seg, 13 fevereiro 2023 17:52
Alunos e professores da Unifor realizam mutirão no bairro Bom Jardim
Iniciativa faz parte de ações realizadas pelo Laboratório de Estudo das Relações Humano-Ambientais (LERHA), vinculado ao Mestrado e Doutorado em Psicologia da Universidade de Fortaleza
A fim de promover espaços lúdicos na comunidade Pantanal, localizada no Bom Jardim, bairro da periferia de Fortaleza, o Laboratório de Estudo das Relações Humano-Ambientais (LERHA) — vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Psicologia (PPGP) da Universidade de Fortaleza — tem realizado mutirões para transformar espaços degradados em ambientes de lazer para os moradores.
A ação faz parte da pesquisa “Usos e significados dos espaços públicos em tempos de pandemia da COVID-19: promoção da saúde e sustentabilidade nos processos de intervenção comunitária”, contemplada com edital no programa de apoio às equipes de pesquisa da Unifor, mantida pela Fundação Edson Queiroz.
O estudo começou em 2022, encabeçado pela coordenadora do LERHA e professora do PPGP, Karla Patrícia Ferreira. Também contou com o apoio de pesquisadores da Universidade Federal do Piauí (UFPI) e da Universidade do Arizona, além da participação de estudantes de doutorado, mestrado e iniciação científica da Unifor.
No dia 28 de janeiro, foi realizado ações de intervenção social-ambiental, como parte da segunda etapa do projeto de pesquisa, coordenada pela professora Eulaidia Araujo, doutora em planejamento urbano pela Universidade de Lyon, França. O Mutirão da Alegria contou com a participação de toda a comunidade, poder público, professores, estudantes e do artista plástico Célio Sousa, apoiando na restauração dos objetos, antes considerados lixo, encontrados no espaço.
Para a professora Eulaidia Araujo, o trabalho de (res)significação dos objetos, buscando a participação da comunidade e de todos, promove o processo de apropriação do espaço e a conscientização ambiental de forma concreta. “Torna visível a transformação pessoal para o bem-estar e uma convivência coletiva”, diz.
Ressignificar espaços comunitários
Ao pesquisar na internet “Pantanal, Bom Jardim”, o que se vê no Maps são entulhos, moradias modestas com pichações e um terreno descampado. Sem atualização há algum tempo, a ferramenta não consegue transitar pelo espaço livremente porque o local e suas construções, para a Google, ainda não existem. Mas não só existem como resistem graças aos moradores e a iniciativas privadas, como a liderada pela Universidade.
Um dos mutirões realizou a limpeza do espaço, que será destinado ao lazer e encontros da comunidade (Foto: Arquivo pessoal)
Com o mutirão, as pichações foram substituídas por pinturas produzidas em conjunto com os moradores, que receberam aulas do artista plástico Celio Sousa. Já o lixo foi removido pela Prefeitura de Fortaleza, a pedido das professoras da instituição de ensino.
O terreno ainda encheu-se com horta, bancos e balanços feitos de pneus, além dos desenhos, que ganharam forma no muro então pichado. Segundo Karla Patrícia, a comunidade passou dias reunindo materiais recicláveis para ressignificar o local. A Unifor custeou tintas, diárias dos artistas, materiais de construção, entre outros.
Pichações deram lugar a pinturas com o apoio do artista plástico Celio Sousa e dos estudantes da Unifor (Foto: Arquivo pessoal)
“Eu sempre digo que estava no lugar certo na hora certa”, diz Maria Silvelania Pereira de Sousa, membro de diversos movimentos sociais e agente comunitária de saúde no Bom Jardim. Ela tem a própria história marcada pela luta coletiva.
Foi graças a Maria que a comunidade Pantanal recebeu a atenção da Unifor. Ao saber da pesquisa e ações que a Universidade realizaria, não pensou duas vezes antes de tentar convencer os responsáveis do estudo a olharem para o local, que não conta com associação de moradores e sofre com a invisibilidade social.
Professora Karla Patrícia Ferreira e Maria Clara, estudante de Psicologia. Maria Silvelania Pereira de Sousa, agente comunitária de saúde, durante limpeza na comunidade Pantanal (Fotos: Arquivo pessoal)
Luta coletiva
Moradora do Bom Jardim, Maria afirma sempre ter lutado pela comunidade onde vive. “E agora, vendo essas ações acontecendo, estou muito feliz. Agradeço muito ao LERHA e a Unifor por estarem presentes”, relata.
“A gente observa a comunidade nesse espaço, não acredita que era um ‘lixão’ que está sendo transformado com a ajuda de todos. Mas o que é mais importante para mim é ver a comunidade, tão vulnerável e com IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) tão baixo, abraçar e participar do movimento” — Maria Silvelania Pereira de Sousa, agente comunitária de saúde no Bom Jardim
As vivências de Maria inspiraram sua filha, Carla Nayra Sousa do Nascimento, estudante de Engenharia Ambiental e Sanitária no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE). Assim como a mãe, ela participa de movimentos sociais e vê a luta coletiva como ferramenta de transformação de realidades. “Para mim, esse movimento é uma semente de esperança de que é possível a construção em comunidade”, diz.
Para ela, foi muito especial estar lá enquanto moradora e estudante: “Trazer o estudo para dentro da comunidade e ver essa transformação acontecendo é algo que dá esperança e me faz acreditar que é o caminho certo, o caminho de transformação e da mudança real”. Carla espera que ações como as realizadas pelo LERHA continuem para que a comunidade “tenha pernas para andar sozinha”.
Maria Silvelania Pereira de Sousa, Carla Nayra Sousa do Nascimento e Zyon Nascimento, três gerações de uma mesma família unidas no mutirão da comunidade Pantanal (Foto: Ares Soares)
“Sei que precisamos de ajuda ainda, mas vamos nos erguer e andar sozinhos, conseguindo desde direitos básicos, negados à comunidade periférica, até o acesso à cultura, aos esportes e à arte”, finaliza a estudante, esperançosa.
Gratidão e esperança
Paulo Santos é morador da comunidade Pantanal. A requalificação aconteceu em frente a sua casa (Foto: Ares Soares)
Homem simples e humilde, Paulo Santos ganha a vida como carregador de caminhão. Ao falar sobre o mutirão e os voluntários, declara serem verdadeiros “anjos” que Deus colocou em sua vida para olharem para a favela onde mora.
“Hoje, ver esse povo todo na minha casa é um sonho que está sendo realizado. E ver essa paisagem bonita de manhãzinha sem lixo é lindo, lindo!”, conta emocionado. Com o esforço de todos, pontua, conseguiram realizar coisas com entulho que nunca imaginaram.
A professora Karla Patrícia observa que, agora, o local está lindo, mas havia muito lixo na semana anterior à ação. “Com a ajuda da Unifor, que financiou tudo, conseguimos comprar pá, tintas, luvas, ciscador, enxada e equipamento de segurança para ninguém se cortar porque havia muito caco de vidro”, compartilha.
“Claro que tudo só aconteceu porque a comunidade abraçou e trouxe a força do seu trabalho para cada encontro. Cada nova oportunidade tinha mais e mais gente. O que foi uma novidade porque a população está acostumada a virem pessoas fazerem pesquisas e coleta de dados e irem embora, não voltam” — Karla Patrícia, doutora e professora do Programa de Pós-Graduação em Psicologia (PPGP) da Unifor
Segundo a docente, apesar de terem concluído as etapas dos mutirões e de já terem entregue o espaço de lazer para os moradores, o LERHA continuará acompanhando e trabalhando com a comunidade. E, agora, está aberto um canal direto com toda a Universidade, que poderá realizar atividades e ações no espaço.
“A gente não vem coletar dados, a gente vem construir conhecimento coletivo”, resume. “Há a esperança de construir uma biblioteca para as crianças e aproveitar melhor esse campo”.
Experiência extramuros
Uma das questões tratadas na pesquisa e no LERHA é a preocupação com o meio ambiente, assim como o fortalecimento da consciência ambiental daqueles que são impactados por esse trabalho. Dar novo sentido àquilo que não está sendo mais utilizado e aproveitar de um espaço ligado à natureza é parte do grande desafio de construir um ambiente comum a todos.
É também por isso que, além de psicólogos, o grupo conta com a participação de discentes e docentes da área de arquitetura. “Juntos, moradores, estudantes e professores, aprendemos muito, trocamos experiências e conhecimentos”, destaca Karla Patrícia.
A estudante de Psicologia, Maria Clara Romero, é bolsista do LERHA. Para ela, participar do projeto é uma forma de colocar em prática a teoria vista na sala de aula. Acredita que, onde tem gente, é possível ver psicologia, e presenciar essa união é muito mais do que um conceito porque se vai à prática.
“Ver pessoas enquanto comunidade e cidade transformando as próprias vidas através dos espaços é encantador e emocionante. Ir para a experiência, conviver com as pessoas, transformar a teoria e o estudo é incrível”, destacou a futura psicóloga.
Leticia Ibiapina, arquiteta e cantora, e Maria Clara Romero, estudante de Psicologia da Unifor e bolsista do LERHA (Foto: Ares Soares)
Repensar o planejamento urbano das cidades priorizando o povo e estimulando o comprometimento com o que é considerado socialmente justo, culturalmente diverso, economicamente viável e de menor impacto ambiental são alguns dos objetivos da arquitetura.
“Tudo, na verdade, é para as pessoas. A prática dessa relação humano-ambiental é muito importante para vivermos em sociedade. Essa prática que estamos fazendo é tão importante para a gente quanto para a comunidade, porque é uma relação mútua, bilateral. Arquitetura é encontro, é relação, é você ir lá e fazer. Aqui estamos nós, fazendo”, diz a arquiteta e artista Leticia Ibiapina.
Etapas do trabalho
Para que a pesquisa se concretizasse no mutirão, houve algumas outras etapas. Conforme Karla Patrícia, o trabalho contou com uma pesquisa quantitativa no primeiro momento por meio da aplicação de um questionário online e presencial, a fim de investigar os usos e significados dos espaços públicos do ponto de vista das populações de Fortaleza (CE) e Picos (PI). Os dados coletados nessa etapa foram analisados através do software SPSS (pacote estatístico com diferentes módulos para a utilização de profissionais de ciências humanas e exatas).
Comunidade e academia dialogam para, juntos, melhorarem a realidade das pessoas (Foto: Ares Soares)
Já na segunda etapa, ocorreu uma investigação ação-participativa a partir de uma imersão étnico-vivencial e comunitária, promotora de educação cidadã e crítica, beneficiando integradamente as comunidades envolvidas, enquanto visava o fortalecimento do eixo acadêmico-científico.
Além da coordenação de Karla Patrícia Ferreira, doutora e professora do Programa de Pós-Graduação em Psicologia, o processo contou com a participação de outros professores da Unifor: Cynthia Melo, Clerton Martins, Aline Domício e Marília Diógenes. Ainda participaram cerca de 15 alunos, entre voluntários e bolsistas.
Também a parceria do professor e Phd Timothy Finan, da Universidade do Arizona; da pós-doutoranda do PPGP e presidente da Rede Internacional de Ações Sustentáveis e do Projeto Ser Cidade, professora Eulaidia Araujo; da professora doutora Ada Mourão, da UFPI, e do Projeto Ser Cidade; da docente e doutora Maria Madalena Ferreira, voluntária junto ao Laboratório de Cartografia e Geografia da Universidade Federal de Rondônia (LABCART); e Roberta Bonfim, jornalista e mestranda do PPGP.
As professoras Karla Patrício e Eulaidia Araujo (Foto: Ares Soares)
Presente em todos os mutirões, Eulaidia compartilha a experiência de participar das intervenções realizadas: “A gente fica super feliz de estar proporcionando algum bem-estar naquilo que antes era problemático para a comunidade: a invisibilidade, o lixo na frente de casa, os mosquitos, os ratos. A gente tá aqui buscando qualidade de vida para essas pessoas”.
Segundo a pós-doutoranda, o trabalho agora seguirá uma nova fase com a organização de um seminário — previsto para ser realizado nos dias 23 de fevereiro acontecerá o Encontro de Psicologia e Relações Humano-Ambientais: intervenção comunitária, sustentabilidade e promoção da saúde; 24 de fevereiro, na Unifor, ocorrerão exposições de banners, fotografias e rodas de conversa; e 25 de fevereiro, acontecerá o encerramento com o Festival comunitário de ações sustentáveis, pela manhã na comunidade Pantanal, no Bom Jardim, e pela tarde no bairro Jardim Iracema.
Nas três ocasiões, pesquisadores e moradores terão a oportunidade de falar sobre os benefícios e desafios encontrados ao longo do ano. As iniciativas buscam conscientizar sobre a importância da conservação dos espaços públicos, a fim de promover uma maior identificação e autoavaliação positiva em relação à cidade.