qui, 17 junho 2021 16:23
Entrevista Nota 10: Socorro França e a associação entre conhecimento e liberdade
A secretária estadual e aluna da Pós-Unifor considera que a formação contínua contribui para o surgimento de novas realidades e leva à sensação de liberdade.
A premissa de que o aprendizado não tem data para acabar é a base do conceito de lifelong learning (aprendizagem ao longo da vida, em tradução livre). A secretária de Proteção Social, Justiça, Cidadania, Mulheres e Direitos Humanos do Ceará, Socorro França, é a personalização desse conceito. Com longa carreira na gestão pública, três diplomas de graduação (Direito, Administração e Economia) e um de mestrado (Direito Público), tornou-se aluna, aos 77 anos, do curso de MBA em Empreendedorismo Social e Gestão do Terceiro Setor da Universidade de Fortaleza, instituição da Fundação Edson Queiroz.
Ao longo da carreira, que inclui 48 anos de atuação no Ministério Público Estadual, Socorro França sempre se planejou para equilibrar as demandas de trabalho com as dos relacionamentos pessoais. Afinal, o tempo com o marido, os quatro filhos e os seis netos também alimenta essa caminhada de aprendizado constante.
Em conversa com o Entrevista Nota 10, ela dispara que o conhecimento está associado à liberdade. “Voltei a estudar porque ainda não tenho conhecimento suficiente pra ter essa grande liberdade que eu almejo”, justifica. Confira a entrevista na íntegra a seguir:
Entrevista Nota 10 - A senhora tem larga experiência na gestão pública, três graduações e um mestrado, o que a faz voltar a estudar?
Socorro França - O conhecimento é muito importante na vida das pessoas. Eu sempre entendi que, no momento em que eu conheço algo, eu me liberto. Então, eu entendo que a cada conhecimento que vou adquirindo é certamente uma sensação de liberdade que eu tenho. Eu voltei a estudar porque ainda não tenho conhecimento suficiente pra ter essa grande liberdade que eu almejo. Portanto, é muito importante e aqui eu estou me dirigindo a todos para que eles possam entender que sempre há tempo para aprender, sempre há tempo para fazer, sempre há tempo para realizar os seus sonhos. Então, meu sonho é exatamente esse: é que, a cada conhecimento, é uma outra realidade que me leva à liberdade.
Entrevista Nota 10 - Qual é a expectativa que a senhora tem em relação ao MBA em Empreendedorismo Social e Gestão do 3º Setor?
Socorro França - A minha expectativa é enorme! Estou adorando meu curso. No momento em que nós estamos extravasando os nossos pensamentos, a cada disciplina, é o surgimento de uma visão de esperança enorme que eu vejo lá na frente.
Estou fazendo uma disciplina agora que é ‘Inovação e Criatividade’. Como é gostosa! Foi o que apliquei toda a minha vida em 48 anos no Ministério Público: inovações, criatividades. Depois pelas Secretarias em que eu passei e que estou passando, cada uma delas me torna cada vez mais livre, porque vamos criando e imaginando, e assim inovando para que não tenhamos uma sociedade que seja única e exclusivamente ditada por um ou por alguns. Muito pelo contrário, toda inovação e toda criatividade está muito ligada à inquietação da sociedade, a inquietação das pessoas. São elas que ditam qual é o melhor meio para chegar até elas [inovação e criatividade].
Entrevista Nota 10 - “Liderar para transformar” é a filosofia da Pós-Graduação Unifor. Com que transformações a senhora sonha?
Socorro França - A transformação que eu sonho é de um Brasil que seja justo. É de um país que seja realmente inclusivo. Eu sonho muito com a inclusão. Infelizmente nós temos ainda o machismo estrutural, nós temos ainda várias políticas que advêm de uma estrutura que nos foi legada pelos nossos antepassados. Os nossos antepassados, na realidade, não tinham essa visão [inclusiva]. Essa visão muito mais humanística é uma visão que a gente tem que lutar e é por isso que eu luto por ela, para que a gente possa ter um país que seja justo.
Entrevista Nota 10 - A senhora conhece o conceito de “lifelong learning”? Considera que estar sempre disposta a aprender é um diferencial na carreira?
Socorro França - Claro que sim, nunca é cedo ou tarde demais para aprender. Está aí a grande diferença. Nós temos que aprender realmente em todos os momentos das nossas vidas. Muitas vezes a gente acha que a aprendizagem vem só de quem é ‘o sábio’, mas às vezes a pessoa mais simples pode nos ensinar algo em que a gente pode afirmar o nosso entendimento naquilo bem simples que nos é passado. Mas é sempre bom acessar as informações, acessar o conhecimento. Ai que coisa maravilhosa é você se sentir livre!
Entrevista Nota 10 - Que orientações a senhora daria para quem está indeciso sobre continuar estudando, investindo na própria formação?
Socorro França - Eu entendo que todo ser humano é assim. E os pais também cooperam muito com isso. Entra na alfabetização, vai para o Ensino Fundamental, para o Ensino Médio, depois fica aquela confusão toda para fazer o vestibular, para terminar o curso, e aí depois? “Toma de conta, tu é que vai fazer, sabe o que tu vai fazer”? Depois da graduação ela [a família] já não entra mais, porque a pessoa é que vai decidir. Aí que está a grande energia do ser humano. É saber que não para por aí, é saber que nós temos que investir no conhecimento e alcançar vários e vários cursos para que a gente aprenda aquilo que nos é mais caro, aquilo que a gente gosta, porque nós quem vamos dizer com o que é que a gente se sente feliz, como se sente feliz fazendo aquilo que gosta. Então, nunca se deve parar. É importante acessar tudo que você puder de informação. Procure fazer cursos. Vá em frente. Não pare! A graduação por si só não se basta, é necessário alçar outros voos para que você possa realmente se entender dentro de uma verdadeira endosmose [corrente do exterior para o interior estabelecida entre fluidos de diferente densidade] de conhecimento o que é um ser sábio, mas ao mesmo tempo livre.
Entrevista Nota 10 - Como a senhora conseguiu conciliar a formação, a carreira e a família? Teve de fazer muitas concessões?
Socorro França - É claro que a gente tem que fazer concessões, mas eu consegui através de uma palavra mágica, chamada planejamento. [Tenho] 56 anos de casada. Planejei toda a minha vida para que eu pudesse realmente estudar, trabalhar e prover, ser uma das provedoras do lar. Junto com meu marido. Então, concessões eu tive que fazer, daquilo que estava realmente dentro dos meus planos. Às vezes a pessoa diz que é obsessão, mas eu planejava até a minha roupa. No dia seguinte eu tinha que estar sempre no trabalho. Então, o que que eu fazia? Já deixava tudo separado. Que depois do banho, já metia a roupa e ia para o trabalho, assim eu fui fazendo toda a minha vida. Graças a Deus meus filhos não são desajustados. Meus filhos são pessoas corretas graças a Deus e, portanto, não tem aquela história de dizer, eu ouço muito isso que arranha meus ouvidos que dá vontade de chorar: quando se diz “o filho não estudou porque a mulher tá trabalhando”. Não. Muitas vezes o silêncio dói muito mais do que a falta presencial. Tantas vezes a mãe está dentro de casa, não conversa com o filho e ela realmente não está cooperando com a aprendizagem dele. Portanto, o que vale a pena são os exemplos. Meus filhos sempre me viram estudando, sempre me viram trabalhando. Então, não podia ser diferente.
Entrevista Nota 10 - Acha que conseguimos avançar o suficiente para garantir mais equidade de gênero no mercado de trabalho nos últimos anos? Quais são os principais desafios que ainda temos a enfrentar em relação a esse tema?
Socorro França - Nós iniciamos em primeiro lugar em 1962, tirando a grande vergonha que existia no Brasil que era a lei que considerava a mulher como relativamente incapaz [naquele ano foi aprovado o Estatuto da Mulher Casada que garantia que a mulher não precisaria mais pedir autorização ao marido para poder trabalhar, receber herança entre outros direitos] . Ela só podia estudar, só podia fazer qualquer negócio se tivesse autorização do pai e, se casar, [autorização] do marido. Impressionante. Daí pra cá a luta, o primeiro Conselho Estadual da Mulher, e o primeiro no Brasil foi no Ceará, depois veio o nacional. Esses conselhos foram importantíssimos. Porque eles fomentaram essa grande revolução de ideias para exterminar de uma vez por todas o machismo estrutural. Mas se eu disser pra vocês que não existe, eu estaria mentindo. Existe ainda, infelizmente, machismo estrutural no nosso país. Você vê que por mais avanço que se tenha, por mais Secretarias aqui no Ceará. Existe uma Secretaria Executiva de Política das Mulheres, nós estamos fechando os 184 municípios com conselhos que são órgãos de controle social para ajudar na política das mulheres. Criando Casas da Mulher Brasileira e agora Casas da Mulher Cearense. Tudo isso com um objetivo, que é o de fazer com que a gente tenha realmente a equidade de gênero. A constituição é de 1988. E diz lá que todos são iguais independentemente de sexo. Mas não é isso que se vê. E é preciso que haja políticas públicas voltadas para esse tema, mas políticas que sejam exercidas na sua plenitude. E eu tenho fé em Deus que isso vai avançar cada vez mais.
A mulher antes morria de medo de denunciar o companheiro. Hoje ela tá mais liberta, por quê? Porque ela tá se projetando através do conhecimento. Nós estamos capacitando a mulher de baixa renda, nessa capacitação nós damos a ela o kit de trabalho para ela botar o seu gabinete de beleza, o seu gabinete de design de unha, design de sobrancelha. A mulher está trabalhando no mercado informal, no mercado formal, a mulher está sendo empreendedora. Isso significa dizer que ela está provendo o lar. Sabem por quê? Muitas vezes ela não fala, não diz nada com relação a essa violência, muitas vezes física, porque ela tem medo de perder o provedor do lar, porque tem filhos. E a violência não fica só por aí. A pior delas é a violência emocional, a violência moral, a violência patrimonial. E tudo isso é fruto exatamente de um passado. De um aprendizado que nós vimos no passado que não tinha absolutamente nada a ver conosco. A mulher que é tratada dessa forma, ao conhecer os seus direitos, sendo valorizada na sua expertise de trabalho, ela vai ter a sua alforria. E as políticas públicas estão aí pra dizer que nós vamos conseguir chegar até lá.