Histórias e instantes: conheça o projeto de crônicas “Nomear o Tempo”, realizado pela Pós-Unifor

ter, 21 julho 2020 15:22

Histórias e instantes: conheça o projeto de crônicas “Nomear o Tempo”, realizado pela Pós-Unifor

Fruto de aulas da Especialização em Escrita e Criação, iniciativa constrói investigação artística em torno do texto e da imagem.


Mosaico com algumas das imagens produzidas pelos alunos participantes do projeto
Mosaico com algumas das imagens produzidas pelos alunos participantes do projeto "Nomear o Tempo" para ilustrar suas crônicas (Imagem: Divulgação)

Como registrar os minutos? E as histórias que cada um deles guarda? Essa preocupação flutua na cabeça de muitos escritores, especialmente daqueles que se atém à sensibilidade do cotidiano e das memórias. Por isso, com a ideia de oferecer uma plataforma que permita compartilhar reflexões desse infinito passageiro, o curso de Especialização em Escrita e Criação da Pós-Unifor, ofertado pela Escola de Artes e Design, lança o projeto coletivo “Nomear o Tempo”. Nele, crônicas de alunos e fotografias autorais são reunidos em perfil na rede social Instagram.

Socorro Acioli, coordenadora da Especialização, explica: “no eixo ‘Ler e Escrever’ do curso, temos a disciplina ‘Ler e Escrever Crônicas’. Convidei a professora Iana Soares, por ser cronista e também fotógrafa, sugerindo a ela um trabalho que relacionasse o fazer da crônica ao registro fotográfico, [que unisse] palavra e imagem”. Assim, das aulas do módulo, surgiu a iniciativa.

Na primeira série de textos, já disponível para leitura, os cronistas discutem sobre sua relação com a própria casa em que habitam. Na próxima, eles partem da ideia de construção do retrato ou do autorretrato. De acordo com a professora Iana Soares, “nas aulas, conversamos sobre imagem; sobre a relação entre o real e o ficcional na fotografia e, consequentemente, na crônica. A partir disso, os alunos produziram não só os textos, mas também as imagens”.

Quanto ao nome escolhido, Iana conta que busca evocar a marcante relação entre o cronista e o tempo: “A palavra ‘crônica’, em si, traz o próprio termo ‘tempo’ embutido – no caso, sua variante em latim, ‘chronus’. Existe no cronista esse desejo de narrar o tempo em que vive e também o tempo já vivido, como quando ele traz à tona a questão da memória, ou até de imaginar futuros. Quando eu escolhi esse nome, foi para explicitar esse aspecto da crônica, convidando todos a pensarem sobre”.

Tempo compartilhado

O módulo “Ler e Escrever Crônicas” reuniu duas turmas do curso de Especialização, resultando no total de 45 pessoas e aproximadamente 90 textos e fotografias que têm como mote “a casa” e “o retrato”. Com o isolamento social provocado pela pandemia do novo coronavírus, parte do time de autores teve as ausências da quarentena como inspiração.

Esse é o caso da aluna Camila Chaves. “Gosto de pensar histórias nos encontros que estabeleço com os outros, na vida que aponta para fora. Acho que, talvez por isso, senti que o isolamento, tão necessário, havia limitado minhas possibilidades de criar. ‘Nomear o Tempo’, nesse sentido, veio como provocação, como forma de dizer sobre o quanto dos outros e da vida lá fora a gente carrega conosco, ainda que sem saber”, compartilha a escritora.

Iêda Carvalhedo, outra participante do “Nomear”, conta que a experiência tem sido maravilhosa. Para ela, “é emocionante para um aspirante a escritor ver seus textos postados no Instagram, que é local do deslumbre, do instantâneo. Além disso, ler as crônicas dos colegas é descobrir a poesia do dia a dia, o valor das pequenas coisas, o inventário das memórias de cada um”.

Observar o engajamento de todos os envolvidos tornou “Nomear o Tempo” uma jornada muito gratificante para Iana Soares. “É uma alegria muito grande ver tanta gente reunida, mesmo num contexto tão absurdo de pandemia, para poder olhar para o tempo com carinho, com generosidade, com espanto, com curiosidade. O que nosso projeto mostra é um olhar encantado, atento, de escritores e escritoras que decidiram narrar o próprio tempo que vivem, com toda a sua complexidade, emoções e alegrias. Fico muito feliz de ter feito parte e de poder contribuir com esse aprendizado, com essa entrega, com essa relação cada vez mais próxima e mais íntima com as palavras, com a imagem e com o mundo”, finaliza a professora.

Confira, a seguir, as crônicas de Camila e Iêda, respectivamente.

 

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

Crônica de Camila Chaves - @camilafchaves Benício. Teu nome é lindo. Sempre te digo isso. Hoje no almoço fiz tua receita. Senti tua falta. Apesar das gotas do ar condicionado do vizinho pingando, insistentes, sobre a chapa de metal do estacionamento, aqui no 301A as coisas vão bem. Atividades físicas, sol nas janelas, sonhos absurdos. Preciso te confessar que acho que eu nunca tinha aberto uma lata de sardinha. Porque cresci ouvindo mamãe contar coisas terríveis sobre quando ela trabalhou em uma fábrica de enlatados. Ou porque tivesse um pouco de vergonha. Não sei. É danado. A gente passa tanto tempo sendo resistente a tanto, pra, de repente, se dar conta de que mudou num encontro. Demorei pra entender que estava convivendo contigo, pra reparar que tu falavas de saudades que eram minhas, enquanto as saudades que são minhas falavam sobre como teus olhos são ótimos para passar delineador. É que meu tempo é lento. E agora teu endereço é outro. Talvez por nossas origens, trajetórias, orientações, fui percebendo que somos parecidos. Nunca te disse isso, mas já me peguei desenhando na mente um retrato de como eu penso que tua mãe seja, toda forte, sorridente, cheia do orgulho por ter um filho que nem tu. Que doido. No teu tempo de morar aqui, era sempre tu pedindo pra que eu te ensinasse isso ou aquilo outro, e hoje fui eu quem acordei querendo te aprender. O macarrão ficou uma delícia. Obrigada pela receita, e pelo encontro de vida. #nomearotempo

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CENAS DE INFÂNCIA - Iêda Carvalhêdo - @carvalhedobarbosa “Minha menina amarela, vem coçar as costas do papai, vem!” Coça, coça que coça. “Já desistiu?” “Paizinho, faz vinte minutos. Tô com as unhas cansadas.” “Só mais um pouquinho, filha”. “Menina amarela, vem colocar perfume no papai, vem!” Perfuma, perfuma que perfuma. “Já desistiu?” “Pai, faz vinte minutos. Tô com o nariz ardendo.” “Só mais um pouquinho, filha”. “Amarela, vem cortar as unhas do papai, vem!” Corta, corta que corta. “Já desistiu?” “Faz vinte minutos. Tô exausta.” “Só mais um pouquinho, filha.” “NÃO!” “Você é muito respondona. A quem você puxou essa zanga?” Dá uma risada e me olha como espelho. A menina amarela hoje não é mais menina nem amarela. Lembra, lembra que lembra. Aqueles vinte minutos poderiam ser eternos. #nomearotempo

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