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Qua, 15 Dezembro 2021 10:17

Entrevista Nota 10: Fernanda Maia e os avanços da Neurologia

Chefe do Setor de Neurologia do Hospital Geral de Fortaleza destaca a importância do atendimento médico adequado em quadros de AVC


ernanda Maia tem Doutorado pela Faculdade de Medicina da USP e é membro da Comissão de Ensino da Academia Brasileira de Neurologia (Foto: Ares Soares)
ernanda Maia tem Doutorado pela Faculdade de Medicina da USP e é membro da Comissão de Ensino da Academia Brasileira de Neurologia (Foto: Ares Soares)

Para Fernanda Maia, o fascínio pela Neurologia surgiu no último ano da formação em Medicina. Professora do Programa de Pós-Graduação em Ciências Médicas (PPGCM) da Universidade de Fortaleza, instituição da Fundação Edson Queiroz, ela compartilha em sala de aula amplo conhecimento em uma especialidade que conquistou notáveis avanços nas últimas décadas. 

Também pesquisadora, a neurologista tem Doutorado pela Faculdade de Medicina da USP e atua como chefe do Setor de Neurologia do Hospital Geral de Fortaleza. Com exclusividade ao Entrevista Nota 10, ela destaca a importância do tratamento neurológico adequado e sua acessibilidade no sistema de saúde pública, além de esclarecer as principais dúvidas sobre o AVC (Acidente Vascular Cerebral). Confira na íntegra: 

Entrevista Nota 10 - Como aconteceu a escolha pela especialização na área de Neurologia?

Fernanda Maia - A escolha aconteceu no último ano da faculdade de Medicina, iniciada pelo fascínio que o exame neurológico ao nos mostrar como podemos identificar as as doenças neurológicas. Além disso, sendo a neurologia uma área em desenvolvimento, com grandes avanços nas últimas décadas, as oportunidades de desenvolvimento seriam grandes nessa área.

Entrevista Nota 10 - E o interesse pela docência?

Fernanda Maia - Desde o ensino fundamental e médio, sempre gostei de dar aula, o que se consolidou com as monitorias durante a faculdade, culminando com o doutorado.  

Entrevista Nota 10 - Em 2020, seu artigo “Thrombectomy for Stroke in the Public Health Care System of Brazil” foi publicado na revista americana New England Journal of Medicine (NEJM). Qual o principal objetivo do estudo e como avalia a importância desse reconhecimento? 

Fernanda Maia - O principal objetivo foi investigar se a trombectomia mecânica, que é um tratamento agudo para o AVC, usando o cateterismo cerebral, teria os mesmos efeitos de recuperação de funcionalidade que foi visto em países desenvolvidos. A importância dessa publicação foi fundamental para a modificação das diretrizes nacionais no cuidado do AVC agudo, sendo incorporado esse tratamento ao SUS.

Entrevista Nota 10 - Agora falando sobre esse problema de saúde que acomete diversas pessoas: o que é o AVC e quais podem ser suas causas?

Fernanda Maia - O AVC seria um déficit focal, como por exemplo, dificuldade de movimentar uma parte do corpo, de sentir, de enxergar, de falar, que acontece por uma falha do fluxo de sangue para aquele local do cérebro. O AVC pode ser isquêmico ou hemorrágico. No isquêmico, um coágulo interrompe a circulação em uma artéria cerebral, sendo o tipo mais comum, cerca de 80% dos casos. O AVC hemorrágico, por sua vez, tem relação com o rompimento de uma artéria, e, apesar de menos comum, geralmente é mais grave.

Entrevista Nota 10 - Como podemos identificá-lo e prestar socorro?

Fernanda Maia - Os sinais de alerta mais comuns são a dificuldade de movimentar um braço ou perna, dificuldade para falar e desvio da boca para um dos lados que aparecem subitamente. Outros sintomas também podem ser sugestivo de AVC, como dificuldade para andar, para enxergar, dormência em um lado do corpo, dor de cabeça e pacientes que entram em coma – em relação a esses sintomas, o mais importante é se identificar se aconteceram de repente – essa é a grande marca do AVC.  

Entrevista Nota 10 - Professora, quais sequelas graves podem ser evitadas com procedimentos realizados de forma hábil?

Fernanda Maia - As sequelas que podem ser evitadas variam de pequenos déficits até a morte. É importante salientar que o AVC causa grande morbidade em nossa população, não apenas ao paciente, como também a seus familiares, que precisam dar assistência quase contínua em casos de alta dependência, como também ao sistema de saúde.

Entrevista Nota 10 - Como o sistema de saúde brasileiro está preparado para atender a esses pacientes? Ainda há muitos desafios?

Fernanda Maia - Hoje, no Brasil, temos políticas públicas voltadas especificamente ao AVC, porém ainda distribuídas de forma muito heterogênea, levando-se em consideração que o tratamento do AVC é tempo-dependente. Se pegarmos Fortaleza como exemplo, temos tratamento de excelência sendo oferecido, com toda a rede de apoio para o reconhecimento precoce, porém ainda com falhas na área de reabilitação. Há várias regiões do nosso estado que, pela distância, não têm acesso ao tratamento de fase aguda, o que vem sendo trabalhado de forma contínua junto aos gestores.

Entrevista Nota 10 - Orientada pela senhora, a egressa do Programa de Pós-Graduação em Ciências Médicas, Thaís Saraiva Leão Cunha, desenvolveu a dissertação “Impacto do Protocolo Unificado de Manejo do AVC em uma Unidade de Pronto-Atendimento (UPA) do Sistema Único de Saúde na realização de trombólises”. Os resultados obtidos levaram à implantação do Protocolo Unificado do Manejo do AVC (Puma) para otimizar o atendimento e tratamento de pacientes em algumas UPAs da capital. Qual é a importância dessa iniciativa?

Fernanda Maia - A iniciativa de fazer um protocolo integrando os principais recursos de saúde envolvidos no cuidado pré-hospitalar do paciente com suspeita de AVC veio do fato de percebermos que muitos pacientes não chegavam a tempo no HGF – nosso hospital de referência para o tratamento de AVC agudo no SUS – mesmo chegando em tempo hábil na UPA. A Dra Thais, juntamente com a equipe da UPA do Cristo Redentor, elaborou então um protocolo de reconhecimento precoce com mudança de fluxo dentro da UPA, caso o paciente preenchesse critérios de alta probabilidade de estar com AVC agudo. Além disso, o SAMU e a equipe do HGF participaram dando o apoio para a transferência e o recebimento do paciente na emergência. Esse protocolo aumentou de forma impactante o número de trombólises e trombectomias de pacientes vindos da UPA. Atualmente ele serve como modelo para o treinamento e implantação nas demais UPAs da capital, com provável expansão para todo o estado.