usando a Psicopatologia Fenomenológica Dialética (PFD) como arcabouço teórico e metodológico.
A pesquisa ainda contou com a colaboração de Lucas Bloc, coordenador do Apheto e docente do Programa de Pós-Graduação em Psicologia (PPGP) da Unifor. O estudo também teve contribuições de Guilherme Messas, professor da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, conhecido por seu trabalho em fenomenologia e psicopatologia, enriquecendo a análise teórica do fenômeno.
“Ao entender que a recuperação envolve um conjunto de transformações profundas na relação do sujeito consigo, com os outros e com o mundo, reforça-se a ideia de que as estratégias terapêuticas e as políticas públicas devem direcionar-se para essas dimensões amplas da vida humana. Isso vai além de um foco exclusivo na abstinência ou no controle do uso de substâncias. Claro, isso não implica a descartabilidade das estratégias de controle, mas sim que o processo de recuperação exige mudanças mais profundas e contextuais” — Lucas Bloc, coordenador do Apheto, professor do PPGP e um dos autores do artigo
Metodologia
Usando o método PFP como meio para angariar informações, os pesquisadores realizaram a pesquisa na cidade de São Paulo, de outubro de 2021 a fevereiro de 2022. Eles contaram com a participação de oito adultos.
O método escolhido se destaca por ser uma abordagem de investigação dos transtornos mentais que foca no estudo das experiências subjetivas dos pacientes. “Mais do que simplesmente entender os transtornos mentais como um conjunto de sintomas, a PFD se dedica a explorar o modo de existir e de se relacionar das pessoas no mundo. Ela compreende os transtornos mentais como diferentes maneiras ou estilos de ser”, enfatiza Victor Monteiro.
Na pesquisa, os participantes atenderam a uma série de critérios essenciais. Primeiro, eram adultos com idade igual ou superior a 18 anos. Eles também se autodeclararam como dependentes de álcool ou ex-dependentes, com um histórico de uso excessivo e/ou descontrolado de álcool que se estendeu por um período mínimo de 12 meses, conforme verificado por uma adaptação do Instrumento AUDIT, que avalia o uso arriscado de álcool.
Além disso, todos os participantes se consideravam em recuperação ou já recuperados da dependência alcoólica. Demonstraram também disposição para colaborar voluntariamente com o estudo, fornecendo os dados necessários. Por fim, cada um deles declarou seu consentimento livre e esclarecido para que seus dados pessoais fossem utilizados no estudo. Todas as etapas foram realizadas de maneira online.
Resultados
Com a aplicação do método, os pesquisadores identificaram oito categorias subdivididas em dois grupos. O primeiro indicou elementos experienciais de recuperação — como mudanças na auto-relação, nas relações interpessoais e nas relações temporais, o que gerou novos significados ao sofrimento e ao uso de álcool — e a recuperação como um processo contínuo.
Já no segundo grupo, exploraram como os participantes interpretaram a recuperação de acordo com suas visões de mundo: como uma experiência espiritual, reforma moral e mudança de mentalidade.
De acordo com o artigo, essas descobertas podem ser entendidas através do PFP como um um processo de mudança no ser dos sujeitos no mundo, caracterizado pelo gerenciamento contínuo de seus desequilíbrios existenciais nas dimensões de espacialidade, temporalidade, individualidade e intersubjetividade.
O processo de recuperação dos dependentes alcoólicos passa pela mudanças nas relações consigo mesmo, com os outros e com o mundo (Foto: Getty Images)
Sobre o que significam as mudanças na relação consigo mesmo, nas relações interpessoais e com o tempo no contexto da recuperação da dependência do álcool, os pesquisadores afirmaram que essas mudanças “representam uma transformação profunda na forma de se relacionar consigo, com os outros e com o mundo”.
Os pesquisadores comentam sobre como os participantes interpretaram sua recuperação como um processo contínuo e como isso contribui para uma nova visão do conceito de “recuperação”. “Os participantes consideravam que sua recuperação seguia perpetuamente e que não haveria um estado final de recuperação, mas sim um processo contínuo no qual cuidam de suas próprias vulnerabilidades. Isso, na verdade, reforçou uma posição já presente na literatura científica”, pontuam.
O vício alcoólico e a importância de buscar ajuda
O vício alcoólico é uma condição complexa que pode afetar qualquer pessoa, independentemente de idade, gênero ou classe social. O consumo constante e excessivo de álcool compromete o funcionamento do organismo, causando desde danos ao fígado até doenças crônicas como hipertensão, além de aumentar o risco de acidentes e violências.
Além dos prejuízos físicos, o alcoolismo interfere gravemente na saúde mental, podendo gerar ansiedade, depressão e outros transtornos psicológicos, ampliando o sofrimento da pessoa dependente. É importante destacar que o alcoolismo não afeta apenas o indivíduo, mas também seu círculo social, prejudicando relações familiares, profissionais e sociais, conforme relatado na pesquisa.
Muitas vezes, as pessoas ao redor enfrentam grandes desafios ao lidar com os comportamentos de um dependente, como instabilidade emocional e agressividade, além de terem que arcar com responsabilidades que o dependente deixa de cumprir. Esse impacto coletivo torna ainda mais urgente a necessidade de buscar ajuda especializada para tratar o vício e prevenir a deterioração das relações e da qualidade de vida.
Redes de apoio como o Alcoólicos Anônimos são recursos valiosos para o processo de recuperação do vício (Foto: Getty Images)
Procurar ajuda é o primeiro passo para romper o ciclo do alcoolismo. Reconhecer a dependência pode ser difícil, mas é essencial para que o tratamento seja eficaz. Centros de reabilitação, programas de apoio como o Alcoólicos Anônimos (AA) e o acompanhamento de profissionais de saúde mental são recursos valiosos que oferecem suporte durante o processo de recuperação.
A decisão de buscar tratamento permite ao dependente não apenas recuperar a saúde física e mental, mas também restaurar relações afetadas pelo vício e construir uma nova trajetória de vida.
Publicação internacional
A pesquisa foi publicada na revista Psychopathology, que foca em pesquisas experimentais e fenomenológicas que exploram a origem e o desenvolvimento dos sintomas psicopatológicos, assim como os transtornos mentais em geral.
O periódico busca aprofundar a compreensão dos processos psicológicos e biológicos envolvidos em disfunções mentais, com destaque para temas como neuropsicologia, desenvolvimento psicopatológico e saúde mental de jovens. Além disso, ela examina a interface entre mente e cérebro, buscando conectar os aspectos biológicos e subjetivos do comportamento humano.
Com um fator de impacto de 1.9 e um CiteScore de 5.1, a revista publica artigos que abordam a avaliação clínica, diagnósticos e intervenções terapêuticas. É reconhecida por seu rigor no processo de revisão por pares, o que garante a qualidade dos artigos publicados, como o trabalho dos pesquisadores da Unifor.