seg, 30 maio 2022 19:51
Entrevista Nota 10: Maria Rita Kehl e a política sob ótica da psicanálise
Psicanalista e escritora premiada, Maria Rita Kehl compartilha sua visão sobre o cenário político e social brasileiro ao Entrevista Nota 10
A intelectual Maria Rita Kehl é um dos grandes nomes da psicanálise contemporânea no Brasil. Jornalista, ensaísta, poetisa, cronista e crítica literária, ela venceu o Prêmio Jabuti de Literatura na categoria “Educação, Psicologia e Psicanálise” com o livro “O Tempo e o Cão - A Atualidade das Depressões” – bestseller que chegou às prateleiras em 2010 e continua sendo um sucesso.
Engajada com o cenário político nacional, Maria Rita integrou a Comissão Nacional da Verdade, que investigou as violações de direitos humanos ocorridas durante o período da Ditadura Militar brasileiro. Além disso, recebeu o Prêmio Direitos Humanos do Governo Federal na categoria “Mídia e Direitos Humanos”.
No próximo dia 03 de junho, a psicanalista irá lecionar uma aula aberta na Unifor com o tema “Novas formas do fascismo no Brasil”. Ao Entrevista Nota 10, ela compartilha sua opinião sobre o cenário político e social brasileiro em um ano de eleições polarizadas. Leia na íntegra:
Entrevista Nota 10 - Sabemos que apenas uma pequena parcela da população consegue ter acompanhamento adequado de saúde mental. Como a Psicologia pode se tornar mais acessível? De que cuidados com a saúde pública, nesse sentido, o povo brasileiro precisa?
Maria Rita Kehl - Psicanalistas são bons em tentar entender problemas, não em encontrar soluções. Mas sei que grande parte dos brasileiros se beneficiariam da psicanálise, enquanto a medicina pública em geral só oferece medicações. Em São Paulo, os Centros de Atenção Psicossocial (Capes) oferecem ou ofereciam - não sei se o atual prefeito os manteve - psicoterapia aos usuários. Talvez existam iniciativas semelhantes em alguns outros estados. Não se pode tratar conflitos psíquicos só com medicação.
Entrevista Nota 10 - Você ganhou o Prêmio Jabuti de Literatura na categoria “Educação, Psicologia e Psicanálise” com o livro “O Tempo e o Cão - A Atualidade das Depressões”, publicado originalmente em 2010. Após mais de uma década, acha que as discussões sobre depressão tornaram-se mais frequentes? Como está a recepção ao assunto no momento?
Maria Rita Kehl - É difícil responder essa pergunta. O livro continua a ser bem vendido, mas a fase de debates a que fui convidada depois da publicação já passou.
Entrevista Nota 10 - Em 2012, a senhora passou a integrar a Comissão Nacional da Verdade (CNV) para apurar casos de violação aos Direitos Humanos ocorridos na segunda metade do século XX. O que pode compartilhar conosco acerca desta experiência, que evidencia as marcas da violência histórica presentes em nosso país?
Maria Rita Kehl - Essa é uma pergunta para dez páginas de resposta. A CNV foi muito bem divulgada durante sua vigência, algumas descobertas nossas saíram até no Jornal Nacional. Mas tal divulgação despertou também uma onda negacionista. Talvez de parte de antigos adeptos da ditadura, mas também como reação de pessoas que não sabiam nada sobre a ditadura e não gostaram de saber. Criou-se uma equivocada “teoria dos dois lados”, como se militantes contra a ditadura fossem equivalentes aos agentes do Estados que os torturaram, mataram muitos e fizeram desaparecer 142 corpos. No meu caso, quando tentava explicar que essa simetria era falsa, as pessoas em geral não queriam ouvir.
Entrevista Nota 10 - Como a senhora avalia, oito anos depois, o resultado das recomendações feitas no relatório final da Comissão Nacional da Verdade apresentado em 2014? Entre elas havia, por exemplo, a sugestão de desmilitarização das polícias militares nos estados.
Maria Rita Kehl - Não me lembro se alguma de nossas recomendações foi levada adiante pelo Estado, principalmente depois da destituição da (ex-presidente) Dilma (Roussef). Aliás, acho que a rejeição a ela teve muito a ver com a CNV. Claro que a desmilitarização das polícias não foi sequer cogitada, e a Polícia Militar brasileira continua sendo a que mais mata no mundo.
Entrevista Nota 10 - No próximo mês de junho, a senhora realizará aula aberta na Unifor com o tema “novas formas do fascismo no Brasil”. Em sua opinião, qual a origem e o que alimenta o “ódio coletivo” que levou ao surgimento desse fascismo no país? E o que é possível fazer, no ambiente acadêmico, contra esse avanço dele, de forma a atrair os jovens para a discussão sobre o assunto?
Maria Rita Kehl - Não sei o que é possível fazer nas universidades a não ser fomentar o debate e, se os professores conseguirem, mediar os opositores de modo a que eles consigam se escutar. Quanto ao que alimentou o ódio coletivo, não sei responder ainda.
Entrevista Nota 10 - Em janeiro de 2022, o número de eleitores entre 16 e 18 anos mostrava-se um dos mais baixos na história do país. Graças a campanhas de movimentação sobre o assunto nas redes sociais, o número de novos títulos quase dobrou até abril: dados do Tribunal Superior Eleitoral registram um aumento de mais de dois milhões em registros. Como você enxerga essa participação de eleitores adolescentes nas eleições deste ano?
Maria Rita Kehl - Penso que os adolescentes foram, durante muito tempo, tratados como crianças e como consumidores. Bastou que houvesse um empenho em tratá-los como cidadãos para que eles talvez percebessem que essa posição é muito mais interessante e motivadora.
Entrevista Nota 10 - Nativos dos ambientes virtuais, os jovens terão papel importante e decisivo nas eleições daqui para frente. Qual projeção a senhora faz considerando que eles possivelmente, em maior ou menor grau, foram expostos às novas formas de fascismo no Brasil, principalmente por meio das redes sociais? É possível sermos otimistas?
Maria Rita Kehl - Psicanalistas são péssimos em fazer projeções. Sou otimista porque espero a vitória do candidato de esquerda e que a campanha dele empolgue também os adolescentes. O grupo que coordena a campanha do Partido dos Trabalhadores tem se empenhado em usar o TikTok, não deixar essa ferramenta ao sabor das fake news de extrema-direita. A esquerda precisa conhecer mais os mecanismos das redes. Vamos torcer.