seg, 20 janeiro 2025 11:53
Cinema brasileiro ganha destaque crescente em premiações internacionais
O cinema nacional vibra com a vitória de Fernanda Torres no Globo de Ouro 2025, evidenciando a crescente influência das produções brasileiras em premiações globais
O cinema brasileiro vive um momento de grande destaque nas premiações internacionais, fenômeno que se intensificou nos últimos anos. A 81ª edição do Globo de Ouro, realizada em janeiro de 2025, marcou um capítulo significativo para a indústria cinematográfica do Brasil, com a atriz Fernanda Torres se tornando a primeira brasileira a conquistar a estatueta de Melhor Atriz em Filme de Drama.
A premiação foi atribuída por sua atuação no longa “Ainda estou aqui” (2024), dirigido por Walter Salles, onde ela interpreta Eunice Paiva, uma mulher em busca de seu marido, Rubens Paiva, ex-deputado que desapareceu durante a ditadura militar no Brasil. Essa conquista celebra o talento da atriz e ressalta a relevância do audiovisual nacional no cenário global.
Fernanda — reconhecida por seu papel como Sueli na série de comédia “Tapas e beijos” e por sua performance em “Eu sei que vou te amar” (1986), de Arnaldo Jabor — fez história em 1986 ao ganhar o prêmio de Melhor Atriz no Festival de Cannes, tornando-se uma figura proeminente no cinema brasileiro aos 20 anos.
Em 1999, sua mãe, a atriz Fernanda Montenegro, também foi indicada na mesma categoria em Cannes por sua atuação em “Central do Brasil” (1998), produção também dirigida por Walter Salles. No mesmo ano, o longa-metragem ainda rendeu a primeira estatueta do cinema nacional no Globo de Ouro, sendo vencedor na categoria de Melhor Filme em Língua Estrangeira.
Cinema brasileiro pelo mundo
Apesar do Globo de Ouro ser uma das principais premiações mundiais e um “termômetro” para o Oscar, outros festivais também desempenham um papel relevante no cinema internacional. Este campo, que sempre foi bastante disputado, tem se tornado mais diverso nos últimos anos, refletindo uma maior variedade de vozes e histórias. Essa evolução nas grandes premiações permite uma representação mais abrangente e inclusiva, enriquecendo ainda mais o panorama cinematográfico global.
Neste cenário, o cinema brasileiro celebrou grandes conquistas no 81º Festival Internacional de Cinema de Veneza, realizado entre 28 de agosto e 7 de setembro de 2024. Uma das mais antigas e prestigiadas premiações do setor reuniu diretores consagrados e emergentes, sendo uma vitrine de produções inovadoras e socialmente relevantes. O Brasil se destacou ao vencer três prêmios importantes em mostras paralelas.
Longas premiados na 81ª edição do Festival Internacional de Cinema de Veneza (Foto: Divulgação)
O longa “Manas”, dirigido por Marianna Brennand, conquistou o Director’s Award na Giornate Degli Autori, seção independente do Festival de Cinema de Veneza dedicada a cineastas emergentes com obras autorais e estilos inovadores. Já o filme “Ainda estou aqui” venceu o prêmio de Melhor Roteiro, confirmando as expectativas do público e da crítica. O longa é apontado como forte candidato ao Oscar 2025 na categoria de Melhor Filme Internacional.
Outro destaque foi a coprodução Brasil-Colômbia do documentário “Alma do Deserto”, de Mônica Taboada-Tapia, que fez história ao vencer o Leão Queer no 81º Festival de Cinema de Veneza. Exibido também na Giornate Degli Autori, o filme se tornou a primeira produção brasileira a conquistar o prêmio, que reconhece o melhor título com temática LGBTQIA +.
Além do Festival de Veneza, o Brasil se destacou em outras premiações. Também em 2024, o longa “Motel destino”, do diretor cearense Karim Aïnouz, foi exibido na 77º Festival de Cannes, onde foi ovacionado por 12 minutos.
Elenco do filme “Motel Destino” no 77º Festival de Cannes (Foto: Steffen Osburg)
Concorrendo pela Palma de Ouro, principal prêmio do evento, “Motel Destino” conta a história de uma mulher em um relacionamento abusivo com um ex-policial, dono do motel do título, que vê a sua vida mudar após um jovem, recém-saído de uma instituição socioeducativa onde cumpria pena, entrar nela.
Apesar de não ter levado o prêmio para casa, o longa teve uma repercussão excelente, destacando o impacto do Ceará no cenário nacional e internacional. Com essa indicação, Karim Aïnouz teve a oportunidade de disputar a segunda Palma de Ouro para o Brasil, que foi conquistada apenas uma vez, em 1962, com “O Pagador de Promessas”, dirigido por Anselmo Duarte.
Além de sua participação na categoria principal, Aïnouz já foi premiado no Festival de Cannes em outras ocasiões. Em 2019, ele levou o prêmio da mostra Un Certain Regard com “A Vida Invisível”. Antes disso, disputou a Queer Palm, dedicada a produções voltadas ao público LGBTQIAPN+, em duas ocasiões: em 2002, na sua estreia em Cannes, com “Madame Satã” (2002); e em 2011, com “O Abismo Prateado”.
Trajetória de premiações do cinema nacional
O cinema nacional tem uma rica história de participação em premiações internacionais, embora tenha concorrido à estatueta de Melhor Filme Estrangeiro apenas quatro vezes. As produções que representaram o Brasil nessa categoria foram “O Pagador de Promessas” (1962), “O Quatrilho” (1995), “O Que É Isso, Companheiro?” (1997) e “Central do Brasil” (1999).
O primeiro filme brasileiro a conquistar um grande prêmio internacional foi “O Cangaceiro”, escrito e dirigido por Lima Barreto. Lançado em 1953 e produzido pela extinta companhia cinematográfica Vera Cruz, o filme narra a história do cangaceiro Galdino, que se autodenomina “governador da caatinga” e espalha o terror pelo sertão nordestino. O longa foi premiado como Melhor Filme de Aventura no Festival de Cannes de 1953, uma categoria que já não existe mais.
Avançando para 1962, “O Pagador de Promessas”, escrito e dirigido por Anselmo Duarte, conquistou a Palma de Ouro no Festival de Cannes, tornando-se até hoje o único filme brasileiro a ganhar esse prêmio máximo.
Mais de três décadas depois, “Central do Brasil” trouxe novas esperanças para o cinema brasileiro. Em 1999, o filme não apenas venceu o Globo de Ouro de Melhor Filme Estrangeiro, mas também rendeu à atriz Fernanda Montenegro uma indicação à categoria de Melhor Atriz no Oscar.
Montenegro ganhou também o Urso de Prata de Melhor Atriz do Festival Internacional de Berlim, a Berlinale, por “Central do Brasil”. Ela ainda acumula outros diversos triunfos em premiações menores.
Em 2013, Fernanda levou um Emmy Award pelo especial “Doce de Mãe”, da TV Globo. Já em 2024, ela foi parar no Guinness World Records após bater o recorde de maior público em uma leitura filosófica no mundo. Aos 94 anos, a atriz leu “A Cerimônia do Adeus”, de Simone de Beauvoir, para uma plateia de mais de 15 mil pessoas no último mês de agosto, em São Paulo.
Outro grande nome do cinema brasileiro que conquistou alcance internacional é Marcélia Cartaxo, a primeira brasileira a vencer o Urso de Prata de Melhor Atriz no Festival de Berlim, de 1986, por sua performance no filme “A Hora da Estrela”.
Dirigido por Suzana Amaral e baseado na obra homônima de Clarice Lispector, o longa apresenta Macabéa, uma nordestina órfã e pobre que se muda para São Paulo em busca de uma vida melhor. No entanto, a jovem se vê presa em um triângulo amoroso e enfrenta um profundo vazio existencial, refletindo a realidade de muitas pessoas que buscam sucesso em ambientes hostis.
Além da conquista de Cartaxo, o Brasil tem uma trajetória repleta de participações em premiações internacionais. Em 1945, o país fez sua estreia no Oscar ao concorrer na categoria de Melhor Canção, com a composição “Rio de Janeiro”, de Ary Barroso, para o filme “Brazil”.
Outro exemplo notável é “Cidade de Deus” (2002), que, apesar de ser considerado um dos grandes injustiçados das premiações, conseguiu quatro indicações ao Oscar, incluindo Melhor Diretor para Fernando Meirelles e Melhor Roteiro Adaptado para Bráulio Mantovani. No mesmo ano, o filme foi também indicado ao Globo de Ouro de Melhor Filme Estrangeiro e conquistou o BAFTA de Melhor Edição, além do Writers Guild of America de Melhor Roteiro.
Mais um filme que se destacou no Oscar foi “O Beijo da Mulher-Aranha” (1985), de Hector Babenco. Em 1986, o longa recebeu indicações em quatro categorias, incluindo Melhor Filme e Melhor Diretor, com William Hurt levando o prêmio de Melhor Ator.
Expectativas para o futuro
Após diversas premiações nos últimos anos, o cinema brasileiro se encontra em um cenário inédito, com a crescente possibilidade de que a atriz Fernanda Torres conquiste um Oscar, elevando o país a um novo patamar no cenário cinematográfico. Essa ascensão é fruto de um caminho construído com muito esforço e incentivo do governo e da iniciativa privada.
Um exemplo disso é a graduação em Cinema e Audiovisual da Universidade de Fortaleza, instituição mantida pela Fundação Edson Queiroz, que, há 15 anos, se tornou pioneira no Ceará e tem sido crucial para o surgimento de jovens realizadores talentosos. Um exemplo disso é o filme “Motel Destino”, que contou com a participação de egressos e alunos da Unifor.
“Somos um curso ligado radicalmente à experiência cultural brasileira, mas com uma conexão forte com o que se passa no mundo. Formamos realizadores audiovisuais cidadãos do mundo”, afirma a coordenadora Elisabete Jaguaribe. Ela também é professora do curso da Unifor e diretora de Formação e Criação do Instituto Dragão do Mar (IDM) e da Escola Porto Iracema das Artes.
O ano de 2024 marcou um ponto de encontro entre o passado e o futuro do cinema cearense, com o estado celebrando 100 anos desde a exibição da primeira produção local, “Temporada de Futebol Maranhense no Ceará”, de Adhemar Bezerra de Albuquerque. Paralelamente, a nova geração de cineastas está levando a produção local a um novo nível, com um número recorde de longas-metragens lançados.
De acordo com o Observatório Brasileiro do Cinema e do Audiovisual (OCA), pelo menos oito produções entraram no circuito comercial em 2024, superando números anteriores e consolidando o Ceará como um dos maiores polos cinematográficos do país.
“Estamos saindo do cenário da pandemia com uma evidência muito forte: o audiovisual é a grande esfera de mediação social do mundo atual. Ele permeia diversos setores – educação, saúde, esporte e entretenimento. Quem produz esse conteúdo são profissionais capacitados, e há, portanto, uma economia em expansão, com espaços a serem ocupados” — Elisabete Jaguaribe, coordenadora do curso de Cinema e Audiovisual da Unifor
O curso de Cinema e Audiovisual da Unifor se destaca como uma das graduações mais completas do país e uma vitrine de novos talentos. Com nota máxima pelo MEC pela terceira vez consecutiva, a formação recebeu nota máxima em todos os quesitos de avaliação, fato raro na experiência acadêmica nacional.
“O audiovisual é um campo em permanente transformação. O que eu destacaria é o amadurecimento profissional dos realizadores formados no ambiente acadêmico, que constroem uma consciência de seu próprio lugar profissional. Eles estão mais preparados, pois têm a oportunidade de construir um repertório simbólico maior, em diálogo com outras áreas acadêmicas”, conclui Elisabete. Esse cenário dinâmico e promissor sinaliza um futuro brilhante para o cinema cearense e brasileiro como um todo.