Pesquisa Unifor: Estudo busca reposicionar medicamentos existentes para tratar a dor orofacial crônica
seg, 28 julho 2025 15:47
Pesquisa Unifor: Estudo busca reposicionar medicamentos existentes para tratar a dor orofacial crônica
Coordenada por Adriana Rolim, a pesquisa envolveu a seleção de fármacos com potencial para aliviar a dor orofacial, mas que ainda não são regularmente indicados para esse fim

A dor orofacial é uma condição associada à região da cabeça, face, pescoço e estruturas da cavidade oral. Nessa categoria estão incluídas as dores de cabeça com origem no sistema nervoso, de origem odontológica, psicogênicas (relacionadas a fatores psicológicos) e por doenças graves, como tumores. Quando essas dores persistem por mais de três meses, passam a ser classificadas como crônicas, prejudicando a qualidade de vida dos pacientes.
De olho nesse cenário, a Universidade de Fortaleza, instituição mantida pela Fundação Edson Queiroz, estimula estudos que auxiliam no tratamento de pessoas que vivem com esse tipo de problema. A pesquisa “Reposicionamento de medicamentos como alternativa eficaz para o tratamento da dor orofacial crônica”, desenvolvida no Núcleo de Biologia Experimental (Nubex), é um desses exemplos.
O trabalho investiga o reposicionamento de medicamentos que já estão aprovados e comercializados para outros tipos de uso, mas que ainda não são utilizados para dor crônica. Esses fármacos são testados em modelos animais para avaliar a eficácia no alívio da dor. O propósito é encontrar alternativas terapêuticas seguras e eficazes que possam ser rapidamente aplicadas nas clínicas, aproveitando o perfil de segurança já conhecido dessas medicações.
A professora Adriana Rolim, coordenadora de Pesquisa da Unifor e uma das autoras do estudo, explica que “ao reposicionar esses fármacos, buscamos acelerar o desenvolvimento de novas opções terapêuticas, com segurança e eficácia já comprovadas, para oferecer alternativas melhores e mais rápidas aos pacientes que sofrem com essa condição debilitante”.
De acordo com a pesquisadora, é fundamental seguir com os estudos no âmbito do tratamento da dor orofacial crônica em razão dessa condição ainda ser pouco compreendida e, muitas vezes, difícil de manejar de maneira eficaz.
“Novas pesquisas permitem aprofundar o conhecimento sobre mecanismos envolvidos na dor, identificar novas possibilidades terapêuticas e melhorar os tratamentos existentes, além de proporcionar alívio mais rápido e duradouro. O reposicionamento de medicamentos é uma estratégia promissora, mas precisa ser continuamente explorada para garantir segurança, eficácia e inovação no cuidado ao/à paciente.” — Adriana Rolim, coordenadora de Pesquisa da Unifor
Além de Adriana, o projeto contou com a participação de Angelo Roncalli, docente do curso de Farmácia da Unifor. Professores de outras instituições também fazem parte da equipe, como: Barry Sessle, da Universidade de Toronto; Ângelo de Fátima, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG); Ernani Magalhães, da Universidade Estadual do Ceará (UECE); e Lucindo Quintana, da Universidade Federal de Sergipe (UFS).
Como a pesquisa foi desenvolvida?
Segundo Adriana, a pesquisa foi desenvolvida em etapas que envolveram a seleção de medicamentos candidatos com potencial para aliviar a dor orofacial, mas que ainda não são indicados para esse fim. Em seguida, foram realizados testes pré-clínicos em modelos animais, nos quais foi analisada a eficácia desses fármacos na redução da dor por meio de métodos comportamentais específicos.
“Todo esse processo envolveu colaboração multidisciplinar, desde a revisão da literatura para escola dos medicamentos, planejamento experimental, realização dos testes e análise dos resultados para validar a eficácia dos fármacos estudados”, destaca a professora.
Guilherme Marinho, egresso do curso de Farmácia da Unifor e membro da equipe de pesquisa, detalha que foram usadas três concentrações de melatonina e três agentes (cinamaldeído, mentol e capsaicina) que induzissem a dor no peixe, sendo cada um agonista — substância que se liga a um receptor e o ativa, provocando uma resposta biológica — de um canal TRP (Potencial Receptor Transitório) correspondente. Foram feitos testes de campo aberto para observar o comportamento do peixe somente com a aplicação da melatonina.
Após esse processo, foi aplicado o agente causador da dor para avaliação do efeito antinociceptivo da melatonina em determinada concentração e, para efeito de comparação, foi observado um grupo naive (sem aplicação de melatonina e sem agente causador da dor). O comportamento do peixe-zebra era avaliado pela quantidade de vezes que ele cruzava as linhas traçadas na placa de Petri em determinada faixa de tempo.
Momento em que os peixes eram avaliados com e sem a aplicação da melatonina e do agente causador da dor em uma determinada faixa de tempo (Foto: Arquivo pessoal)
Adriana explica que o reposicionamento de medicamentos consiste em identificar fármacos que já são aprovados para tratar doenças e testar se eles também podem ser eficazes no tratamento da dor orofacial. Os medicamentos já tem seu perfil de segurança e efeitos colaterais conhecidos, o que torna o processo mais rápido e barato do que desenvolver um novo medicamento.
Qual a importância do estudo para a sociedade?
A professora pontua que a dor orofacial é uma condição que afeta significativamente a qualidade de vida de muitas pessoas, causando sofrimento físico, emocional e dificuldades nas atividades diárias. “Nossa pesquisa é importante porque busca oferecer novas opções de tratamento mais eficazes e seguras, aproveitando medicamentos já disponíveis no mercado. Isso pode acelerar o acesso a terapias que realmente funcionam, reduzindo o tempo e os custos envolvidos”, declara.
Além disso, ela ressalta que o trabalho pode trazer diversos benefícios para a sociedade, como a oferta de tratamentos mais rápidos e acessíveis ao reutilizar medicamentos já aprovados, reduzindo custos e o tempo necessário para que novos tratamentos cheguem aos pacientes. “Tratamentos eficazes contribuem para diminuir o uso inadequado de medicamentos e seus efeitos colaterais, beneficiando tanto pacientes quanto o sistema de saúde”, afirma.
Segundo Guilherme, a dor orofacial tornou-se algo muito comum, com cerca de 17 a 26% da população sofrendo desse problema. Esse trabalho mostra para a sociedade que a melatonina tem um potencial terapêutico bem além, somente, da regulação do sono. “Quem sabe, no futuro, teremos medicamentos analgésicos/anti-inflamatórios à base da melatonina, visto que hoje muitos medicamentos são usados de forma ‘off-label’, fora de indicação”.
Esse tipo de estudo, diz ele, também mostra que muitos fármacos podem ser reposicionados para serem utilizados em outras queixas que não somente aquelas para os quais foram desenvolvidos a princípio. “Quando se tem um resultado positivo em uma pesquisa que tenha esse objetivo, é uma opção a mais para a população que necessita de tratamento para dor orofacial. Quanto mais opções eficazes de medicamentos, melhor vai ser para o paciente, pois aumenta as chances de resolução positiva”, conclui.
“Para todo medicamento desenvolvido, houve cientistas que se interessaram por aquela substância e entenderam onde ela poderia ser usada em prol da sociedade. O incentivo tem que acontecer nas escolas e universidades para que os estudantes queiram vir para essa área. O mundo precisa da ciência para evoluir. Existem pacientes que não têm resultados com as mesmas medicações, então precisamos de mais opções para o tratamento.” — Guilherme Marinho, egresso do curso de Farmácia da Unifor e membro da equipe de pesquisa
Resultados e próximos passos
Diversos medicamentos já foram testados para o reposicionamento no tratamento da dor orofacial crônica, incluindo carvedilol, nicorandil, melatonina, nifedipina e metformina. O estudo com carvedilol teve o progresso limitado, mas os outros medicamentos mostraram resultados promissores. As investigações com nicorandil, melatonina e nifedipina geraram publicações científicas relevantes, contribuindo para o avanço na área.
O trabalho com a metformina foi o de maior destaque: além de apresentar efeito significativo no alívio da dor, levou ao desenvolvimento de uma nanoformulação inovadora que potencializa o efeito analgésico e melhora sua entrega no organismo. Esse avanço, advindo de uma parceria com o professor Angelo Roncalli, resultou no pedido de depósito de patente, mostrando o potencial transacional e comercial do estudo.
Hoje a equipe se aprofunda em trabalhos com a nanoformulação descoberta, além de continuar testando outros medicamentos candidatos para ampliar as opções terapêuticas disponíveis. As etapas futuras vão incluir testes clínicos e aprofundamento das investigações dos mecanismos de ação desses fármacos.
Suporte para pesquisa na Unifor
A Universidade de Fortaleza tem um papel fundamental no desenvolvimento dessa pesquisa, oferecendo suporte estrutural, técnico e acadêmico. São laboratórios bem equipados e apoio institucional para submissão de projetos e patentes, além de programas de iniciação científica e pós-graduação que incentivam a produção de conhecimento de forma integrada entre docentes, discentes e egressos.
Essa estrutura favorece um ambiente de pesquisa colaborativo e inovador. Muitos dos pesquisadores envolvidos neste estudo de reposicionamento de fármacos para dor orofacial crônica foram formados na própria Unifor — o que mostra como a instituição contribui diretamente para a formação de profissionais qualificados e comprometidos com a ciência.