qui, 11 fevereiro 2021 16:13
Entrevista Nota 10: Afonso Lima e a importância da ciência para o mundo dos negócios
Pesquisador e professor do Programa de Pós-graduação em Administração de Empresas da Unifor destaca as contribuições do conhecimento científico para as organizações
A academia como aliada do mundo dos negócios. Para Afonso Lima, professor do Programa de Pós-graduação em Administração de Empresas da Universidade de Fortaleza, instituição da Fundação Edson Queiroz, essa conexão revela um caminho de muito potencial e trocas construtivas.
Mestre e Doutor em Administração pela USP, o professor-pesquisador se dedica também ao desenvolvimento de iniciativas conjuntas com empresas e governo visando a competitividade, sobretudo, na busca por reunir, analisar e divulgar indicadores para a tomada de decisão.
Com exclusividade ao Entrevista Nota 10, Afonso Lima analisa a influência da pandemia na gestão das empresas, instiga a reflexão sobre as demandas da indústria e a produção das universidades, além de compartilhar seu estudo mais recentemente. Confira na íntegra:
Entrevista Nota 10 - Professor, falando um pouco sobre as demandas da indústria e a produção acadêmica nas universidades… Como essa relação vem sendo construída no Brasil, na sua visão? É uma relação sólida?
Afonso Lima - É um tópico muito interessante. Como pesquisador, vejo todos os dias resultados de teses e de dissertações que são importantíssimos para a prática da administração das empresas no Brasil; por outro lado, há um interesse de empresários e gestores nos mais diversos setores pelo conhecimento que é gerado nas instituições de ensino e pesquisa. Porém, a lacuna que tenho percebido é justamente no canal de comunicação. Na academia, as revistas científicas são os principais veículos de divulgação de resultados de pesquisas de impacto (e somos continuamente avaliados por isso), no entanto, grande parte dos gestores têm pouco ou nunca tiveram acesso a essas revistas, apesar do conteúdo ser gratuito e amplamente disponível na internet. A pergunta é: como tornar esse conteúdo mais atrativo para a indústria, sem que se perca o rigor com que foi construído? Quando menciono rigor, não me refiro à elegância textual. Refiro-me à definição dos parâmetros da pesquisa realizada, métodos empregados, coleta de dados e procedimentos de análise, de maneira que os resultados e posteriores recomendações (quando for o caso) estejam alinhados à realidade investigada. Este processo ainda está sendo construído, porém em rápida aceleração. É importante que escutemos com atenção as necessidades das empresas e que elas escutem as demandas da academia, pois há muita sinergia em potencial.
Entrevista Nota 10 - De que forma o Programa de Pós-graduação em Administração da Unifor trabalha aspectos que são tão importantes para as empresas atualmente, como as áreas de estratégia e sustentabilidade?
Afonso Lima - Bom, primeiramente, cabe ressaltar que o PPGA é um programa que visa a formação de pesquisadores. Assim, o aluno no mestrado e doutorado passa por uma formação intensa e sólida em técnicas e métodos de análise de dados, uma competência essencial a qualquer organização na atualidade, inclusive sobre como avaliar de maneira crítica e fundamentada às oportunidades e riscos do mundo dos negócios. O hábito de leitura e a familiaridade com pesquisas científicas apresenta-lhes diferentes perspectivas sobre determinado tema e lhes dá uma compreensão abrangente de problemas e desafios. Mais uma vez, esta é uma habilidade essencial aos gestores e empresários para lidar com um ambiente de incertezas. Além disso, a colaboração e o trabalho cooperativo são intensamente vivenciados, outra competência valorizada pelas organizações.
Quanto ao conhecimento gerado por meio de teses e dissertações há a questão do novo, do ineditismo. Somos constantemente desafiados a refletir sobre temas emergentes, sobre singularidades do ambiente de negócios brasileiro, sobre possibilidades de tornar nossa sociedade mais sustentável, etc. Assim, a produção científica do PPGA pode respaldar estratégias e práticas organizacionais, sob determinadas condições, pode indicar novos caminhos, pode mostrar a percepção do mercado acerca de determinadas ações, e tudo isso pode ajudar as empresas a economizarem recursos e mesmo a evitarem riscos desnecessários.
Entrevista Nota 10 - Neste contexto de pandemia, qual é o lugar da competitividade empresarial? Sabemos que muitas organizações também veem a crise como uma oportunidade para repensar novas formas de trabalhar e colocá-las em prática…
Afonso Lima - Primeiramente, competitividade empresarial pode ser entendida de maneira simples como a manutenção do desempenho superior por meio do atingimento de seus objetivos de criação de valor junto ao público-alvo. Ao meu ver, isso deve fazer parte da cultura de qualquer empresa. Mudanças bruscas nos negócios nunca são fáceis, mas quando os objetivos do negócio são extensivamente discutidos, claros e disseminados na empresa, fica muito mais claro repensar as ações e esforços para atingi-los sem perder de vista o que o consumidor necessita, mesmo em situações como esta de pandemia, como por exemplo, repensar seus canais de comunicação e de comercialização, fazer parcerias, alianças ou tornar suas operações mais flexíveis. Não podemos nos esquecer que decisões rápidas muitas vezes fazem a diferença. Enquanto as empresas manterem essa premissa de criação de valor para o cliente, ela sairá mais fortalecida de crises. Não que seja fácil, mas a tomada de decisão gerencial fica mais clara, os esforços internos mais alinhados e a resposta aos desafios mais rápida e embasada. Importante destacar que muitas empresas se perdem por não terem esse alinhamento e são muito mais afetadas pelas adversidades. Ultimamente temos verificado que essa adaptação e flexibilidade se tornam mais fáceis quando a empresa se dedica à análise de dados internos e externos. Mais uma vez, habilidades adquiridas pelos nossos alunos do PPGA.
Entrevista Nota 10 - Também pode ser um momento para quem quer empreender? O que é preciso para isso?
Afonso Lima - É fato que em circunstâncias como esta há oportunidades a serem exploradas. O principal do empreendedorismo diz respeito à identificação das novas necessidades (ou necessidades acentuadas) e anseios do mercado-alvo a partir do contexto de mudança e, a partir da solução (produto ou serviço), conectar-se efetivamente com esse mercado-alvo. Basta olharmos para nossa própria casa e verificar o que mudou, como os produtos e serviços poderiam atender às nossas necessidades. Além disso, esse contexto acelerou a adoção de hábitos de consumo já mapeados em anos anteriores, de acordo com relatórios da AT Kearney e McKinsey & Co., a exemplo do aumento da compra em contexto de conveniência. Assim, é fundamental termos em mente não só o quê exatamente as pessoas necessitam, mas como elas consomem ou fazem uso desses produtos e serviços.
Entrevista Nota 10 - Atualmente, a presença do digital ganha cada vez mais força. Podemos resolver muitas tarefas do dia a dia por meio do smartphone, e as pequenas e grandes burocracias ficam cada vez mais distantes da vida contemporânea. Qual a importância do digital como aliada da gestão nas empresas?
Afonso Lima - Na medida em que as ferramentas digitais estão cada vez mais disponíveis e as possibilidades da virtualização para as organizações, cada vez mais fáceis, há também cuidados a serem tomados. Nem sempre elas trarão as promessas e os resultados verificados nos tão comentados casos de sucesso. Temos de pensar em como essas ferramentas digitais auxiliarão a organização a gerarem valor para seu mercado-alvo. Elas ajudarão a trazer maior agilidade e confiabilidade nos processos de negócio (maior velocidade e menos erros)? A empresa poderá fazer uso do potencial de análise de dados gerados pela ferramenta visando tomar decisões mais rápidas, mais embasadas, ou melhorar suas ofertas com base no conhecimento gerado? Toda ferramenta possui custos e retornos atrelados; fazer essas perguntas podem auxiliar os gestores a enxergar o retorno dessas ferramentas.
Entrevista Nota 10 - Poderíamos destacar alguma pesquisa que você tenha realizado recentemente e queira compartilhar com a sociedade?
Afonso Lima - Sim. Juntamente com dois professores colegas do CCG e um orientando de mestrado, estamos finalizando a etapa de estruturação de um banco de dados relativo ao mapeamento de clusters setoriais (agrupamentos de empresas de determinado setor delimitados em uma área específica). São exemplos de cluster o Vale do Silício, o cluster automotivo em Rüsselsheim/ Darmstadt, na Alemanha, o cluster aeroespacial em São José dos Campos, São Paulo e, aqui no Ceará, há um agrupamento de empresas do setor de rochas ornamentais que apresenta grande potencial para se tornar um cluster. Clusters são importantes indicadores de especialização, produtividade e inovação. Com base em uma metodologia específica, vamos reunir, combinar e sistematizar dados de atividade econômica como pessoas empregadas, número de empresas, dados sobre inovação, inserção internacional, enfim, dados descritivos acerca da capacidade competitiva desses clusters para a economia brasileira. Prevemos que tais dados sejam utilizados por empresas, governo e outras organizações para fornecer uma base de análise sobre obstáculos e definição de estratégias alinhadas ao desenvolvimento socioeconômico territorial, além de subsidiar futuras pesquisas do PPGA sobre o tema.