seg, 12 novembro 2018 13:40
Entrevista Nota 10: Albert Gradvohl por uma vida sustentável
“Vou começar por uma frase que eu sempre disse: do lixo eu vim, pro lixo retornarei”. À frente da disciplina Gestão Ambiental no curso de Administração da Unifor desde 1994, o empresário e coordenador especial de limpeza urbana da Prefeitura Municipal de Fortaleza, Albert Brasil Gradvohl, jamais esqueceu o primeiro brinquedo: uma caixa de papelão. É que o pai trabalhava numa fábrica de embalagens e aquela matéria-prima maleável, com tantas dobras possíveis, foi o que deu asas, na mais tenra infância, à sua criatividade e curiosidade natas.
A brincadeira ainda lhe trouxe outra descoberta: ao ver o papelão aos poucos ser substituído pela madeira, numa natural evolução do mercado de embalagens, o infante aprenderia sobre inovação, essa palavrinha tão cara à engrenagem da ciência. Fascínio por aprender fazendo, algo que cresceu junto com ele e o acompanha até hoje. Graduado em Economia pela própria Unifor, Gradvohl tem mestrado em Administração de Empresas pela mesma instituição e o tema de sua dissertação - “Consórcio do Lixo: proposta de uma estrutura organizacional do lixo reciclável de embalagens e afins para a comercialização” – foi só o começo de toda uma vida dedicada à pesquisa e ao desenvolvimento de projetos na área da sustentabilidade, cujos princípios econômicos, sociais e ambientais são indivisíveis e se retroalimentam.
Professor, como a docência e, em especial, a área da Gestão Ambiental, chega em sua vida de empresário herdeiro da vocação do pai?
Sempre me dediquei à economia ambiental, minha área é gestão econômica ambiental, meu negocio é desenvolvimento sustentável. Eu desenvolvo projetos para que você possa utilizar de forma racional os recursos naturais. Mas, por conta mesmo de meu pai, passei a viver dentro das indústrias de embalagens e a pesquisar todos os tipos delas. Minha dissertação de mestrado já foi sobre o Consórcio do Lixo, uma alternativa pra problemática do lixo em Fortaleza. O consórcio do lixo até hoje existe, se você for ao Pirambu, na Socrelp - Sociedade de Reciclagem do Lixo do Pirambu -, ta lá o projeto funcionando. Uma comunidade com uma visão empresarial, que nós treinamos e hoje compra e vende resíduos sólidos. Um projeto auto-sustentável, iniciado em 1996, onde, a partir da organização das demandas e das ofertas, empresas geradoras de resíduos passaram a preferir vender para a Socrelp e não para as sucatas.
Então, desde o princípio o pesquisador de materiais recicláveis trabalha junto ao gestor de projetos?
Tudo isso é integrado. Os alunos normalmente me perguntam: professor o senhor trabalha ou só ensina? Eu trabalho e ensino. É natural. Tenho vários projetos de sustentabilidade que hoje estou implementando na Prefeitura de Fortaleza. Um deles é o Ecopolo, que é um conceito novo. Estive em Israel conhecendo os Kibutz, que são pequenas comunidades economicamente autônomas, com base em trabalho agrícola ou agroindustrial, caracterizadas por uma organização igualitária e democrática, obtida pela propriedade coletiva dos meios de produção e da administração conduzida por todos os seus integrantes em assembleias gerais regulares. Espécies de fazendas produtivas, que funcionam como se fossem um condomínio de um prédio, só que, no caso, esse prédio dá dinheiro E saí com essa ideia pra desenvolver aqui, só que adaptando à área do lixo.
Como se deu essa adaptação?
O que tivemos a vida toda? Um caminhão coletando lixo e levando pro aterro sanitário, que era o Jangurussu, e depois passou a ser Asmoc, lá em Caucaia. Nunca tivemos um programa de desenvolvimento sustentável. Daí fizemos o Ecopolo, para atingir prioritariamente 1500 metros da avenida Leste-Oeste: colocamos três ecopontos lá pras pessoas levarem seus materiais inertes recicláveis e isso acabou se revertendo em um comportamento sustentável. Introduzimos também as lixeiras subterrâneas. Então as pessoas deixaram de botar o lixo no canteiro central; e fizemos o programa e-carroceiro: pagávamos 6 centavos o quilo pelo entulho para um caçambeiro, daí tiramos a caçamba e passamos a pagar diretamente o carroceiro, por quilo, então ele passou a ser o agente da coleta de entulho. A Leste-Oeste é o canto que mais se coleta resíduo em Fortaleza hoje, apesar do baixo IDH. Antes, o caminhão passava oito vezes por dia lá. Hoje já não precisa, é a escala normal de três vezes por semana. O material enfim está indo pros ecopontos e se transformando em dinheiro.
Mas como se transforma lixo em dinheiro?
O lixo, apesar de incomodar, ele faz parte de um impacto ambiental e pode se transformar em grandes oportunidades. O lixo da nossa comida pode ser composto. O lixo da construção civil pode virar casa. O lixo das podas da rua pode ser composto. O lixo do papelão pode virar papel. O lixo do plástico pode virar plástico de novo. Então uma política pública voltada para a gestão de resíduos é muito importante. Mas ainda temos muito a fazer. Uma das propostas é pegar o resíduo da construção civil, que hoje ainda está sendo jogado no aterro sanitário, e construir casas. Já coletamos lá pra mais de 500 toneladas de resíduos de entulho e a idéia é transformar em tijolos e construir casas tipo “Minha casa, minha vida”, mas muito mais bonitas, com design e tudo o mais. Isso porque a beleza faz parte da vida. O belo é importante para o ser humano. Tem coisa melhor do que morar num canto agradável? Esse é um programa que to chamando de Ecohabitar, mas ainda não saiu do papel. É assim que vamos gerando uma economia nos bairros a partir do Ecopolo. À exemplo dos kibutz, no ecopolo também poderia funcionar um grande refeitório ou restaurante popular, de forma que cada projeto desses gerasse sustentabilidade e desse lucro pra comunidade e quem negociasse com ela.
O Ecoponto seria então o guarda-chuvas de várias ações que juntas geram sustentabilidade e movimentam a economia?
Isso. Ecopolo é uma ação multidisciplinar formado por um conjunto de projetos integrados que se formam a partir de Ecopontos , e-carroceiro, o Recicla Fortaleza e o Ecohabitar, que nem existe ainda... Começamos em 2013, quando haviam 1.800 pontos de lixo em Fortaleza. Hoje estamos aproximadamente 980 pontos de lixo, e com 337 metros de adesão da população. Isso significa uma média de 337 metros de distância entre um Ecoponto e o mais próximo ponto de lixo existente em seu entorno. Hoje, já temos 50 Ecopontos, um Ecopólo que é o da Leste-Oeste, com lixeiras subterrâneas pro lixo orgânico, franquia social para geração de renda com a Socrelp e o e-carroceiro na região. O e-carroceiro é aquele mesmo que passava na sua casa e pegava seu entulho a dez reais, pra derramar todo ele lá esquina mais adiante. Hoje ele pega seu entulho, ganha os 10 reais, vai num ecoponto, pesa e a Prefeitura paga pra ele dois centavos o quilo. Somando tudo hoje um e-carroceiro pode faturar até R$ 1.400,00 por mês. É o que chamamos de e-dinheiro, o Banco Palmas fazendo essa intermediação, ou seja, o banco de microcrédito é que paga o carroceiro, mas o recurso vem da Prefeitura. Hoje temos 150 e-carroceiros trabalhando nesse programa e o objetivo é chegarmos a 119 ecopontos até o final da gestão.
E aliás há ainda o programa Recicla Fortaleza.
Esse é um outro programa, que começou com a Coelce – Ecoelce, em 2003, e a Prefeitura se tornou parceira em 2016, levando o Ecoenel para dentro dos ecopontos. Unimos os dois e assim qualquer pessoa pode levar o seu lixo reciclável para um ecoponto e ali, ao pesar, ela recebe bônus a serem descontados em sua conta de energia e no bilhete único. Tem gente que está zerando a conta de energia com isso. E esse é justamente o princípio da sustentabilidade: integração dos aspectos econômicos, sociais e ambientais. Princípios esses que norteiam a nossa disciplina de gestão ambiental na Unifor e também vêm gerando ações interativas e itinerantes como a Mostra Unifor Produtos Verdes, onde nossos alunos criam e expõem produtos reciclados e o projeto Quermesse Verde, através do qual criamos e levamos jogos educativos para as escolas públicas, promovendo consciência ambiental de forma lúdica.