seg, 13 fevereiro 2023 10:36
Entrevista Nota 10: Avelino Zorzo e a cibersegurança no funcionamento da sociedade
Pós-doutor em Cibersegurança, o docente da PUCRS compartilha sua trajetória acadêmica e fala sobre a importância da cibersegurança para a manutenção e evolução da sociedade
Segundo Avelino Francisco Zorzo, mestre e doutor em Ciência da Computação, viver no mundo digital, hoje, é algo bastante real. “Muitas pessoas exercem diversas atividades neste universo: compram, vendem, estudam, conversam, se divertem, jogam. Assim, é natural que seja necessário buscar mecanismos de segurança similares aos que temos no mundo físico”, pontua.
O professor titular da Escola Politécnica da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) explica o assunto com propriedade: tem experiência e atua, principalmente, em temas como segurança de sistemas, tolerância a falhas, teste de software, sistemas operacionais e modelagem analítica de sistemas confiáveis. Não é à toa que se tornou coordenador da área de Computação da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).
Com pós-doutorado na área de Segurança pelo Cybercrime and Computer Security Centre da Newcastle University, na Inglaterra, Avelino faz parte da Sociedade Brasileira de Computação (SBC) e do Instituto de Engenheiros Eletricistas e Eletrônicos (IEEE), além de ter atuado na gestão de diversas organizações importantes do ramo.
No próximo dia 13 de fevereiro, ele será o professor convidado na Aula Inaugural do Programa de Pós-Graduação em Informática Aplicada da Universidade de Fortaleza, instituição de ensino da Fundação Edson Queiroz. O evento acontece às 19h, no auditório A1 da Unifor.
À Entrevista Nota 10 desta semana, Avelino compartilha sua trajetória acadêmica e fala sobre a importância da cibersegurança para a manutenção e evolução da sociedade, além de revelar expectativas da aula inaugural do PPGIA
Confira na íntegra a seguir.
Entrevista Nota 10 – Professor, poderia compartilhar conosco um pouco da sua trajetória na carreira acadêmica? Como decidiu entrar nessa área de estudo?
Avelino Zorzo – Quando estava no ensino médio, ouvi falar que algo iria ser fundamental para o futuro: computação. Como sempre gostei muito de resolução de problemas, e esta era uma área que parecia que teria muitos problemas a serem resolvidos no futuro, resolvi fazer o vestibular para ela. Depois foi apaixonante.
Com o passar do tempo, ainda na graduação, trabalhei na área, mas resolvi me aperfeiçoar fazendo mestrado. Mesmo trabalhando e tendo uma empresa, comecei a lecionar na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), ainda como mestrando, e a sala de aula e o contato com alunos me encantaram. Então resolvi que seguiria a carreira acadêmica, vendi a parte que eu tinha na empresa e decidi fazer doutorado fora do Brasil. No retorno, comecei a orientar mestrado e doutorado e me envolver com a comunidade científica em eventos nacionais e internacionais, Sociedade Brasileira de Computação (SBC), entidades empresariais, assim por diante. Passei pelas diretorias da SBC, da Associação das Empresas Brasileiras de Tecnologia da Informação (ASSESPRO), da Associação dos Usuários de Informática e Telecomunicações do Rio Grande do Sul (SUCESU-RS) e da Faculdade de Informática da PUCRS, sem contar diversas comissões e conselhos.
A dedicação de uma parte do meu tempo para a sociedade sempre foi algo prioritário na minha carreira. Assim, acredito que acabou sendo natural chegar o convite para ser coordenador de programas profissionais na CAPES para a área de Computação. Na CAPES desempenhei também o papel de representante do Colégio de Exatas, Tecnológicas e Multidisciplinar, o que me trouxe um conhecimento muito grande de como a pós-graduação funciona nas mais diversas áreas do conhecimento. Creio que o tempo e as discussões que sempre tive com a comunidade de computação fizeram com que eu tivesse uma boa votação dos programas na indicação para ser o coordenador de área. O que acabou acontecendo e me deixou com uma responsabilidade muito grande ao representar um âmbito de tamanha relevância à sociedade moderna.
Entrevista Nota 10 – A estrutura do mundo atual se firma sob alicerces políticos, econômicos e sociais cada vez mais computadorizados. Nesse processo de virtualização da informação, dos negócios e das relações humanas, como a cibersegurança se torna necessária para o funcionamento da sociedade?
Avelino Zorzo – Acredito que o primeiro entendimento que temos que ter é que a sociedade mudou, e “viver” no mundo digital é algo real. Muitas pessoas exercem diversas atividades neste universo: compram, vendem, estudam, conversam, se divertem, jogam. Assim, é natural que seja necessário buscar mecanismos de segurança similares aos que temos no mundo físico. Temos diversas proteções e comportamentos para termos segurança no mundo físico. No mundo digital, este aspecto é fundamental da mesma forma. Não podemos deixar de ter barreiras virtuais aos nossos equipamentos e dados da mesma forma que temos barreiras físicas, como portas, alarmes e assim por diante. Logo, sem cibersegurança não conseguiremos construir uma sociedade que consiga sobreviver de maneira adequada agora e no futuro.
Entrevista Nota 10 – Em 2021, a consultoria alemã Roland Berger classificou o Brasil como o quinto país que mais sofreu crimes cibernéticos, contabilizando um total de 9,1 milhões de ocorrências só no primeiro trimestre. Alguns exemplos desse período destacam principalmente o vazamento de dados de usuários, como aconteceu com o Facebook, mas também ataques aos sistemas de empresas e até do governo federal – que registrou ataques aos sites do Sistema Único de Saúde (SUS), Conecte SUS (responsável pelos dados de vacinação da população brasileira), Polícia Rodoviária Federal, Ministério da Economia, Controladoria Geral da União. O que esse tipo de situação no ambiente digital demonstra sobre o preparo e a evolução das tecnologias da informação no país? São questões apenas técnicas ou envolvem também o “fator humano” na gestão dos sistemas?
Avelino Zorzo – Em termos técnicos, temos muitos profissionais e empresas especializadas na área de cibersegurança. Claro que o volume de profissionais nesta área precisa aumentar, pois, nos últimos anos, principalmente em decorrência da pandemia do coronavírus, aceleramos nossa migração para o mundo digital. Logo, muitos criminosos também migraram e viram este mundo como uma “oportunidade” para terem vantagens ilegais.
O “fator humano” é um dos principais entraves para conseguirmos atingir um nível de maturidade maior em termos de cibersegurança. Isto decorre do desconhecimento que muitos têm em relação a como viver neste mundo digital. No mundo físico, aprendemos desde criança a termos um comportamento que nos garanta segurança. Exemplos são diversos: nossos pais nos ensinam a não colocar o dedo em uma tomada quando aprendemos a engatinhar; quando começamos a andar e sair de casa, sabemos que temos que olhar para os dois lados quando vamos atravessar uma rua; quando saímos de carro, sabemos que não podemos deixar ele aberto para não sermos roubados; e assim por diante.
Já no universo digital, quando aprendemos que não devemos conversar com qualquer “pessoa” na internet? Ou que não devemos passar nossas informações para qualquer empresa “confiável”? Existe um caminho muito grande ainda pela frente, pois computação (no sentido de Pensamento Computacional, Mundo Digital e Cultura Digital) ainda não é algo disseminado na educação básica. Um grande passo foi conseguirmos incluir estes aspectos na Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Se isto se tornar uma realidade nas escolas, acredito que daqui alguns anos estaremos melhor.
Claro que tem diversos outros aspectos — como a legislação, por exemplo — que ainda precisamos melhorar para conseguirmos viver neste mundo digital da mesma forma como vivemos no mundo físico.
Entrevista Nota 10 – Como coordenador da área de Computação da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), de que forma você enxerga a importância no investimento em pesquisa para o desenvolvimento não apenas de bons profissionais, mas também da autonomia e credibilidade do Brasil como produtor de conhecimento nesse ramo?
Avelino Zorzo – Este é um aspecto fundamental se queremos ser um país que esteja no mesmo nível de desenvolvimento de outras nações. Somos um país extremamente forte em termos de produção de produtos agrícolas, mas deixamos muito a desejar na transformação dessas mercadorias. Precisamos investir mais em ciência e educação para não termos que exportar produtos agrícolas e importar inteligência. Nos últimos anos, vimos o Brasil indo na contramão dos países desenvolvidos e retrocedemos algumas décadas. Não tenho dúvida alguma que sem educação e ciência fortes, com investimentos, seremos sempre uma nação com muitas dificuldades.
Entrevista Nota 10 – No próximo dia 13 de fevereiro, você ministrará a aula inaugural do Programa de Pós-Graduação em Informática Aplicada (PPGIA) da Unifor. Sobre o que irá falar na palestra? E o que podemos esperar do evento?
Avelino Zorzo – Acredito que seja mais um bate-papo com a comunidade da Unifor. Discutirei a pós-graduação no país e o que é importante na formação de um aluno de mestrado e doutorado. Esta reflexão deve ser feita por qualquer docente e discente que esteja fazendo um curso stricto sensu: afinal, o que é ser um mestre ou doutor?
Nos últimos anos muitos programas esqueceram de focar naquilo que é importante, ou seja, na pesquisa que é feita e na formação de habilidades e competências do egresso. Muitos programas de pós-graduação colocaram como objetivo aquilo que deveria ser a consequência, ou seja, a publicação de artigos científicos. Temos criado uma geração de pesquisadores que chamo de “qualis-oriented researchers”, pois têm como objetivo publicar artigos científicos em eventos ou periódicos de uma lista de uma fotografia do passado. Isto tem que mudar.