seg, 2 janeiro 2023 18:49
Sem limites pra estudar
Alunos da terceira idade buscam curso superior para se sentirem produtivos e retomarem sonhos antigos. Acolhidos pela Unifor nas mais diversas graduações, encontram também melhorias na saúde física e mental
Sempre é tempo de aprender, todos hão de concordar. Num mundo em que estamos envelhecendo mais e melhor, por que não voltar à universidade em plena terceira idade? Cada vez mais, idosos brasileiros buscam um novo curso superior para se sentirem produtivos, retomarem sonhos antigos e seguirem ativos na roda da vida.
Na Universidade de Fortaleza, instituição vinculada à Fundação Edson Queiroz, eles são acolhidos nas mais diversas graduações e, enquanto realizam seus sonhos ou recalculam a rota profissional, acabam encontrando também uma série de melhorias na saúde física e mental.
Sabem que educação não é tão simples nem linear e estão dispostos a fazer todas as perguntas possíveis e aprender — seja para mudar de carreira, retornar atualizado para o mercado de trabalho ou simplesmente para aplicar os conhecimentos na vida pessoal.
De professora aposentada a futura designer
“Nunca me senti velha”, diz Marivan Ferraro Bezerra, uma mulher de cabelos vermelhos muito bem arrumada que, aos 73 anos, decidiu retornar à universidade para uma graduação em Design na Unifor. A decisão, no entanto, veio meio por acaso.
Quando Marivan se aposentou como professora da rede pública de ensino, decidiu que faria tudo o que as décadas de magistério não permitiram. Acordaria tarde, faria cursos de música, de pintura e tudo mais que tivesse vontade.
Era 2009 e, com o passar dos anos, foi se cansando da nova rotina. Mas o sentimento de liberdade perdurava. Decidiu então viajar à França de férias em 2022. “Foi a minha primeira viagem sem o marido. Fui a Paris e voltei renovada, querendo estudar”, conta.
Na volta, acompanhando uma amiga até a Unifor, conversou com alguns funcionários na Universidade e viu que ali poderia estar um caminho para realizar um sonho antigo: trabalhar com paisagismo ou decoração de interiores.
Marivan Ferraro Bezerra se prepara para iniciar o curso de Design (Foto: Ares Soares)
Pensou em ingressar como graduada no curso de Arquitetura e Urbanismo, mas o edital já havia vencido, então decidiu fazer vestibular para Design. Guardou segredo de quase toda a família, exceto do filho – a quem pediu ajuda para fazer um pix e pagar a inscrição.
Os familiares vibraram em meio à surpresa quando souberam que ela iria cursar mesmo uma nova graduação neste momento da vida. “Voa, mãe. Quisera eu ter força para fazer outra graduação depois dos 70”, ouviu da filha.
Houve também quem perguntasse se não era loucura retornar ao ensino superior, mas a resposta vem na ponta da língua: “Estou recobrando o juízo, por isso decidi estudar”. Marivan diz esperar descobrir ao longo do curso o que fazer exatamente com ele. “Se tiver como trabalhar e fazer uma renda extra, ótimo. Se não, vai me ajudar nos projetos que tenho em casa”, acrescenta, citando uma ideia de design com garrafas PET que pretende fazer.
Marivan vai iniciar a graduação no primeiro semestre de 2023 e já tem aproveitado uma série de palestras e eventos da Unifor sobre seu novo curso. Como não é mulher de desistir fácil, não lhe preocupa o fato de não dominar bem a computação para usar os programas que o curso certamente exigirá. “A Unifor vai me ensinar a usar”, diz.
Ela se sente prestes a voltar aos 28 anos, quando fez a primeira faculdade de Letras. Tampouco está preocupada pela convivência que virá com colegas bem mais jovens. “Nunca me preocupei com idade e, como professora, sempre convivi com jovens. Se envelheci, nem sei”, ela ri.
A melhor idade chega cada vez mais ao campus universitário
Segundo Censo da Educação Superior, houve aumento de 50% das matrículas de idosos em cursos superiores entre 2015 e 2019 (Foto: Getty Images)
O sentimento de Marivan não é à toa. No Brasil e no mundo, estamos envelhecendo mais e melhor. A Organização das Nações Unidas (ONU) estima que, até 2050, 25% da população global será de idosos. O avanço da medicina e da qualidade de vida vão impondo novas necessidades e desafios a esta fatia da população, cada vez mais ativa e preocupada com a sua saúde física e intelectual.
É neste contexto que vemos pessoas com mais de 60 anos buscarem cada vez mais os campi universitários, inclusive no Brasil. A última edição do Mapa do Ensino Superior, lançada em 2021, aponta que o país tem 198 mil idosos matriculados em cursos superiores.
Mas vamos às comparações para entender o crescimento. Entre 2015 e 2019, houve aumento de 50% das matrículas de idosos em cursos superiores, conforme dados do Censo da Educação Superior. Já o aumento de matrículas de alunos com 59 anos ou menos cresceu 7% no mesmo período.
Benefícios vão do estímulo intelectual e físico à socialização
Tudo isso é reflexo de uma nova maneira de envelhecer, que vem gerando desafios para manter essas pessoas ativas socialmente, laborativamente e fisicamente, explica Alexandre Bastos Lima, especialista em psiquiatria geriátrica pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) e preceptor do internato médico pela Unifor.
Ele lembra que, antes, havia uma ideia de vida, que era: nasce, estuda, arranja um bom trabalho, ganha um dinheiro e guarda um pouco e depois se aposenta. A aposentadoria vinha como um final glorificado, no qual o idoso podia fazer o que quisesse.
“Ao mesmo tempo, perdia a relevância social e se desconectava com as pessoas. O grande desafio que a gente tem agora é o desafio de manutenção ativa, de você não ter essa grande quebra mesmo com aposentadoria formal, que aparece como uma forma de mudança para um novo tipo de atividade”, afirma o médico.
Inatividade, para o ser humano, significa uma espécie de início de processo de morte que o idoso destes tempos não deve abraçar. “O idoso de hoje não se vê mais como esta pessoa que já está fora do que está acontecendo na sociedade. É uma pessoa que quer fazer parte da sua comunidade, de um emprego ou um grupo social onde ele se sinta relevante”, diz Alexandre.
Embora haja especificidades biológicas do envelhecimento, é preciso criar ambientes de estudo e trabalho onde o idoso possa prosperar e manter-se ativo. Hoje, pessoas chegam à terceira idade com muito pique e dispostas a buscarem seu primeiro diploma ou uma nova graduação.
“Temos em mente essa figura de uma pessoa jovem destemida que está ali lidando com startup e que vai mudar o mundo. Mas se a gente for pensar no conhecimento que o idoso acumulou ao longo do tempo, ele também é capaz de trazer mudanças significativas para o mundo. Então devemos criar situações e aparelhos que possam favorecer isso” – Alexandre Bastos Lima, psiquiatra geriátrico e preceptor do internato médico pela Unifor
Nesta perspectiva, realizar uma nova graduação pode trazer uma série de benefícios na terceira idade. Você pode estar envolvido com atividade física pelo campus. Ficará socialmente imerso porque lidará com pessoas de diversas idades. Também estará laborativamente incluído diante de novas oportunidades de trabalho.
O idoso presente na Universidade é uma via de mão dupla. “Há um benefício muito grande para uma pessoa idosa abrir um novo ciclo, mas a gente não pode esquecer que é um benefício enorme para a instituição e para os demais alunos contarem com a experiência de quem já tem uma vida de serviços prestados”, enumera Alexandre.
Concluir a terceira graduação aos 74 anos
“Eu me sinto capaz de fazer qualquer curso”, diz o professor universitário aposentado José de Anchieta Delgado. Aos 74 anos, ele acaba de concluir seu terceiro curso superior. Isso porque, depois que se aposentou como docente do curso de Matemática na Universidade Federal do Ceará (UFC), decidiu cursar Engenharia Civil na Unifor. Como experimentou o mercado de trabalho e sentiu necessidade de ampliar a formação na área de projetos, resolveu abraçar ainda uma terceira graduação. No fim de 2022, concluiu Arquitetura e Urbanismo.
“Fui treinado para estudar”, ele diz. Natural do Rio Grande do Norte, Anchieta é filho de um agricultor tão inteligente que já aplicava, há décadas, algumas técnicas de manejo da terra defendidas por ambientalistas. Saiu cedo da casa dos pais para estudar.
Tinha dez anos quando viajou à Caió, cidade vizinha, para buscar os estudos. Depois, concluiu o segundo grau em Natal. Fez vestibular e passou para Engenharia e Matemática. Optou pelo segundo porque achou que seria mais rápido de concluir e estava em acordo com sua situação financeira na época. Anchieta ainda viajou ao Rio de Janeiro para fazer mestrado e doutorado, o que lhe ajudou depois a tornar-se professor universitário.
Lidou a vida inteira com jovens e, quando se aposentou, resolveu seguir em contato com eles, mas desta vez do outro lado, como colega de classe. Retomou um desejo antigo e foi estudar Engenharia Civil e depois Arquitetura, ambas na Unifor.
O professor experiente sentiu na pele as mudanças do ensino. Viu a biblioteca física não ser mais a principal fonte de busca de conhecimento. Com habilidade no uso das tecnologias, Anchieta viu a comunicação e a facilidade de acesso à informação turbinar os estudos e o conhecimento. Nada o intimidou nesta jornada.
“Não me sinto velho. Sei que a idade traz algumas deficiências, mas me sinto uma pessoa nova e não paro de buscar conhecimento” – José de Anchieta Delgado, egresso dos cursos de Engenharia Civil e Arquitetura e Urbanismo da Unifor
Anchieta não pretende parar na terceira graduação. Diz que o plano agora é trabalhar como engenheiro e concluir outras duas pós-graduações, que iniciou mas não entregou o trabalho de conclusão. “O professor nunca para de estudar”, garante.
Apoio tecnológico e mentoria para bons resultados
Há uma parcela de pessoas na terceira idade que quer seguir no mercado de trabalho e continuar dando suas contribuições à sociedade. A aposentadoria, muitas vezes, vem como uma chance para recalcular a trajetória profissional e até investir em outros negócios. Mudar a rota.
Estudar outra graduação ou pós-graduação surge como uma forma de refazer laços e retomar sonhos. E neste caminho, a Unifor abre suas portas e acolhe este novo perfil de estudantes que vem ganhando espaço no campus.
São pessoas que vêm com desejo de estudar, de fazer parte, mas que às vezes enfrentam alguns receios. É o que explica Gleiva Rios, que atua também no Programa de Apoio ao Estudante (PAE) do Centro de Ciências da Comunicação e Gestão (CCG). “Vou saber usar as ferramentas tecnológicas?”, “Vou conseguir me adaptar?”, “Como será a convivência com os colegas mais jovens?” são questionamentos comuns.
Diante disso, Gleiva pontua que o PAE auxilia também na organização acadêmica destes alunos para que possam otimizar o tempo e aprender o que necessitam da melhor forma. “Outro ponto que a gente também tem trabalhado é a questão da usabilidade do ambiente virtual de aprendizagem aqui da Universidade”, acrescenta. Além disso, no Programa, o estudante conta com escuta e apoio para participar das atividades extraclasse que o campus oferece, como atividades físicas e de extensão.
“A gente trabalha com acolhimento, com a mentoria. Organizamos um momento de acompanhamento desse aluno, ajudamos na gestão do tempo e verificamos os componentes curriculares que ele está participando para, a partir daí, montar uma rotina de estudo para que ele possa ter êxito nos resultados. Também damos suporte com o uso da tecnologia e os serviços que a Universidade oferece” – Gleiva Rios, professora do Programa de Apoio ao Estudante (PAE) do CCG
Os benefícios da maturidade desembarcam na graduação
Lúcia Rodrigues, de 57 anos, está cursando Psicologia na Unifor enquanto segue a jornada rumo à terceira idade. “Ser psicóloga é um sonho a ser concretizado e este momento tornou-se ideal. A maturidade me leva a viver com maior qualidade os momentos que se apresentam. Nas relações interpessoais, encontro uma oportunidade de evoluir como ser humano”, conta.
Natural do interior, Lúcia tem uma filha e dois netos. Está aposentada desde 2020 como bancária. Na Universidade, ela diz que as dificuldades que enfrenta são semelhantes às da maioria dos alunos: conciliar horários com outras responsabilidades, assimilar o vasto conteúdo e entregar as atividades propostas pelos professores. “No entanto, como interajo com facilidade, encontrei maneiras de administrá-las”, pontua.
Lúcia compartilha que até sente reflexos do etarismo em alguns colegas, mas destaca que se sente acolhida pela maioria com alegria e naturalidade. O objetivo dela com a graduação é, de fato, voltar ao mercado de trabalho.
“Através da psicoterapia iniciei um processo pessoal que mudou a minha vida. Acredito que como psicóloga poderei ser um instrumento facilitador de transformação para outras pessoas. A minha idade será apenas um marcador” – Lúcia Rodrigues, graduanda de Psicologia
Transformações comportamentais
O envelhecimento populacional promove transformações comportamentais e institucionais, desafiando os indivíduos a conviverem coletivamente em um mundo mais disruptivo, criativo e inovador. Os idosos ativos precisam lidar, por exemplo, com a modernização dos postos de trabalho e o aumento da demanda por capacidades intelectuais e a necessidade de adaptação tecnológica.
Esse cenário pode ser desafiador, esclarece Hercilia Correia Cordeiro, administradora, psicóloga, professora e pesquisadora da Universidade de Fortaleza. Segundo ela, alguns teóricos argumentam que a extensão da vida laboral – em um processo conhecido como “silver dividend” – também possui a tendência de amenizar os impactos das mudanças populacionais, potencializando o crescimento econômico e a sustentabilidade dos programas públicos de aposentadoria.
Hercília diz que, antes de tudo, é preciso compreender que o idoso é um sujeito plural, portador de razão, sensibilidade, emoções, expectativas, fantasias, desejos, habilidades para resolver problemas e que, dentro da universidade, vão usufruir de espaços de apoio.
“A dica que dou é sobre ter na sua rotina um bom diálogo com seus pares, professores e gestores para que cada desafio seja trabalhado e desenvolvido para uma aprendizagem dinâmica, reflexiva e contemporânea”, afirma.
“A Unifor atende às novas demandas criadas pelo novo grupo social – o idoso – e trabalha, através da Assessoria Pedagógica, no desenvolvimento de docentes para atender as demandas sócio emocionais que possam surgir no dia a dia da sala de aula. Trabalhamos também para que mitos sejam rompidos e corroboramos com a afirmação de que é possível a educação ao longo de toda a vida” – Hercilia Correia Cordeiro, administradora, psicóloga, professora e pesquisadora da Unifor