Pesquisa Unifor: Estudo analisa violência por parceiro íntimo entre homens gays

seg, 16 dezembro 2024 21:25

Pesquisa Unifor: Estudo analisa violência por parceiro íntimo entre homens gays

Trabalho constrói perfil mais preciso das vulnerabilidades dessa população e fundamenta intervenções preventivas mais sistêmicas, multissetoriais e específicas


O estudo busca identificar aspectos de riscos em diferentes níveis ecológicos como individuais, relacionais e sociocomunitários (Foto: Getty Images)
O estudo busca identificar aspectos de riscos em diferentes níveis ecológicos como individuais, relacionais e sociocomunitários (Foto: Getty Images)

Quando falamos sobre violência em relacionamentos, a sigla VPI costuma se referir ao termo Violência por Parceiro Íntimo. Esse conceito engloba comportamentos abusivos ou agressivos que ocorrem dentro de relacionamentos românticos ou sexuais, incluindo relações entre pessoas do mesmo sexo.

Trazendo luz a esse assunto, Viviane Amy Costa, psicóloga e egressa do Mestrado em Psicologia da Universidade de Fortaleza — instituição da Fundação Edson Queiroz —, produziu o artigo “Fatores de risco e proteção associados à violência de parceiros íntimos com homens gays: uma revisão de escopo”. A investigação contou com orientação da professora Aline Nogueira

O trabalho tem como objetivo mapear os fatores de risco e proteção relacionados à VPI entre homens gays cisgênero, com base em uma revisão de literatura. Para isso, o estudo dispõe-se a identificar esses aspectos em diferentes níveis ecológicos (individuais, relacionais e sociocomunitários).

Com isso, a pesquisa trabalha na construção de um perfil mais preciso das vulnerabilidades dessa população e fundamenta intervenções preventivas mais sistêmicas, multissetoriais e específicas para a VPI entre homens gays.


“A VPI ainda é amplamente invisível e exige a atuação conjunta de diversos setores para ser identificada, prevenida e combatida, evitando sua normalização nas relações. Para isso, é necessário o trabalho de equipes multidisciplinares, o envolvimento dos familiares na compreensão sobre o que constitui a violência íntima e a oferta de espaços de apoio para minorias sexuais que facilitem o acesso a suporte emocional e jurídico. Além disso, o fortalecimento de políticas públicas é essencial para promover mudanças e enfrentar essa realidade de forma eficaz”Viviane Amy Costa, psicóloga e egressa do Mestrado em Psicologia da Unifor

Metodologia 

Para desenvolver o trabalho, as pesquisadoras adotaram como metodologia uma revisão de escopo. Dessa forma, a revisão foi conduzida com base no modelo de Arkey e O’Malley (2005) e nas recomendações de Levac et al. (2010), que estabeleceram cinco etapas fundamentais, sendo elas:  

  • Identificação da questão de pesquisa;
  • Localização de estudos relevantes;
  • Seleção dos estudos;
  • Mapeamento dos dados; 
  • Síntese dos resultados.

Para garantir a relevância dos estudos selecionados, critérios rigorosos de inclusão e exclusão foram estabelecidos. Os artigos precisavam abordar a VPI entre homens gays ou predominantemente gays em amostras que também considerassem homens que fazem sexo com homens (HSH) e bissexuais. Apenas dados referentes a homens gays foram analisados. 

Os estudos deveriam ser empíricos, qualitativos ou quantitativos, publicados em português, inglês ou espanhol entre janeiro de 2018 e dezembro de 2022. Este intervalo temporal foi definido para atualizar a literatura científica após uma revisão semelhante realizada por Callan et al. (2021), cobrindo o período de 1931 a 2019. 

Os dados extraídos dos estudos incluíram informações detalhadas sobre autor, ano de publicação, país, objetivo, participantes, método de pesquisa, tipos de violência, prevalência e principais achados.

Essas informações foram organizadas em uma planilha, que serviu como base para a análise temática. Seguindo a abordagem de Braun e Clarke (2022), a análise permitiu a identificação de padrões e fatores associados à VPI. Os pesquisadores se familiarizaram com os dados, geraram códigos e agruparam temas de forma indutiva, garantindo que os resultados emergissem diretamente das evidências coletadas.

Fatores de risco 

Com a aplicação dos métodos, as pesquisadoras concluíram que há fatores de risco em todos os níveis, tanto individuais quanto relacionais e comunitários.

No nível individual, destacam-se fatores raciais e étnicos como preditores significativos para a ocorrência de VPI, indicando que experiências relacionadas à discriminação podem amplificar os riscos. Além disso, vivências de violência familiar, incluindo abusos sexual, físico e psicológico, foram identificadas como antecedentes importantes de VPI entre homens gays e bissexuais, tanto jovens quanto adultos.

Os desafios psicossociais também desempenham um papel crucial, com questões relacionadas à saúde mental e ao uso de substâncias e álcool emergindo como fatores de risco. Condições como depressão, pensamentos e tentativas de suicídio, bem como ansiedade, foram destacadas como fatores que podem aumentar a vulnerabilidade à VPI nessa população.

Os fatores de risco no nível relacional para a VPI entre homens gays destacam-se principalmente pelo tempo de relacionamento e pela coabitação. Estudos indicam que relações com duração superior a três anos ou mesmo acima de seis meses estão associadas a uma maior probabilidade de vivenciar experiências de violência por parceiro íntimo. Ademais, a coabitação foi identificada como um elemento que intensifica os riscos, possivelmente devido à maior convivência e exposição a conflitos cotidianos. 

A dinâmica dos acordos sexuais também emerge como um preditor importante, especialmente quando há divergências na percepção desses entendimentos entre os parceiros, o que pode gerar tensões e contribuir para episódios de violência.


Alguns dos fatores de risco relacionados à VPI são a discriminação e a experiência pregressa de violência em outros âmbitos da vida (Foto: Getty Images)

Outros fatores incluem as experiências precoces de VPI, que revelaram ser determinantes na formação de padrões de violência que se perpetuam desde a adolescência até a vida adulta. Comportamentos sexuais de risco também foram apontados como relevantes, muitas vezes associados à tentativa de afirmação de uma masculinidade estereotipada, caracterizada por hipersexualidade e impulsividade.

“Comportamentos sexuais de risco incluem fatores como a idade da primeira relação sexual homossexual e o uso de drogas durante o sexo. A associação entre o consumo de substâncias, como álcool e drogas, e a VPI entre homens gays, seja na vitimização ou na perpetração, pode ser explicada pelos efeitos dessas substâncias, que potencializam conflitos e intensificam o desejo de controle dentro da relação, aumentando assim as chances de violência por parceiro íntimo”, pontua Viviane. 

Já em relação aos fatores de risco no nível sociocomunitário, aponta-se que, como grupo socialmente marginalizado, os parceiros íntimos gays vivenciam características particulares da VPI: seja pela exposição ao estigma e à discriminação cotidiana, seja pela expectativa de rejeição, pela homofobia internalizada ou mesmo pela dificuldade de acesso aos serviços de proteção às vítimas de violências. 

“A desigualdade de gênero e a falta de serviços de apoio específicos para minorias sexuais também foram destacadas como fatores de risco para a VPI. Papéis de gênero, como os que influenciam o posicionamento sexual (ativo versus passivo), afetam a dinâmica de poder e aumentam os riscos de violência e vulnerabilidade”, enfatiza a psicóloga. 

Fatores de proteção 

Fatores individuais, como idade, educação, autoestima e resiliência, desempenham um papel crucial na proteção contra a VPI entre homens gays. Homens mais velhos apresentaram menor probabilidade de serem vítimas ou perpetradores de VPI, enquanto maiores níveis de escolaridade foram associados a menores chances de vitimização, especialmente no contexto de controle emocional e durante a pandemia de Covid-19.

Adicionalmente, características psicológicas como alta autoestima, autoeficácia e resiliência mostraram-se negativamente relacionadas à perpetração e vitimização, reduzindo a ocorrência de violência sexual, emocional e psicológica, conforme evidenciado por diversos estudos.


Educação, autoestima, felicidade e idade são alguns dos fatores que têm influência na proteção contra a VPI entre homens gays (Foto: Getty Images)

Já fatores relacionais como idade, felicidade e comprometimento desempenham um papel importante na proteção contra a VPI entre homens gays. Estudos mostram que iniciar o primeiro relacionamento homossexual em uma idade mais avançada (≥18 anos) está associado a menores chances de perpetração de violência física e sexual. 

Altos níveis de felicidade no relacionamento foram identificados como um fator protetor significativo, reduzindo a probabilidade de experiências de VPI bidirecional. Da mesma forma, um maior nível de comprometimento em relação ao parceiro também demonstrou diminuir os riscos de vitimização bidirecional.

Redes de apoio informal e instrumental, como suporte de familiares, amigos e colegas, também se apresentaram como fatores fundamentais na proteção contra a VPI, especialmente física e psicológica. Esses vínculos oferecem recursos essenciais que ajudam a reduzir a vulnerabilidade e fortalecer as vítimas.

Abordagem multissetorial no enfrentamento da violência entre homens gays

A VPI entre homens gays permanece invisível aos olhos da sociedade, tornando essencial uma abordagem multissetorial para sua identificação, prevenção e enfrentamento. Essa violência, muitas vezes naturalizada nas relações, exige a colaboração de diferentes setores para ser combatida. Além do papel dos médicos e da polícia, que frequentemente são os primeiros a receber as vítimas, é necessário o envolvimento de uma equipe multidisciplinar. 

Viviane destaca que a violência chega aos poucos nas relações, penetrando em forma de controle, piadas, monitoramento e, aos poucos, se expandindo, levando a impactos na saúde emocional, física e sexual.

Segundo a pesquisadora, é preciso entender, antes de tudo, que qualquer relação pode estar sujeita a passar por algum tipo de violência para que, dessa maneira, se permita ver e perceber que um homem também pode ser vítima disso, não apenas perpetrar.

“As relações gays não fogem disso. É preciso que os profissionais se atentem a esse grande detalhe para ver os sinais por aqueles que os procuram. Nem tudo é explicitamente. É preciso olhar profundamente para quem está diante de você e ouvi-los verdadeiramente”, finaliza a psicóloga.

Publicação internacional

Devido sua relevância, o artigo foi publicado na Trauma, Violence, & Abuse (TVA), revista acadêmica internacional revisada por pares e publicada cinco vezes ao ano. Com fator de impacto 5.4, o periódico se dedica a organizar e expandir o conhecimento sobre todas as formas de trauma, abuso e violência.

Voltada para profissionais e estudantes avançados, a TVA desempenha um papel crucial ao compilar e sintetizar informações que influenciam diretamente a prática, a política e a pesquisa em áreas como ciências sociais, comportamento humano e direito. Seu objetivo é proporcionar uma visão abrangente sobre as temáticas abordadas, contribuindo para o desenvolvimento de estratégias mais eficazes de prevenção, intervenção e formulação de políticas públicas.