null A diversidade alimentar da caatinga e o futuro da gastronomia brasileira

Ter, 12 Julho 2022 14:14

A diversidade alimentar da caatinga e o futuro da gastronomia brasileira

Adicionar insumos exclusivos do sertão na culinária revela a grande potência alimentar do semiárido


A culinária nordestina é rica em temperos, cores, memórias e gestos. Ela compõe a cultura local e é passada de geração em geração (Foto: Getty Images)
A culinária nordestina é rica em temperos, cores, memórias e gestos. Ela compõe a cultura local e é passada de geração em geração (Foto: Getty Images)

O Brasil é sinônimo de pluralidade. Seu território, compreendido ao longo de 27 unidades federativas, abriga uma cultura secular derivada de uma amálgama de povos distintos. Em sua diversidade, as terras brasileiras são conhecidas por sua culinária rica, forte e saborosa, cuja descendência, em sua grande maioria, remete a três povos diferentes: indígenas, africanos e portugueses. 

No nordeste do país, região que possui mais estados, a cozinha é uma tradição ainda mais representativa. Resultante das resistências e tradições das matrizes étnicas citadas acima, os pratos possuem sabores únicos, carregados de histórias e afetos. Em seu cardápio, estão listados alimentos conhecidos ao redor do Brasil, como a mandioca, raiz nativa que dá origem à tapioca, e o milho, muito presente na culinária típica. 

Entretanto, ao ir mais a fundo (ou “se embrenhar”, como o vocabulário local diz) nesta região, percebe-se que sua culinária vai muito além do conhecido. O nordeste é detentor da Caatinga, único bioma exclusivamente brasileiro que, ao contrário do pensamento popular, é rico em paisagens naturais e abundante em alimentos, representando um território de oportunidades para a gastronomia local. 

A Caatinga e seus sabores exóticos fazem com que, aos poucos, o consumo de espécies da vegetação nativa, antes destinadas à alimentação animal, ultrapasse o semiárido e alcance outras regiões do país. “Esse bioma nos oferece cerca de mil espécies de vegetais, dentre eles plantas, como os cactos, e algumas leguminosas. Seus frutos são abundantes em cores e sabores, e são fontes de importantes nutrientes. Cito como exemplo o umbuzeiro, o juazeiro, o maracujá da caatinga, e até mesmo o nosso cajueiro, entre centenas de outros tipos”, aponta Edil Costa, chef de cozinha e professor de gastronomia. 

Analisando o mercado gastronômico atual e a ressignificação da culinária regional, a Universidade de Fortaleza, da Fundação Edson Queiroz, está com vagas abertas para seu mais novo curso de Pós-Graduação, intitulado “Gastronomia: do clássico ao contemporâneo”. Ministradas por um corpo docente especializado na área, as aulas serão presenciais e terão início em outubro de 2022. 

Regionalização da gastronomia

Assim como o forró, as festas juninas e o cordel, o sertão é parte indispensável para a formação da identidade nordestina e, de certa forma, brasileira. Como o docente pontua, não é de hoje que o homem busca, de forma criativa, meios de saciar sua fome, e isso é um aspecto intrínseco à Caatinga. A região já exportou alimentos clássicos, como a carne de sol e o queijo coalho, criados diante de necessidades, mas que hoje integram cardápios de restaurantes famosos ao redor do país.  

Segundo Edil, a regionalização da gastronomia faz parte da cultura de um povo, e valorizar os insumos que a região produz é fator decisivo para que a culinária local se fortaleça. “Dessa forma, a inclusão dos insumos da Caatinga na cozinha se faz necessário, não só pelas inúmeras possibilidades de opção, como pelo zelo e contribuição para a economia local”, reforça o profissional, que coordena o curso da Unifor. 


Edil Costa, coordenador do curso “Gastronomia: do clássico ao contemporâneo” da Pós-Unifor  (Foto: Arquivo Pessoal)

Porém, ainda que o bioma represente um mundo de possibilidades alimentares, o chef de cozinha alerta sobre o uso indiscriminado desses insumos. Costa explica que é preciso cuidado ao lidar com esse tema, por se tratar de um ecossistema fragilizado. Ainda que seja importante inserir a vegetação local na alimentação, se esse processo não for feito da maneira correta, a fauna e a flora regionais podem ser ameaçadas. 

“Alguns fatores de risco são os desmatamentos generalizados para pastagens e agricultura. A irrigação sem os devidos cuidados contribuem para aumentar o processo de desertificação do solo, fazendo com que árvores importantes para flora entrem em extinção. O mesmo ocorre com a fauna, onde animais como peba, tatu, mocó já são raros de se ver. Entretanto, muito se resolve com consciência e conhecimento, afinal, cuidar da sua terra é obrigação de todos”, afirma o professor de gastronomia.  

“Gastrotinga”


Grande parte do patrimônio biológico da Caatinga não pode ser encontrado em nenhum outro lugar do planeta, o que torna sua fauna e flora ainda mais preciosa (Foto: Getty Images)

Para reforçar a potencialidade da culinária da Caatinga, o jovem chef alagoano Timóteo Domingos criou o projeto “Gastrotinga” – o nome, inventado por ele mesmo, representa a junção da gastronomia com os elementos do bioma nordestino. Iniciativas como a dele buscam inspiração nas plantas locais e fortalecem a cozinha como um lugar de inclusão alimentar, que ultrapassa barreiras geográficas. 

O movimento de inclusão de elementos do semiárido nas culinárias nordestinas e brasileiras vem para mostrar que comer cactos não é sinônimo de pobreza. Muito pelo contrário: é na descoberta das diversas utilidades desses alimentos que a riqueza da região prevalece. Para Edil, a Gastrotinga traz à tona a valorização dos insumos da Caatinga como fonte de alimento e suas diversas possibilidades gastronômicas. 

“Muita gente associava os alimentos da caatinga à fome, miséria, escassez de comida. Contudo, com estudo dos insumos do bioma e a aplicação deles na gastronomia do dia a dia, esse preconceito vem diminuindo substancialmente e tende a acabar. Assim, a disseminação deste conhecimento irá alavancar as riquezas dos insumos do sertão nordestino para o resto do Brasil e para o resto do mundo”, finaliza o chef

Pós-graduação em Gastronomia 

A Universidade de Fortaleza, com o intuito de qualificar profissionais da área gastronômica para atuar em face das novas e crescentes demandas do mercado, adiciona a Pós-Graduação “Gastronomia: do clássico ao contemporâneo” à sua grade de cursos. A especialização prepara os profissionais da cozinha para além do repertório clássico atual, qualificando-os para a criação de uma cozinha autoral por meio da utilização de novas técnicas e equipamentos. O curso é voltado para graduados em gastronomia atuantes no mercado de trabalho que desejam ampliar e atualizar seus conhecimentos, e também para amantes da cozinha, independente de sua área de atuação.