Conheça os tipos de regime de bens e entenda mudança do STF para pessoas acima de 70 anos

seg, 4 março 2024 14:29

Conheça os tipos de regime de bens e entenda mudança do STF para pessoas acima de 70 anos

Alteração visa fortalecer o respeito à autodeterminação individual, assim como respeitar a vontade da pessoa idosa


Antes imposta a maiores de 70 anos, a separação de bens passa a ser apenas uma entre as opções de regime de bens disponíveis (Foto: Getty Images)
Antes imposta a maiores de 70 anos, a separação de bens passa a ser apenas uma entre as opções de regime de bens disponíveis (Foto: Getty Images)

Conforme decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), pessoas acima de 70 anos agora poderão decidir o regime de bens adotado em casos de união estável ou casamento. Antes do veredito, que ocorreu em 1º de fevereiro, a separação de bens era o regime obrigatório para essa faixa etária.

O entendimento do Plenário foi de que a imposição feria a autodeterminação da pessoa idosa em razão de uma proteção patrimonial. Para a advogada Hérika Bezerra de Menezes, docente do curso de Direito da Universidade de Fortaleza, a resolução reconhece e reitera o princípio de buscar a felicidade e respeita a pessoa e sua individualidade.

“A mudança veio tarde se pensarmos que, desde a Constituição Federal, a pessoa e o seu desenvolvimento passaram a ser a finalidade do ordenamento jurídico, e a regra, como estava, afrontava a dignidade”, analisa a advogada. 

Como funciona o regime de bens? 

O regime de bens é o estatuto patrimonial do casamento pelo qual as partes, que casam ou constituem união estável, estabelecem como se dará a comunicação dos bens adquiridos antes e na constância da relação, além das responsabilidades sobre dívidas, entre outros. Os efeitos do regime existem enquanto durar a relação.


A escolha do regime de bens é uma decisão importante que deve ser feita com base nas necessidades e expectativas do casal, considerando aspectos legais e financeiros (Ilustração: Getty Images)

Ele é guiado pelo princípio da autonomia privada, concedendo aos envolvidos a liberdade de escolher e construir o estatuto patrimonial desejado, desde que este esteja em conformidade com a legislação vigente.

Conforme explica a professora Hérika, o Código Civil oferece diversos exemplos de regimes de bens:

  • Separação total de bens
    Não há comunicação patrimonial, garantindo independência aos cônjuges. Nessa modalidade, os bens adquiridos antes ou durante o casamento não serão partilhados.
  • Comunhão universal de bens
    O casal compartilha um único patrimônio, independentemente da origem dos bens, refletindo o princípio de “o que é meu é seu”.
  • Comunhão parcial de bens
    Regime mais comum, em que apenas os bens adquiridos onerosamente durante o casamento ou união estável são compartilhados, mantendo-se como particulares os bens anteriores ao relacionamento ou recebidos por herança ou doação.
  • Participação final nos aquestos
    Regime híbrido que mescla características da separação total com a divisão dos ganhos acumulados durante a relação, ao invés do patrimônio em si, no momento do divórcio.

Impactos da decisão do STF

Segundo Hérika, a decisão do STF tem impacto direto sobre os direitos das famílias, fortalecendo o respeito à autodeterminação individual e reiterando que o desenvolvimento da personalidade é prioritário e deve ser protegido.

“Nesse sentido, a vontade da pessoa é o aspecto fundamental a ser considerado e respeitado. Se ela desejar compartilhar seu patrimônio, terá liberdade para fazê-lo, e essa escolha será igualmente respeitada caso sua vontade seja contrária”, ressalta a docente.

A professora contextualiza que, com o envelhecimento da população, a expectativa de vida está em constante aumento. Em razão disso, as pessoas estão mais ativas, cuidando tanto da saúde física quanto mental. A decisão do STF vem, então, desse entendimento.


“Os 50 anos, hoje, são vistos como os novos 30, como exemplificado por figuras públicas como Ney Matogrosso, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Lulu Santos, Susana Vieira, Vera Fischer e Helô Pinheiro, todos ainda ativos em suas carreiras e com mais de 70 anos. Manter a obrigatoriedade da separação seria subestimar a capacidade dessas pessoas e de tantas outras de participar plenamente da vida civil.”Hérika Bezerra, advogada e docente do curso de Direito da Unifor

A advogada informa que, no tocante aos alimentos, não há nenhuma repercussão direta, portanto, permanece o direito, caso haja necessidade, a alimentos independentemente do regime. Já quanto ao divórcio ou dissolução da união estável e herança, abre-se a possibilidade de mudanças significativas.

Hérika explica que, como a modificação passa a permitir que as partes façam a escolha do regime, no caso de falecimento, por exemplo, se o regime escolhido for diferente da separação total, o cônjuge ou companheiro sobrevivente será meeiro, ou seja, terá direito à metade do patrimônio daquele que faleceu. Antes da mudança, o cônjuge ou companheiro sobrevivente concorria com os demais herdeiros.

O mesmo ocorre com o divórcio, que, a depender do regime escolhido no momento inicial da relação, pode-se fazer necessária a apuração patrimonial para efetuar a divisão. Isso não ocorria quando o regime de separação total de bens era obrigatório.

Vale ressaltar que a mudança é válida, inclusive, para maiores de 70 anos que já estejam casados ou em união estável. Nesses casos, a alteração do regime de bens produzirá efeitos patrimoniais apenas para o futuro.

Como escolher o regime de bens?

Ao iniciar uma relação, é natural não pensar no possível término, porém, é prudente considerar a eventualidade. Segundo a professora Hérika, alguns pontos devem ser observados na hora de escolher o regime de bens mais adequado ao relacionamento. Para ela, é essencial avaliar qual modelo pode reduzir potenciais conflitos caso a relação termine.


Uma das decisões recomendadas para o início de uma união estável assegurada juridicamente é a escolha do regime de bens adequada para a relação (Foto: Getty Images)

É importante levar em conta a vida pessoal e profissional de cada parceiro, pois dependendo do regime escolhido, certas transações legais, como a venda de imóveis, vão exigir o consentimento do cônjuge.

“Isso significa que, se um dos parceiros trabalha com transações imobiliárias, um regime de bens que requer a aprovação do cônjuge pode complicar esses negócios jurídicos”, exemplifica.

“Outro ponto que merece ser considerado é qual regime escolher se há expectativa de ganhos futuros fruto de herança e doação, tendo em vista que, por exemplo, na comunhão universal, até os bens herdados ou recebidos por doação são comuns aos cônjuges, assim como as dívidas adquiridas em favor do casal”, finaliza Hérika.