qui, 7 janeiro 2021 17:30
Aprender a descansar: o equilíbrio necessário para a vida
Você já reservou um tempo para “esvaziar a cabeça”? Especialistas comentam a importância do descanso na rotina contemporânea
A relação das pessoas com o tempo livre é algo que se complicou no último ano. Estudo, trabalho e afazeres domésticos tiveram a rotina alterados pelas regras sanitárias e os ambientes se misturaram no auge do lockdown, levando a maioria das pessoas a um desgaste cuja única forma de contornar é dando uma pausa, redescobrir-se e experimentar novas formas de estar bem. Esta é a “fórmula” indicada por especialistas para conseguir descansar.
O tema é alvo de estudos pelo professor Dr. Viktor D. Salis há décadas e ele aponta a falta de habilidade das pessoas em lidar com isso como um problema crônico, que deve ser contornado tanto nos ambientes de trabalho quanto na escola e em casa. “As pessoas não sabem ‘ociar’, não sabem ter o prazer de viver. Não sabem equilibrar”, diz, sugerindo 8h de trabalho, 8h de descanso e 8h do ócio criador para atingir esse equilíbrio.
D. Salis afirma que o ócio criador deve ser interpretado como algo que faz bem ao indivíduo, seja uma atividade de lazer ou de descanso. No entanto, geralmente, a atividade é discriminada. “As pessoas não sabem o equilíbrio entre ócio, trabalho e saúde. O primeiro problema é que confundem o ócio com vagabundagem”, protesta, lembrando ainda que a ideia de “trabalhar muito” é difundida e, quando isso não acontece, as pessoas são tomadas por um sentimento de culpa.
Mas, para o professor, a pandemia agravou toda a realidade que já se desenhava tensa para todos. “Na realidade, esse tempo está nos obrigando a saber encontrar esse lugar. A gente chama o descansar da pausa. Pausar é um ato de vida. Então, nesse momento, todo mundo convoca a entender a pauta, e não é só a pausa para descansar, é a pausa para se entender, convocar-se, acolher-se... Tudo na vida é preciso pausa”, alerta Clerton Martins, coordenador do OTIUM – Laboratório de Estudos sobre Ócio, Trabalho e Tempo Livre – e professor do curso de Psicologia da Universidade de Fortaleza, instituição ligada à Fundação Edson Queiroz.
Experimentação
Para conseguir reconhecer a necessidade de pausa e o que lhe faz bem nelas, o professor indica: “Muita experimentação, ou seja, você se lança ao que você nunca se lançou. É uma coisa meditativa porque você está olhando para o céu, para as casas, para as coisas, mas está buscando algo em si”. Viver experiências diversas e inéditas é apontado por ele como uma das formas de se reconhecer e avançar nesta perspectiva.
O novo momento, como tudo na atualidade, é resultado do último ano, quando as pessoas foram obrigadas a passar mais tempo em casa. E isso não necessariamente significou descanso. A nova condição induziu as pessoas a assumir mais compromissos, seja grupos de estudo seja tarefas profissionais, e os metros quadrados da casa não representaram paz. Além disso, vieram as novas condições de vida: use máscaras, lave as mãos, use álcool 70%, higienize as compras...
Pausa. O estudante de Psicologia Douglas Cavalcante, 23, enxergou essa necessidade tão logo se viu sem um tempo para ele próprio. Com computador e smartphone em mãos e a comodidade de sua residência, ele assumiu compromissos em diversos grupos de estudo e atividades acadêmicas que o sufocaram e enxergou a necessidade de descansar.
“No começo da pandemia, eu não soube lidar com as coisas. Agora, acordo todo dia de manhã, aí não toco no celular. Eu levanto, leio, tomo meu banho, o café da manhã. Eu tenho uma meta de ler cem páginas por dia”, conta sobre a nova rotina que assumiu.
Como resultado dessa releitura de si, ele se considera uma pessoa mais saudável para ele e para os que estão mais próximos. Agora, projeta um futuro sem muita influência daquilo que traz tensão ao dia a dia, seja nas redes sociais ou mesmo nas relações vividas.
A meditação também passou a fazer parte do cotidiano de Douglas nesse processo de “recriação”. Esta é a palavra apontada pelo professor Clerton Martins neste processo de autoconhecimento para enfrentar as tensões. “Recriar é uma palavra que eu gosto muito de usar. Você vai se recriando diante dos desafios e das tensões. Esse momento que a gente vive é um convite para um encontro consigo mesmo. Se desligar, ficar dentro de casa e nesses conflitos você precisa recriar os seus sentimentos, os seus prazeres... Vejo muito nesta perspectiva positiva”, analisa.
Postura
Esse tempo para si é valorizado pela estudante de Jornalismo Luiza Ester, 23, que se considera uma pessoa que não se deixa tensionar tanto pelos momentos de estresse, apesar de não poder fugir deles. “Eu sinto, sinto muito. Choro, me desespero. Acho que faz parte do processo. Não dá para ter controle de tudo. É sobre amadurecer também. Quando passa, bebo uma água, tomo um banho, ouço músicas, vejo vídeos no YouTube ou faço absolutamente nada”, revela sobre como lidar com as intempéries da vida.
Da mesma forma que Douglas, o comportamento dela é resultado de um autoconhecimento, de saber o que lhe faz bem e como chegar a ele. São as descobertas sobre si mencionadas pelo professor que refletem sobre o comportamento e a forma de como encarar a vida, e saber pausar. “O que eu faço para ser leve? Eu não sei... Acredito que isso tem a ver com as nossas experiências de vida, com as construções de cada pessoa. A partir do que acho que sou... Cresci em meio à natureza, admirando as árvores, o vento, as galinhas e os passarinhos. Rindo, ouvindo música, desenhando. Fazendo arte. Acredito que sou um tanto dessa criança. Não é algo que eu faço categoricamente. É quase como algo que faz parte de mim, eu acho”, diz Luiza.
Já Diego Bezerra, 22, estudante de Direito, acrescentou a terapia a uma rotina mais equilibrada de afazeres. Após algumas tentativas, ele conta que passou a se sentir melhor ao falar dos problemas e buscar soluções para eles com regularidade. Com isso, a prática de esporte e o estudo direcionado aos objetivos profissionais futuros, Diego diz ter conseguido estabelecer-se melhor.
Nestas pausas, como fizeram os estudantes de Jornalismo, Psicologia e Direito, o professor Dr. Viktor D. Salis ressalta a importância de desenvolver atividades prazerosas no ócio criativo. “Se sentir importante com algo que é seu, desenvolver seus talentos e atividades para o outro. Trabalhar muito não é preciso, é preciso aprender a ter prazer em viver”, aconselha.