Nossa moda é autoral

seg, 10 junho 2024 11:08

Nossa moda é autoral

Egressos da Unifor que fogem do fast fashion apostam na moda autoral e criam negócios de sucesso. Com viés prático latente, curso de Design de Moda estimula experimentações e empreendedorismo


Egressa do curso de Design de Moda, Deli Trajano trabalha com moda autoral nas coleções de sua marca, a Okey (Foto: Ares Soares)
Egressa do curso de Design de Moda, Deli Trajano trabalha com moda autoral nas coleções de sua marca, a Okey (Foto: Ares Soares)

Eles atuam por uma moda mais consciente, limpa e duradoura. Na via contrária ao fast fashion — um trocadilho com o fast food adaptado ao mundo da moda —, pavimentam personalidade e reforçam aspectos culturais com a moda autoral.

É buscando a própria essência e estimulando a criatividade que eles lançam seus próprios empreendimentos. Estão imersos no pulsante mercado de moda autoral do Ceará, mas não necessariamente se limitam às nossas divisas. São egressos da graduação em Design de Moda da Unifor, vinculada à Fundação Edson Queiroz, que vão ganhando o mundo e levando suas raízes no processo.

“No Ceará, o espaço da moda autoral é bastante significativo, com diversos eventos e iniciativas que valorizam os criadores locais”, contextualiza a coordenadora do curso, Priscila Medeiros. Ela lembra que o Estado tem se destacado nacionalmente por meio dessa moda, que traz uma identidade única e valoriza a cultura local, sendo reconhecida por sua originalidade e criatividade.

É uma lógica de produção que pode até parecer anacrônica se considerarmos o consumo acelerado dos nossos tempos. Mas estilistas como Lara, Aristeu, Deli e Ana Beatriz estão dispostos a criar coleções mais artesanais e levar sua história por meio de uma roupa capaz de resistir aos modismos.

Unir a paixão pela alta costura e pelo feito a mão

“Sempre fui apaixonada pela alta costura, os ateliês franceses, o feito a mão. Uni esse meu amor pela alta costura com o handmade que já estava em minhas raízes”, conta Deli Trajano, de 33 anos. 

Quando criança, ela passava horas observando a avó paterna costurar em sua máquina caseira. Criava peças de roupa com uma habilidade que, para a menina, parecia mágica. “Ela transformava tecidos em verdadeiras obras de arte, sempre com uma atenção aos detalhes e uma paixão que transparecia em cada ponto. Era uma mulher fora de época”, relembra.

Aos 9 anos, Deli começou a trabalhar como vendedora ambulante na praia com o pai, e sua mãe a incentivou a guardar o que ganhava. “Vim de uma família muito humilde, onde meus pais não tiveram acesso aos estudos, mas tinham muita honra e me ensinaram que eu podia vencer”, diz.

Quando completou 15 anos, Deli investiu o que tinha juntado em um curso de modelagem na escola de moda Socorro Monteiro. Anos depois, ingressou no curso de Design de Moda de uma universidade particular, que fechou. Foi aí que se matriculou na Unifor, onde viu seu negócio – a marca Okey – ganhar forma como algo realmente profissional e visionário.

Na melhor universidade do Norte e Nordeste, Deli revela que pôde aperfeiçoar seus dons e contar com o apoio de grandes mestres. O marido, Carlos Trajano, a incentivou a começar a marca com o que eles tinham na época. Em 2013, ela preparou uma coleção e começou a tirar pedidos de lojistas. 

“Nós nos deparamos com uma enxurrada de pedidos, e de lá pra cá foram muitos aprendizados, vitórias, desafios e conquistas. Estou feliz com o que vem se desenhando. A Okey cresce em uma velocidade absurda e nos vemos a cada dia tendo que correr junto com a evolução dela pelo mundo”, celebra. 

Deli é diretora criativa da marca e o marido é o diretor geral. Hoje, a Okey tem mais de 70 funcionários, com costureiras internas e externas. “Produzimos em escala, mas cada peça é meticulosamente cuidada, cada peça conta a história de mãos que criam, de quem está por trás das roupas, e vocês não imaginam como elas [costureiras] amam ter o trabalho reconhecido”, conta a egressa.

“A Okey é mais do que uma marca, ela é transformação na vida das pessoas. Entregar uma obra de arte e contar a história das peças torna o meu mundo poesia”, acrescenta.


“Hoje, uma grande parte dos consumidores está mais preocupada com o que veste. Eles entendem que a peça de vestuário está além de uma vestimenta, simboliza uma identidade e essência. E é necessário que o produto conte uma história, a história de como foi feito e de quem o fez”Deli Trajano, egressa do curso de Design de Moda e proprietária da Okey Store

Para ela, no Ceará há um espaço gigante para estilistas porque a moda autoral está em nossas raízes. “Uma grande parte das famílias dos designers daqui vieram do sertão ou amam fazer parte da cultura. Tanto que vemos nosso Ceará roubando as cenas nas passarelas das semanas de moda”, afirma.

Valorizar a cultura local pelo slow fashion

Ana Beatriz Ribeiro, de 30 anos, sempre gostou de pensar em modelos de roupa, bordar e usar seu lado mais criativo. Até queria trabalhar com isso, mas, natural de Juazeiro do Norte, foi estudar na capital e decidiu cursar Arquitetura e Urbanismo. Não se identificou muito com a graduação, mas decidiu finalizá-la.

No Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), propôs desenvolver a Escola de Mãos, uma escola para repassar o conhecimento de artesãos tradicionais. Estudou muito sobre a região do Cariri, se maravilhou com a magia do semiárido e decidiu ali que, no futuro, atuaria com aquele universo que a encantava. “Entendi a força artesanal que tinha o Cariri”, lembra.

Aquele seria o embrião da Açude, uma neolabel cearense que valoriza a cultura local por meio do slow fashion. A estilista Ana Beatriz não queria apenas criar uma marca de moda, mas construir uma história por meio da grife que lançou no final de 2020. Sua produção costura o universo mágico e o artesanato caririense.

Neste processo, contou muito com a experiência e inspiração da avó, que viveu em Juazeiro e tinha o saber manual atrelado ao que era, costurando os próprios vestidos. “Eu me vejo muito nela”, diz Ana Beatriz.

Ela então decidiu estudar Design de Moda. “Na Unifor, foi um curso muito bom porque em cada semestre você tinha uma forma de enriquecer mais sua marca”, conta. A egressa acredita que a Universidade de Fortaleza a incentivou a criar seu próprio empreendimento enquanto dava todo o know-how necessário para isso.

Mas Ana Beatriz não queria apenas criar uma marca que oferecesse roupas bonitas. Na época da pandemia, buscava propósitos. “Eu queria fazer alguma coisa que mexesse com algo mais intelectual, uma coisa que fosse mais forte pra mim e que de fato me conectasse”, diz.

Almejava atuar imersa em um universo de histórias e saberes que a envolvesse, por isso uniu o desejo ao encantamento e à pesquisa pelas memórias do Cariri. “Em toda coleção, busco trabalhar com um tema que tenha a ver com a região”, explica.

A primeira coleção da Açude, chamada Caatinga, mergulhou na fauna e flora do bioma, na Chapada do Araripe, nos reisados e nas rezadeiras da região do Cariri. Já a coleção mais recente trabalha com três grupos artesanais, trazendo as bonequeiras do Pé de Manga, as esculturas de Mestre Noza e mulheres que trabalham com palhas de bananeira em Missão Velha. “A marca tem muito de se envolver com o que nasce no Cariri e de valorizar tudo isso da melhor forma possível”, explica Ana Beatriz.

A Açude começou online, produzindo pouco, na própria casa de Ana Beatriz. Neste ano, abriu a primeira loja-ateliê em Fortaleza. A estilista conta que tem andado devagar, medindo os próximos passos e sentindo o interesse pela marca. E segue conquistando o público aos poucos e mostrando que é realmente fiel ao que se propôs desde o início. “Acho que o consumidor vê isso, e a gente começa a fortalecer nossa clientela”, aposta.


“O consumidor está cada vez mais exigente, apesar de existirem controvérsias. A gente vê este mercado do fast fashion crescendo muito ainda, mas eu acho que são públicos diferentes e que uma coisa não anula a outra. Acho que hoje existe mais chance do diferente ter força, porque o consumidor está cada vez mais criterioso”Ana Beatriz Ribeiro, egressa de Design de Moda e diretora criativa da Açude

Ana Beatriz diz que busca trazer produtos mais diferentes e difíceis de copiar, com essência e autenticidade. “Acho que eu nunca seria uma marca que faz fast fashion, porque meu trabalho não é sobre isso. Meu trabalho não é sobre massificar, mas sim trabalhar menos coisas, imagens especiais possíveis e trazer essas peças para o dia a dia das pessoas”, finaliza.

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O sonho da marca própria desde o início da graduação

Desde pequena, Lara Ildefonso se interessa por moda. Ela lembra de acompanhar desfiles e tendências em revistas e do desejo de mergulhar neste universo na carreira profissional. Na adolescência, criou um blog de moda e passou a postar seus looks do dia. Começou a frequentar desfiles, lojas e eventos de moda no Ceará enquanto expandia sua atuação para um canal no Youtube. Estava certa de que queria seguir com isso.

Aos 25 anos, ela é designer de moda e empresária. Dedicou-se à graduação em Design de Moda da Unifor já com a ideia de criar sua própria marca e aproveitou todas as ferramentas da instituição para isso. Lara revela que escolheu a Universidade de Fortaleza justamente porque ofertava um curso completo, com laboratórios bem equipados e toda uma estrutura para auxiliar a entrada no mercado de trabalho, com disciplinas práticas e networking.

“O curso de Design de Moda da Unifor é bem completo, por conta de tudo que oferece nas questões dos laboratórios, todos os materiais e por ser também um curso que você aprende muito na prática”, diz ela, que contou com todo o apoio do corpo docente para conseguir compreender as próprias ideias e transformá-las na sua marca.

“Desde que eu ingressei na Universidade, nos primeiros meses, eu já tinha esse sonho e essa vontade de ter a minha marca própria, que levasse o meu nome, onde eu pudesse assinar as coleções e desenvolver as peças”, compartilha.

Na graduação, foi se identificando cada vez mais com as disciplinas que estimulavam o desenvolvimento de uma marca. Escolheu nome, definiu a persona, fez planejamento financeiro, desenvolveu produtos. “Acho que não posso ter uma marca mais autêntica do que uma que leva o meu nome, que tem eu como persona, onde transmito os meus gostos, a minha forma de vestir e de pensar em relação à moda”, diz.

Foi assim que nasceu a Lara Ildefonso Brand. No TCC, ela desenvolveu uma coleção inspirada no Centro Cultural Dragão do Mar, de Fortaleza. “Falei um pouco sobre arquitetura e moda, que elas conversam bastante juntas”, relembra. 

Para desenvolver as primeiras peças nesse trabalho, buscou modelista, pilotista e costureiras. Contou com a ajuda da avó, que havia costurado a vida inteira, para corrigir os “perrengues” do processo. Tudo foi construído degrau a degrau, até conseguir estabelecer a equipe que tem hoje.

A moda de Lara tem detalhes fashionistas e modernos, mas é também atemporal. Ela aposta em peças assimétricas, algumas também com cortes retos, e uma boa alfaiataria clássica. “O lema da minha marca são peças versáteis e atemporais para a sua vida”, resume a estilista, que gosta de oferecer peças capazes de serem usadas em inúmeras produções.


“Não tem nada mais gratificante do que eu ver uma coleção pronta e, quando fazemos o lançamento, ver que muita gente compra a sua ideia e se encanta pelas suas peças. Sempre passa um filme na sua cabeça, desde o comecinho do planejamento daquela coleção”Lara Ildefonso, egressa do curso de Design de Moda e proprietária da Lara Ildefonso Brand

A egressa tem se dedicado desde sempre à tendência slow fashion, uma moda mais sustentável, com peças versáteis e atemporais que estejam de acordo com uma lógica de consumo mais consciente. "É a moda que eu sempre acreditei, até quando pego lá atrás o meu blog, nas produções que eu já fazia, eu já pegava ali uma peça e montava uma cartela de produção a partir dela”, explica.

Ela acredita que há um número crescente de pessoas preocupadas em consumir de empresas que têm responsabilidade ambiental, apesar da maioria das companhias ainda estar imersa na lógica desenfreada de consumo.

Poder criar em uma grande marca

Aristeu Mesquita cresceu rodeado por máquinas de costura e artesanato. Via a mãe e a avó costurarem e começava a se interessar por aquele universo. Quando a mãe criou uma confecção de roupa feminina, Aristeu, na época com 15 anos, decidiu seguir profissionalmente a carreira da moda.

“Hoje moro em São Paulo e sou estilista. Acho que o que me trouxe até aqui foi a persistência e amor pelo o que eu faço”, conta ele, que atua na marca NX. Aos 26 anos, o egresso é estilista e diretor de marketing.

Ele diz que tem muita liberdade criativa na marca onde trabalha. “Mas claro que tudo é discutido com muita atenção e respeito com a mulher que veste NX. Sempre baseado no lifestyle e nos códigos da marca, que, por sinal, são os meus também”, pontua.

Aristeu está interessado em criar seguindo uma estética minimalista, atemporal e feminina. Para ele, o futuro da moda deverá priorizar quem está mais preocupado com qualidade e história do que com quantidade e tendências passageiras. Ele diz acreditar que o mercado tem pedido novas formas de moda, mais autênticas e com maior preocupação ambiental. “Ainda estamos a passos lentos, mas com certeza se discute muito mais [isso] hoje do que a dez ou 20 anos atrás”, afirma.

Ele está satisfeito em ver um movimento de marcas cearenses ganhando destaque no cenário nacional, como Catarina Mina, Marina Bitu e David Lee. “Isso é importante para trazer visibilidade pro nosso Estado e para tantas outras marcas e designers bacanas”, acredita.


A Unifor me ajudou a chegar até aqui de muitas maneiras, entre elas networking com os professores e colegas, além de ter me dado uma boa base na parte criativa” — Aristeu Mesquita, estilista da NX e egresso de Design de Moda

Um viés prático como diferencial 

“Um dos grandes diferenciais do curso de Design de Moda da Unifor é que ele tem um viés prático muito latente”, resume Priscila Medeiros, coordenadora dos cursos de Moda, Design de Moda e Design da Universidade de Fortaleza. Ela explica que, desde os semestres iniciais, os alunos são estimulados a criar um portfólio profissional e mergulhar em processos de experimentações com o vestuário.

Além disso, o curso possui sete laboratórios específicos da área e um corpo docente com experiência de mercado, recursos importantes para auxiliar os estudantes a criarem e se lançarem no mercado. 

Da Unifor, saem profissionais da moda prontos para atuar nas mais diversas áreas: do marketing à estamparia, fotografia, produção de moda, entre outras. Quem sonha em empreender também conta com o esforço do curso para auxiliá-los na jornada.

Um exemplo disso é a disciplina de Laboratório de Prototipagem 3, onde os alunos são estimulados a criarem uma marca autoral e desenvolverem a primeira coleção para ela com a ajuda da mentoria dos professores. “Muitos já saem da Universidade com todo um projeto de marca em execução”, pontua Priscila.

O incentivo é ouro para estes tempos em que cresce o interesse do público por um consumo mais consciente. “O fast fashion, hoje em dia, é muito pautado dentro dessas críticas da moda sustentável”, diz a coordenadora.


“Temos trabalhado, dentro do curso, a força da moda autoral, tentando estimular os nossos alunos a criarem marcas que tragam essência, que tragam características da autoralidade e, também, que reforcem os nossos aspectos culturais, dando destaque às raízes e às suas origens”
Priscila Medeiros, coordenadora dos cursos de Moda e Design de Moda da Unifor

Priscila destaca que, além de trabalhar com a vertente conceitual e comercial, existe uma preocupação do curso de conscientizar o aluno à forma correta de aplicar o seu conhecimento na moda.

Além da sustentabilidade, outra tendência importante do mundo da moda é a digitalização do setor, com o crescimento do e-commerce e das redes sociais como ferramentas de vendas e marketing. As tecnologias digitais, como a realidade aumentada e a inteligência artificial, também têm sido incorporadas à moda, proporcionando novas experiências de compra e personalização de produtos. A moda genderless, que desafia as normas de gênero e busca a igualdade na moda, também tem sido uma tendência em crescimento

É nesta perspectiva que o curso prepara os novos profissionais para o mercado e para as novas formas de consumo por meio de uma abordagem que valoriza a criatividade, a inovação e a sustentabilidade. “Os alunos são incentivados a desenvolverem coleções autorais, que reflitam sua identidade e que estejam alinhadas com as tendências de mercado e com as demandas dos consumidores contemporâneos”, afirma Priscila. 

Tudo isso em um contexto de mercado pulsante, como é o Ceará. O estado sedia o Dragão Fashion Brasil, que é considerado um dos maiores eventos de moda autoral da América Latina. E vê crescer as feiras de moda autoral. “Isso demonstra o crescimento e a força que a moda autoral tem, trazendo notoriedade para os grandes estilistas, para os grandes nomes que nós temos no mercado local”, pontua a coordenadora. O futuro da moda, aqui, é promissor!