Queimadas no Brasil: um dos maiores desastres ambientais do país e suas consequências

seg, 14 outubro 2024 16:02

Queimadas no Brasil: um dos maiores desastres ambientais do país e suas consequências

Os números dos crime de lesa-natureza cresceram no país, e os dados alarmantes preocupam a população, os órgãos públicos e a comunidade científica


No mês de setembro, as fumaças ocuparam 60% do território brasileiro, segundo o Inpe (Foto: AFP)
No mês de setembro, as fumaças ocuparam 60% do território brasileiro, segundo o Inpe (Foto: AFP)

Céu acinzentado, cheiro de fumaça pelas ruas e problemas respiratórios são algumas situações que têm sido frequentes no Brasil devido ao número crescente de incêndios florestais. Em 2024, as queimadas cresceram 104% em comparação ao mesmo período de 2023, com aproximadamente 78 mil focos.

Os dados são da Agência Brasil, apontando ainda que, durante os sete primeiros meses deste ano, mais de 5 milhões e 700 mil hectares sofreram com queimadas. Essa taxa representa um crescimento de 92% de incêndios em relação a 2023. A situação histórica e alarmante traz questionamentos à população.

A advogada e consultora ambiental Fabíola de Araújo Rocha, docente do curso de Direito da Universidade de Fortaleza — instituição mantida pela Fundação Edson Queiroz —, explica que o Brasil terminou o mês de agosto com o número mais alto de queimadas em quase 15 anos. Ela comenta que alguns motivos vão desde questões sociais e educacionais até naturais.


“Muitas vezes, [as queimadas] são iniciadas por agricultores em pastagens, por situações que precisam ser avaliadas mais a fundo como um incêndio criminoso, juntamente a problemas ambientais e questões de educação ambiental. Então, as causas, consequências e soluções perpassam várias realidades, não somente do meio ambiente”Fabíola Rocha, advogada, consultora ambiental e professora do curso de Direito da Unifor

Membro da Comissão de Hidrogênio Verde da OAB/CE, a jurista salienta que desastres ecológicos como esses afetam as relações nacionais e internacionais do Brasil, principalmente pela forma que o país é gerido. “As queimadas e os desastres ecológicos, que advêm das mesmas ou das inundações, afetam as nossas relações com os demais países”, reflete a professora.

Causas das queimada 

Fabíola pontua que os motivos das queimadas podem ser diversos: uma descarga elétrica, alguém que incendiou de maneira intencional, uma queimada para a limpeza da agricultura, um cigarro descartado na vegetação que gera grande incêndio, um fogo provocado por acampamentos, operações florestais irregulares, entre outros.

Além disso, diversos incêndios hoje têm afetado territórios de populações tradicionais. Para lideranças indígenas e ambientalistas ouvidos pela BBC News Brasil, os dois principais fatores responsáveis pelo aumento na área queimada em terras indígenas são os efeitos das mudanças climáticas e o avanço do agronegócio.

Uma outra situação que colaborou para o desastre de dimensões continentais, de acordo com Fabíola, é o fato dos servidores de órgãos ambientais terem passado por constantes greves e insatisfações profissionais, fragilizando ainda mais os serviços de fiscalização. 

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Fumaça e relações internacionais

Cidades como Manaus e São Paulo registraram o pior ar para respirar no mundo após a nuvem de fumaça das queimadas tomar conta do Brasil. Cobrindo grande parte do território nacional, ela tem se espalhado não só pela América do Sul — onde outros países também têm sofrido com incêndios, como Bolívia, Paraguai e Argentina —, tendo ainda alcançado o continente africano no último mês. 

Esses fatos, de acordo com Fabíola, transmitem uma imagem do Brasil como nação que não cuida da natureza, seja da floresta amazônica, do cerrado e do pantanal mato-grossense ou de seus demais biomas. Ela comenta que as queimadas podem refletir em outras nações, com as quais nosso país tem relações e interesses.

“É uma realidade fática que estamos vendo, sentindo e respirando”, comenta. A docente acredita que o descuido com a natureza descredibiliza o Brasil e a gestão governamental, não somente na esfera internacional, mas principalmente pelas populações locais que enfrentam no cotidiano as consequências desse desastre, como os povos ribeirinhos, quilombolas, indígenas etc. 

O papel do direito ambiental neste cenário é de alertar e fazer com que as ferramentas e os institutos que o governo possui sejam efetivamente atuantes, pois o Brasil possui legislação suficiente para realizar isso”, elucida a pesquisadora.


Imagens de satélite divulgadas em setembro mostram nuvem de fumaça cobrindo grande parte do continente sulamericano (Imagem: NOAA/Nasa)

Como solução aos problemas ambientais e às relações internacionais do Brasil, Fabíola ressalta a necessidade de uma gestão governamental adequada, com aplicação firme e emergente, que seja eficaz para as políticas públicas nacionais de conservação do meio ambiente. 

A professora aponta que um dos meios possíveis de viabilizar as demandas ambientais do país seria a análise interna dos colaboradores de órgãos públicos e privados, assim como mais policiais ambientais em campo e a realização de novos concursos públicos para suprir a demanda de servidores nessa área.

“É uma série de fatores que precisam ser combinados para que o Brasil refaça o seu painel e a sua faceta digna socioambientalmente, a nível nacional e internacional”, salienta.

Emissão recorde de carbono 

As emissões de carbono são subprodutos da queima de combustíveis fósseis, compostos principalmente por materiais gasosos, que na maioria da composição contém carbono. Ao fazer a combustão de determinados materiais, o desenvolvimento que resulta desse processo químico são gases, principalmente CO2, o dióxido de carbono.

Em 2024, o Brasil bateu recorde de emissões de carbono por conta das queimadas, chegando a um volume de 183 milhões de toneladas, de acordo com levantamento do Serviço de Monitoramento Atmosférico Copernicus (Cams). Desse total, um terço (65 milhões de toneladas) foi emitido apenas no mês de setembro.

Paulo Henrique Pereira, professor do curso de Energias Renováveis da Unifor, explica que as emissões de carbono contribuem para a onda de queimadas, mas salienta que não é o único motivo para que as queimadas aconteçam. “Possui diversos outros fatores”, diz ele.


“Um dos fatores está relacionado com o fenômeno das mudanças climáticas, também a intensificação de eventos. Outra razão que contribui é o aumento de gases causadores do efeito estufa, entre eles o carbono, que vem a partir das emissões de carbono. Com isso, existe uma relação, mas não é somente esse fator que está provocando a onda intensa de queimadas no Brasil, pois possui várias origens”Paulo Henrique Pereira, doutor em Engenharia Elétrica e professor do curso de Energias Renováveis da Unifor

O Brasil encerrou o mês de agosto de 2024 com o pior número de queimadas em 14 anos: foram 68.635 ocorrências, um crescimento de 144% em relação ao mesmo período em 2023. Somente em setembro, foram registrados 83.157 focos de incêndio, tornando este o pior mês do ano em número de queimadas até então, de acordo com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE)

Sendo responsável por emissões recorde de carbono em um curto período de tempo, sob o ponto de vista energético, o país pode experimentar um agravamento de escassez de recursos hídricos a partir dessas queimadas, analisa Paulo Henrique Pereira. Do ponto de vista energético, as consequências vêm a médio e longo prazo, impactando na nossa maior fonte da matriz energética, que é a hídrica.

“Uma consequência, com certeza, a partir das ondas de queimadas, pois é uma responsabilidade que nós temos sobre a emissão de gases causadores de efeito estufa. No caso do Brasil, em sua maioria, isso está relacionado com queimadas e a pecuária, sendo um dos elementos que emitem gases causadores de efeito estufa”, destaca o professor.

Direito ambiental para todos

Muitos crimes ambientais, a depender das circunstâncias, são considerados inafiançáveis, como o desmatamento ilegal. Fabíola Rocha conta que “com a exploração do minério na Amazônia, sabemos que aquelas realidades possuem [a atuação de] muitas facções criminosas, que precisam ser tratadas com rigor e rigidez pelo poder público para que sejam realmente descobertas e punidas”.

O Brasil possui diversos regulamentos que dão suporte ao combate a crimes contra a natureza, incluindo a legislação ambiental, a Política Nacional do Meio Ambiente, a lei dos recursos hídricos, dentre outras. A professora conta que temos muitas legislações, mas elas precisam ser efetivadas.

“A Lei 9605, de 1998, já dispõe sobre [crimes ambientais]. Nós temos um arcabouço enorme de legislações sobre a responsabilidade das pessoas jurídicas, que não excluem a responsabilidade das pessoas físicas, sejam autoras, coautoras ou partícipes do fato. O caso de ressarcimento e de aplicação da pena da autoridade competente deve observar cada ponto: a gravidade do fato, da infração e as consequências para a saúde pública”, alerta.


Fogo próximo a fazenda na região da rodovia Transamazônica em Lábrea, no Amazonas (Foto: Bruno Kelly/Reuters)

O artigo 225 da Constituição Federal expressa que todos têm direito ao meio ambiente, como um bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida. Por isso, Fabíola afirma que o direito ambiental é vasto e pretende colaborar para a punição dos responsáveis. Bem como, impondo-se ao poder público e à coletividade, o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

“Essas dimensões têm gerado nas crianças e nas novas gerações medo e sensação de impotência. De que o mundo vai acabar, e que tudo vai pegar fogo. São realidades concretas, mas a maneira que os políticos, os professores, os acadêmicos e que nós lidamos precisa ser modulada para [os jovens]”, finaliza.