seg, 4 dezembro 2023 12:08
Entrevista Nota 10: Bete Jaguaribe e uma vida de dedicação ao audiovisual no Brasil
Coordenadora de Cinema e Audiovisual na Unifor, ela fala sobre a homenagem que recebeu no Cine Ceará por sua carreira e analisa o cenário de formação de profissionais em audiovisual no estado
Em sua 33ª edição, que aconteceu no fim de novembro, o Cine Ceará é um dos mais importantes festivais de cinema do Brasil. Além de contar com uma série de mostras competitivas, debates e exibições especiais de filmes, o evento também homenageia importantes nomes da cena cultural do país por meio do Troféu Eusélio Oliveira.
Neste ano, uma das personalidades que recebeu a estatueta foi a gestora pública Bete Jaguaribe, coordenadora do curso de Cinema e Audiovisual da Universidade de Fortaleza — instituição mantida pela Fundação Edson Queiroz. O momento, que aconteceu na cerimônia de abertura do festival, foi tomado pela emoção com as homenagens a ela e a seu trabalho no setor audiovisual.
“Minha humilde colaboração não está na ordem dos ‘grandes feitos’ [risos]. Contribuí como muitas outras pessoas contribuíram. Talvez a diferença (e talvez isso tenha contribuído para essa distinção do Troféu Eusélio Oliveira), seja o grau de paixão que me move nos processos com os quais eu me envolvo”, declara Bete.
Apesar da modéstia, a docente ostenta 30 anos de dedicação apaixonada ao desenvolvimento do audiovisual no Brasil, especialmente no Ceará. Um de seus principais focos se encontra na formação de novos profissionais de excelência para o mercado cinematográfico e uma sociedade protagonista da própria cultura.
Bete é doutora em Sociologia pela Universidade Federal do Ceará (UFC), onde também realizou seu mestrado em História Social e a graduação em Jornalismo, profissão que exerceu até os anos de 1990. Nesse período, iniciou sua atuação na gestão pública, com larga experiência no campo cultural, com ênfase no audiovisual e na formação em artes.
Coordenou projetos como o Instituto Dragão do Mar de Artes e Indústria Audiovisual e o Bureau de Cinema e Vídeo do Ceará, primeira film comission do Brasil. Na gestão do Ministro Gilberto Gil, foi chefe-de-gabinete da Secretaria do Audiovisual do Ministério da Cultura, período em que também ocupou a função de Secretária do Audiovisual Substituta.
Atualmente, é diretora de Formação e Criação do Instituto Dragão do Mar e da Escola Porto Iracema das Artes. Na Entrevista Nota 10 desta semana, Bete fala sobre a homenagem que recebeu no Cine Ceará e analisa o cenário de formação de profissionais em audiovisual no estado, além de comentar os diferenciais do curso de Cinema e Audiovisual da Unifor.
Confira na íntegra a seguir.
Entrevista Nota 10 — Na abertura do 33° Cine Ceará, você recebeu o Troféu Eusélio Oliveira por sua dedicação ao trabalho no setor audiovisual, especialmente por sua atuação como gestora pública desde os anos 1990. Como foi receber essa homenagem e o que ela significa para você tanto profissional quanto pessoalmente?
Bete Jaguaribe — Acho que toda homenagem tem uma história, que reúne dezenas de pessoas, experiências, equívocos, acertos. Enfim, junto a uma homenagem vem essa série de referências, que marcam a existência do homenageado. Então, receber o Troféu Eusélio Oliveira significa muitas coisas, compartilhadas com muitas pessoas. É uma existência pessoal, em diálogo com muitas existências coletivas, em um tempo de vida já largo, 66 anos.
Fico feliz e atenta. Feliz, especialmente porque recebi essa homenagem em um momento de retomada de políticas públicas de fomento ao audiovisual, depois de quatro anos de destruição do governo [de Jair] Bolsonaro. E fico atenta, porque, homenagem para mim significa, além de um certo reconhecimento, uma renovação de compromisso com as questões com as quais eu me envolvi durante certo tempo da minha vida.
Entrevista Nota 10 — Alguns dos principais feitos de sua carreira se dão no âmbito da luta por políticas públicas na formação em artes, especialmente no audiovisual. Poderia explicar como o investimento nessas formações vem desenvolvendo o mercado cinematográfico local e, principalmente, estimulando a economia e o desenvolvimento social no Ceará?
Bete Jaguaribe — Veja, minha humilde colaboração não está na ordem dos “grandes feitos” (risos). Contribuí como muitas outras pessoas contribuíram. Talvez a diferença (e talvez isso tenha contribuído para essa distinção de receber o prêmio Eusélio Oliveira), seja o grau de paixão que me move nos processos com os quais eu me envolvo. O cineasta cearense Karim Ainouz, fez uma definição interessante no vídeo que foi exibido na sessão da minha homenagem, na abertura do Cine Ceará: “uma pessoa de amor e fúria”, disse sobre mim. Acho que é isso. Eu agarro com fúria as coisas que acho importante.
Então, projetos de formação em artes são fundamentais para a soberania de uma nação, de um povo. Eu agarrei com fúria e paixão as oportunidades que tive na vida de contribuir com projetos de formação, porque acho que a educação é o grande portal para o exercício pleno de cidadania e do desenvolvimento econômico e social. E, no caso da formação audiovisual, é muito evidente o impacto que produz no desenvolvimento do campo audiovisual do Ceará.
Os prêmios que nossos filmes recebem nos circuitos nacional e internacional é o dado mais visível. Some-se a isso a quantidade de longas-metragens que exibimos somente na edição do Cine Ceará deste ano: 11 filmes; e as dezenas de empregos gerados.
É um cenário de produção importante e bastante diferente de 30 anos atrás, quando iniciei minha trajetória em políticas públicas. E esse crescimento está ligado diretamente às experiências de formação, que é o portal para entrada no mercado.
Entrevista Nota 10 — Qual a sua percepção sobre a evolução da cena audiovisual aqui no estado? Que conquistas importantes podemos celebrar hoje?
Bete Jaguaribe — Acho que respondi um pouco na pergunta anterior. Mas acho que as experiências de formação no estado são grandes promotoras da atual cena de audiovisual do estado, junto às políticas públicas de fomento à realização.
Hoje temos uma cena audiovisual com um acúmulo importante de pensamento, considerando que temos ambientes acadêmicos, que são preciosos enquanto espaços de adensamento dos processos de construção do conhecimento.
O nosso curso de Cinema e Audiovisual da Unifor, por exemplo, dá uma enorme contribuição ao fortalecimento da cena audiovisual com suas práticas inovadoras de aprendizagem. Foi a primeira graduação implantada no Ceará: esse dado por si só já indica a importância do curso.
Temos muito o que celebrar, como a potência das produções, o número de filmes lançados e prêmios conquistados. Mas temos – especialmente – muita coisa para fazer. Uma indústria de audiovisual sustentável só é possível com a implantação de programas complexos de incentivos. Nesse momento, por exemplo, estamos em uma luta forte pela regulamentação das plataformas de VOD (video on demand). Esse processo é fundamental para a soberania do país.
Entrevista Nota 10 — Há oito anos, a Universidade de Fortaleza promove o Prêmio Unifor de Cinema, concedido ao melhor curta-metragem da mostra “Olhar do Ceará” na programação anual do Cine Ceará. De que forma essa iniciativa contribuiu para a cena audiovisual cearense? Qual a importância de ter uma instituição como a Unifor apoiando novos realizadores locais?
Bete Jaguaribe — Esse prêmio é muito importante, porque reconhece a criação de novos realizadores, o início da trajetória criativa dos jovens cineastas. Esse reconhecimento tem um valor extraordinário, porque é um gesto de afirmação num momento de muitas dúvidas de um jovem realizador, no início de sua trajetória profissional.
A Unifor tem um papel importantíssimo no Ceará na formação de profissionais para os vários campos do conhecimento. Foi pioneira no estado, quando resolveu criar uma graduação em Cinema, há 15 anos. Então, um Prêmio Unifor de Cinema tem um peso simbólico indiscutível na carreira de qualquer realizador.
Entrevista Nota 10 — Você é coordenadora de Cinema e Audiovisual na Unifor, que completa 15 anos revelando e exportando talentos. Como o curso forma profissionais de excelência para atuar no mercado de cinema e audiovisual nacional e até internacional? Quais os principais diferenciais?
Bete Jaguaribe — Temos alguns diferenciais, como, por exemplo, um corpo docente de grande qualidade profissional, mestres e doutores, com larga experiência acadêmica e forte relação com o mercado audiovisual. Temos uma infraestrutura invejável, com um parque de equipamentos sempre atualizado. Mas acredito que um diferencial bastante potente é a matriz curricular do curso, que tem um diálogo forte com a experiência cultural contemporânea.
Nossos laboratórios de criação (o Cine.Lab.Doc e o Cine Experiência Lab) são espaços dinâmicos criativos e de reflexão, que contribuem intensamente com o debate cultural contemporâneo, que reivindica radicalmente uma cultura democrática de convivência coletiva. Acho que o curso de Cinema e Audiovisual da Unifor vem construindo uma das mais importantes experiências de formação audiovisual do país.