seg, 24 abril 2023 15:29
O suporte à inclusão e saúde mental na Unifor
Programa de Apoio Psicopedagógico (PAP) da Unifor acolhe diferenças e ajuda a fazer do ensino superior uma jornada saudável e possível para todos
De quantos universos se faz uma universidade? A lista é longa, afinal, a diversidade é parte da beleza que faz do ambiente acadêmico um recorte cada vez mais plural da sociedade. Mas, se todo estudante é um universo em si mesmo, abraçar diferenças é fundamental para fazer do ensino superior uma jornada saudável e possível para todos.
Na Universidade de Fortaleza (Unifor), mantida pela Fundação Edson Queiroz, é assim. Acolher é palavra de ordem que antecede outra prioridade: desenvolver. Dentre inúmeras iniciativas com tal perspectiva, o Programa de Apoio Psicopedagógico (PAP) tem feito a diferença, desde 2005, na trajetória universitária de centenas de alunos.
Ao atuar em três dimensões — acessibilidade, psicologia e psicopedagogia —, uma equipe multidisciplinar, por meio do PAP, está sempre a postos no campus para ajudar, promovendo inclusão e saúde mental na Universidade.
Promoção, aliás, que se torna ainda mais relevante em meio a um contexto nacional de episódios de violência em espaços estudantis e de outras problemáticas, como a evasão. A atenção dada à saúde mental, e também a outras necessidades dos estudantes, faz da Unifor não apenas um local de aprendizado, mas também de acolhimento.
Uma percepção conjunta que, de acordo com professores e outros membros da comunidade acadêmica, impacta positivamente o desempenho na Universidade de quem conta com o acompanhamento do Programa e que, não raramente, contribui diretamente para a permanência desse público no ensino superior.
Olhar para o outro “por inteiro”
Ter ciência das demandas específicas e individuais de cada pessoa é um passo importante para promover a compreensão e acolhimento de todos nos mais diversos ambientes (Ilustração: Getty Images)
A psicóloga Jannayna Queiroz, professora do curso de Psicologia da Unifor, explica que o processo de aprendizagem se dá em diversos aspectos. “Muitas vezes, o espaço de aprendizagem é atravessado por uma visão mais cognitiva, mais conteudista, mas o aluno vem inteiro para a escola, para a universidade”, ressalta.
De ambientes de escuta, sejam individuais ou em grupo, destaca a docente, emergem questões físicas e socioemocionais que fazem parte do dia a dia de muitos estudantes.
“É uma geração que tanto sabe da importância da saúde mental, que se movimenta na busca de soluções para os problemas psíquicos, como também é uma geração que apresenta muitas questões. Passamos por um processo de pandemia que é muito significativo para o que estamos vivendo hoje”, analisa.
Além das consequências da pandemia de Covid-19, ser parte de um contexto de transformações no mundo e de problemas estruturais — dentre os quais a professora cita preconceitos e exclusão — faz com que outras “pandemias” também apareçam no ambiente acadêmico, como ansiedade, depressão e outras manifestações de adoecimento. Em paralelo a isso, porém, Jannayna observa que, em geral, “as pessoas estão mais conscientes de serem acolhidas em suas demandas”.
Apoio psicológico
Na prática, o PAP reflete tal realidade. Coordenadora do Programa, a psicóloga e psicopedagoga Terezinha Joca constata que o maior percentual de atendimentos se refere à busca por apoio psicológico. “No dia a dia, o PAP atua com a escuta psicológica dos estudantes e realiza atendimentos em situação de crise”, explica.
Na iniciativa, os alunos encontram, por exemplo, o Projeto Florescer, que, por meio de atividades de autocuidado, objetiva desacelerar e promover bem-estar no campus; e a Oficina (Pre)tensão, em que são trabalhadas habilidades socioemocionais para que os alunos possam lidar com o medo de atividades avaliativas.
Além disso, detalha Terezinha, está em montagem, atualmente, um grupo de psicossocialização com estudantes que apresentam Transtorno do Espectro Autista (TEA). As demandas são diversas. Na rotina de atendimentos, não apenas questões relacionadas ao ambiente acadêmico são levadas pelos alunos.
“Há uma busca significativa em decorrência das questões pessoais, mas devemos levar em consideração que tudo está muito implicado. As questões emocionais geram baixo rendimento e o baixo rendimento leva ao sofrimento psíquico. Próximo às avaliações, a busca é bem maior, pois a ansiedade diante das avaliações gera crise” — Terezinha Joca, coordenadora do Programa de Apoio Psicopedagógico (PAP) da Unifor
Estrutura para acolher
Para acolher quem chega ao PAP — localizado na sala N-12 do campus —, a equipe é composta por um psicólogo, três estagiários bolsistas do curso de Psicologia, seis intérpretes de libras, uma secretária e a própria coordenadora.
Terezinha acrescenta que o Programa dispõe de um espaço de estágio para estudantes de Psicologia na área de psicologia educacional, com oito estagiários. A estrutura contempla, dentre outros espaços, duas salas de atendimento, além de um ambiente no Núcleo de Atenção Médica Integrada (NAMI), também vinculado à Unifor.
O Programa de Apoio Psicopedagógico (PAP) fica na sala N-12 do campus da Unifor (Foto: Ares Soares)
O retorno é positivo. Segundo ela, o alívio em questões psicológicas permite aos estudantes uma melhora no rendimento acadêmico. Nos relatos de pessoas que têm o acompanhamento do Programa, a psicóloga também identifica o reconhecimento de ações do PAP no âmbito pessoal.
“Na última avaliação, sobre os serviços do PAP, o nível de satisfação foi acima de 80%, além de terem o setor como um dos motivos para se manter e seguir com o curso. Isso nos deixa muito satisfeitos e nos faz refletir sobre as melhorias que ainda buscamos para o setor”, afirma.
“O apoio me motiva a estudar”
Na outra ponta, Camila*, aluna do Centro de Ciências da Saúde (CCS) da Unifor, é exemplo do que diz a coordenadora do PAP. Diagnosticada com algumas dificuldades de aprendizagem, como a dislexia, ela encontrou amparo no Programa para o próprio desenvolvimento e motivação para não parar de estudar. “Com as minhas dificuldades, consigo enxergar o mundo como todo mundo”, diz.
Além do apoio psicológico semanal que teve durante parte da graduação, a estudante conta com o PAP na viabilização de práticas da rotina: nas provas, as questões são as mesmas, mas as letras são maiores. Impressão do conteúdo? Apenas na frente de cada página. A presença de um “leitor” durante as avaliações é outra adaptação que lhe permite “aprender como meus colegas”.
“Existe um contato do PAP com a minha graduação. Com isso, acabo tendo uma compreensão maior da Universidade sobre alguns aspectos meus. Meu curso nunca compreendia como desleixo ou desinteresse, mas sim como dificuldades”, relata.
O acompanhamento, complementa Camila*, é essencial para que se sinta mais independente. “Foi ajudando a me desenvolver, a me encaixar dentro dos padrões de outros colegas. Até mesmo quando tinha alguma crise de ansiedade — porque, querendo ou não, é algo que deixa a pessoa envergonhada —, sempre ia ao PAP, tinha assistência. E isso me ajudou muito”, lembra.
Nas palavras da jovem, fica claro que inclusão e saúde mental caminham juntas. Ao fortalecê-la tanto no aspecto intelectual quanto na dimensão emocional, a experiência com o Programa a motiva a estudar.
“O meu curso é tudo para mim. Pensei em desistir várias vezes, mas, nas consultas, consegui perceber que vale a pena persistir. É o que quero, é meu sonho, e não são minhas dificuldades que vão me fazer desistir. Muito pelo contrário” — Camila*, aluna do Centro de Ciências da Saúde (CCS) da Unifor
*O nome verdadeiro e o curso foram preservados a pedido da entrevistada.
Suporte para sonhar
Quem também já tem sonhos a realizar após a formatura é Josimar Martins dos Santos, estudante da graduação em Direito. A deficiência visual não é impeditivo para nada na formação acadêmica — e a atuação do PAP, no que diz respeito à acessibilidade, é uma grande aliada para isso.
Por meio do Programa, Josimar tem apoio na adaptação de materiais e, de modo semelhante a como ocorre com Camila, auxílio na leitura de provas. Durante as aulas, para não perder nada do que os professores colocam no quadro, não há preocupação: “bato a foto do quadro, envio para o PAP e, lá, eles transcrevem o que está escrito e me mandam para que eu tenha acesso”, explica.
Já fora da sala de aula, caso não esteja em condições de se deslocar sozinho no campus, também pode solicitar ajuda para que tenha a mobilidade garantida na Unifor.
Apesar dos avanços, o estudante avalia que a sociedade, por diversos fatores, ainda não acredita nas pessoas com deficiência (PcD). Para ele, o acesso à educação, que é um direito, deve vir acompanhado de meios adequados para que haja desenvolvimento. Daí a importância do suporte da Universidade, que também permite fazer planos.
Hoje no quarto semestre, Josimar espera passar no exame da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) no fim do curso. Depois disso, projeta duas possibilidades: exercer a advocacia ou mergulhar no universo dos concursos públicos.
“O Direito era uma vontade que eu tinha não só de estudar, mas via as possibilidades de mercado. Como tenho uma deficiência visual, a área do setor privado é mais difícil de a gente se relacionar profissionalmente, arranjar emprego. A inclusão tem se expandido muito, mas ainda existem barreiras. No curso de Direito, ao meu ver, você tem uma autonomia maior para poder trabalhar, para conseguir se desenvolver na vida profissional” — Josimar Martins, aluno do curso de Direito da Unifor
Os avanços na acessibilidade
Conforme Terezinha Joca, o apoio dado a estudantes cegos é apenas uma das frentes de atuação do PAP para tornar o ensino superior acessível. O Programa tem o olhar voltado a todos os tipos de acessibilidade. Em alguns, com contribuição mais direta; em outros, por meio de parcerias.
Uma equipe de intérpretes atua em toda a Unifor, diretamente nas aulas e materiais para estudantes surdos. Intérpretes também estão presentes na gravação de janelas de vídeos e eventos promovidos pela instituição, inclusive na colação de grau.
Equipe do PAP trabalha com as coordenações e professores de acordo com a necessidade de cada estudante, assim como ocorre para a acessibilidade metodológica.
O Programa tem parceria com a Assessoria de Projetos Especiais, em relação aos espaços e mobiliários, a fim de promover o bem-estar das pessoas com deficiência e baixa mobilidade.
A equipe do PAP trabalha este tipo de forma indireta, a partir de reflexões e orientações à comunidade acadêmica.
Ser intérprete e fazer a diferença na prática
Lana Martins é uma das intérpretes de libras em atuação no PAP desde 2014. Ela acompanha alunos, professores e funcionários surdos em todos os momentos acadêmicos, entre aulas, monitorias, reuniões, estágios, eventos e outras atividades. Também faz parte da rotina interpretar atendimentos agendados para pessoas surdas no Escritório de Práticas Jurídicas (EPJ), no NAMI e no setor de Odontologia.
“Além das demandas com as pessoas surdas, fazemos atividades de mobilidade dentro da Universidade para os alunos com deficiência física e baixa visão, e também realizamos a adaptação do material das aulas para os alunos que possuem alguma necessidade educacional específica”, complementa.
A partir da própria experiência, ela compreende que a missão do PAP não é apenas acolher. A iniciativa, para Lana, tem também a responsabilidade social de disseminar a semente da inclusão por todos os espaços aos quais chega.
“Isso não só faz com que o aluno se sinta acolhido, mas mostra que, se existir uma acessibilidade adequada, todos podem fazer parte da sociedade, sem exclusão. Recebemos muitos relatos de alunos de que o PAP é o motivo da sua permanência no ensino superior, pois se sentem mais seguros para realizar as atividades curriculares e, assim, concluir a sua graduação e entrar no mercado de trabalho” — Lana Martins, intérprete de libras do Programa de Apoio Psicopedagógico (PAP) da Unifor
Mudança de atitude
Diante disso, o legado do Programa é construído dia a dia, ao mostrar, segundo a intérprete, que a inclusão é possível e que o ensino superior é para todos. Testemunhar isso na prática é marcante. “Lembro de um episódio em que acompanhei um aluno cego em uma apresentação de trabalho. Nos reunimos antes para fazer os slides que continham muitas imagens, eu fiz a descrição e ele selecionou cada uma”, relata.
O estudante treinou com ela a apresentação e, no dia, era Lana quem, por meio do sussurro, o ajudava a identificar cada imagem. “Ele a descrevia e explicava o motivo de ter escolhido e o assunto a que estava vinculada. Ao final da apresentação, todos bateram palmas fortemente, e o aluno ficou muito grato por esse momento de se sentir igual a todos os outros colegas”.
Na avaliação dela, a partir do momento em que a sociedade deixa de ser capacitista, o acesso de pessoas com deficiência a todos os âmbitos sociais passa a ser mais propício. “Acredito que a acessibilidade atitudinal é a chave para abrir todos os outros tipos de acessibilidade”, defende.
Respeito na Universidade
Da acessibilidade à saúde mental, ações de cuidado com a comunidade acadêmica possibilitam que todos que são parte dela se sintam acolhidos e respeitados na Universidade, avalia a professora Jannayna Queiroz.
“É importante que a Universidade esteja atenta a essas questões todas, tendo políticas de inclusão de forma ampla: pensar na inclusão não só da pessoa que apresenta algum transtorno, alguma deficiência, mas também na inclusão da pessoa preta, da pessoa que vem de uma condição social menos favorecida, porque a gente percebe que há sofrimentos ligados a isso. Quando a gente fala de saúde mental, está tudo vinculado” — Jannayna Queiroz, professora do curso de Psicologia da Unifor
Para a psicóloga, priorizar tal visão ampla é, também, atuar em políticas preventivas, cuja necessidade tem sido tão evidenciada diante de casos recentes de violência em instituições de educação.
Terezinha Joca compartilha deste pensamento. “A sociedade está adoecida e tem sido contaminada com discursos de anulação do outro, devido ao novo modus vivendi de exposição em redes sociais. Propaga-se muita coisa sem ter certeza da origem e da veracidade. Temos que ter muita cautela com o que publicamos, pois é responsabilidade de todos nós”, reflete a coordenadora do PAP.
Duas tarefas, de acordo com ela, têm norteado a atuação da Universidade diante do contexto: promover ações de esclarecimentos e fomentar reflexões sobre o papel de cada sujeito diante das escolhas.
“Muitas ações acontecem sem que publiquemos. A exemplo disso, o setor atende pessoas em crise, escuta os pais, reúne-se com professores e gestores para, juntos, tomarmos as medidas necessárias e de acordo com cada caso”, conclui.