sex, 23 abril 2021 17:42
Vício em celular? Dependência dos smartphones vai muito além das redes sociais
Especialistas explicam como o uso excessivo dos aparelhos interfere na qualidade de vida dos usuários
O advento da tecnologia possibilitou o surgimento e a modernização de diversos dispositivos utilizados no cotidiano por milhares de pessoas ao redor do globo. Um desses aparelhos é o celular, atualmente mais conhecido como smartphone, ou "telefone inteligente", em tradução livre, visto que hoje esses dispositivos possuem várias funcionalidades.
Os celulares evoluíram de aparelhos cuja função principal era fazer e receber ligações (e ocasionalmente mandar mensagens), para dispositivos multifuncionais com designs modernos e inovadores. Esses pequenos apetrechos dominaram o mundo de uma forma extraordinária, e já se tornaram, praticamente, uma extensão do corpo humano.
Claro, ainda existem pessoas que conseguem ficar desligadas do mundo digital, mas, para a maioria da população mundial, o cenário é outro. De acordo com dados recentes da Global Web Index (GWI), empresa de segmentação de público, o usuário global típico da internet passa três horas e 39 minutos por dia utilizando a web em seu aparelho celular.
Dois lados da moeda - ou melhor, da tela
Atualmente, os smartphones auxiliam os indivíduos em diversas áreas da vida cotidiana. "As facilidades e comodidades são muitas: com poucos toques podemos realizar uma transação bancária, responder um e-mail do trabalho, ou falar com familiares e amigos", pontua Aline Matos, professora do curso de Ciência da Computação e Análise e Desenvolvimento de Sistemas da Universidade de Fortaleza, da Fundação Edson Queiroz.
Além de auxiliar e facilitar a resolução de atividades do dia a dia, o smartphone já virou um instrumento necessário para muitas áreas e profissões, especialmente áreas da comunicação, como Jornalismo e Publicidade, além de ser indispensável para indivíduos que trabalham com produção de conteúdo para as mídias sociais, como modelos e influencers.
Aline Matos, professora do curso de Ciência da Computação da Unifor (Foto: Arquivo pessoal)
Mas, ainda que o dispositivo tenha adquirido essa certa importância para a vida em sociedade, seu uso desenfreado pode causar consequências e, em muitos casos, o usuário pode se tornar refém do aparelho, desenvolvendo assim, uma dependência. Essa utilização excessiva parece ter virado algo "natural", e já ganhou até uma denominação: "nomofobia"
"A nomofobia, como é conhecido o medo irracional de ficar sem o aparelho de telefone celular e suas conexões, é uma condição que tem deixado em alerta pesquisadores e estudiosos do comportamento diante das tecnologias de informação e comunicação", expõe Matos. A professora, graduada em Ciências Sociais, explica que perceber essa dependência não é tão simples assim, principalmente porque o ser humano tende a naturalizar o uso desses aparelhos.
"Porém, ao desnaturalizar isso, podemos notar formas de uso extremas e prejudiciais. Uma sugestão seria observar se o tempo diante da tela tem causado prejuízo em outras atividades, como estudos, trabalho e interações sociais físicas. Outro ponto a se observar é se existe preocupação intensa com falta de bateria ou esquecimento do aparelho", sugere a cientista social.
Ainda que exista uma denominação específica, a psicóloga clínica Louise Macedo Bezerra, egressa da Unifor, aponta que essa dependência, no Brasil, ainda não é caracterizada como um vício. "Não existe um um diagnóstico DSM (sigla em inglês para Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders, ou Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais) oficializando a dependência de smartphone enquanto um vício. Em alguns países, a gente consegue ver oficializado o diagnóstico, mas no Brasil ainda não", afirma.
Redes sociais
E as redes sociais? Elas têm o poder de potencializar essa dependência que parece acometer muitas pessoas atualmente? Ou elas apenas servem como "porta de entrada" para que os indivíduos adquiram smartphones em primeiro lugar?. Instagram, Facebook e Twitter são apenas alguns exemplos das redes sociais mais utilizadas atualmente e que continuam a ganhar cada vez mais usuários.
Para Bezerra, as redes sociais não são necessariamente um fator que faz o indivíduo usar mais o celular ou não, mas a psicóloga afirma que o uso desses aplicativos tem uma certa complicação para o ser humano, com um impacto negativo e positivo no cérebro. "Uma vez que eu entro nas redes sociais e eu me sinto como parte de um todo, tem um efeito muito positivo. Mas, ao mesmo tempo que eu me sinto como parte desse todo, e sou excluída desse todo, tem um impacto muito negativo. E isso é muito aleatório", explica.
Louise Macedo Bezerra, psicóloga clínica formada pela unifor (Foto: Arquivo pessoal)
Já de acordo com Matos, as redes sociais não são as únicas aplicações que possuem um peso no desenvolvimento da dependência de smartphones. Para a professora, os jogos eletrônicos e os aplicativos móveis também podem representar aumento significativo na demanda por atenção e aumento no tempo de tela. "O uso combinado ou isolado desses recursos contribuem para potencializar a dependência", afirma.
Em um estudo realizado pela Hootsuite, sistema norte-americano especializado em gestão de marcas na mídia social, em parceria com a We Are Social, agência global de marketing digital, dados de 2021 revelam que o Brasil ocupa o terceiro lugar na escala de países que mais consomem as mídias sociais, gastando um total de três horas e 42 minutos por dia, ficando atrás apenas das Filipinas e da Colômbia.
Revertendo a situação
Para quem já está acostumado a utilizar o celular com muita frequência, pode não perceber o uso excessivo, seja ele pessoal ou de outros ao seu redor, e ainda que pareça muito difícil diminuir o tempo de tela durante o dia, não é impossível. Além de trazer inúmeros benefícios para a saúde, deixar o celular um pouco de lado pode te ajudar a entender o que tem por trás dessa dependência.
Em sua pesquisa desenvolvida na Pós-Graduação em Psicologia na Universidade de Fortaleza e com título "Experiência vivida na ‘dependência’ de smartphone", Bezerra explica que, ao estudar as pessoas que fizeram parte de sua pesquisa, a dependência do celular é uma resposta do indivíduo ao ambiente que ele está vivendo, sendo esse o mecanismo de lidar com a realidade. "Então, se a gente entende o uso do smartphone como uma forma de lidar com a realidade, a gente pode desenvolver outras formas de lidar com ela", afirma a egressa.
Para quem percebe sinais dessa dependência, ou deseja evitar seu desenvolvimento, a professora Aline Matos aconselha: "Se perceber que há algo de errado ou que outras pessoas já chamaram sua atenção para esse problema, uma sugestão seria diversificar recursos quanto ao consumo de informação ou participação em redes sociais digitais, que podem ser realizados utilizando desktops ou notebooks".
Para a cientista social, dividir e utilizar os recursos dessa forma pode levar a um maior controle no acesso a essas redes de contato, o que limitaria a conexão aos dispositivos que não sejam o smartphone. Matos também afirma que retomar hábitos de leitura e estudo fora do ambiente virtual "pode contribuir para "aliviar" a tensão diante das telas e melhorar a concentração e a atenção, tornando dispositivos móveis mais uma ferramenta, não sendo utilizada de forma a concentrar tarefas e atividades", pontua.
O futuro dos smartphones
Ao serem questionadas sobre o futuro desse cenário, as duas profissionais trazem perspectivas diferentes, mas compatíveis, para o debate. Louise Macedo Bezerra aponta que algumas pesquisas falam sobre o desaparecimento do smartphone, visto que ele ocupa muito espaço na mão da pessoa, representando assim, uma limitação. "E a internet e a inteligência das coisas vão estar cada vez mais espalhadas por aí, não necessariamente no aparelho que a gente vai precisar segurar", diz a psicóloga.
Para a professora Aline Matos, apontar um caminho definitivo em relação a comportamentos e hábitos sociais é difícil. "O prognóstico é que esses recursos estejam cada vez mais integrados, e venham a aumentar os riscos de dependência. Porém, traçar medidas e caminhos que os minimizem ou que permitam uso consciente e crítico do impacto do consumo de tecnologias móveis é necessário para que o cenário não traga mais danos e efeitos negativos às relações sociais, pessoais e profissionais", pontua.