null Entrevista Nota 10: professor Vasco Furtado aborda pesquisas inovadoras a serviço da sociedade

Seg, 23 Julho 2018 11:27

Entrevista Nota 10: professor Vasco Furtado aborda pesquisas inovadoras a serviço da sociedade

Vasco Furtado, diretor de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação da Unifor (Foto: Ares Soares)
Vasco Furtado, diretor de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação da Unifor (Foto: Ares Soares)

Texto: Ethel de Paula

A Inteligência Artificial é pop. E isso é motivo de realização para o professor Vasco Furtado, diretor de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação da Unifor. É que quando decidiu graduar-se em Computação na Universidade Federal do Ceará (UFC), para depois emendar com Mestrado, Doutorado e Pós-Doutorado, indo do Brasil para Marselha, na França, e depois Califórnia, no Vale do Silício, esse visionário e tecnológico modo de pensar o presente e o futuro mais parecia ficção científica. Algo muito distante do cotidiano ainda analógico que, no Brasil, nem bem começava a ser high tech.

Além de dirigir a DPDI, o professor Vasco é responsável pelo Parque Tecnológico (TEC-Unifor), respondendo por laboratórios de última geração e pesquisas de ponta realizadas em parceria com professores, alunos, gestores e clientes. 

“Entrei na Unifor como professor especialista ainda jovem, para dar aulas. Um belo dia fiz uma apresentação com colegas para o dr. Airton Queiroz, sobre algumas pesquisas que a gente desenvolvia. Ele ouviu atento e, no final, perguntou, com aquele seu jeito direto e peculiar: ‘Onde é que se estuda isso aí que vocês estão fazendo que preste no mundo?’. E a gente falou algo como Europa, Estados Unidos, enfim... Então ele disse: ‘Pois vão estudar isso aí aonde presta no mundo!’”. Quando fiz o pedido para sair da Unifor, para fazer o Mestrado, não só tive permissão como incentivo imediato: a Unifor me deu bolsa para o Mestrado, Doutorado e Pós-Doutorado... Por isso, quando o próprio dr. Airton, anos depois, me convidou para ser diretor de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação da Unifor, relatei aquela história e disse que jamais poderia negar tal convite”.

Professor, a vida high tech governada pela Inteligência Artificial passa fundamentalmente pelos espaços de conhecimento e pesquisa. Como você e seus pares vêm experimentando na prática o que sai do Parque Tecnológico da Unifor?

VASCO FURTADO: Primeiro é preciso dizer que tenho uma carreira de gestor público paralela à carreira acadêmica. Fui gestor do Serviço de Processamento do Ceará (Seproce). Fui diretor de Tecnologia da Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS) por oito anos e lá pude fundar a Coordenadoria Integrada de Operações de Segurança (Ciops) no segundo governo Tasso Jereissati, levando tecnologia à polícia. Depois trabalhei com inovação na Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico (Funcap) e também fui vice-presidente e presidente da Fundação de Ciência, Tecnologia e Inovação da Prefeitura Municipal de Fortaleza, na gestão de Roberto Cláudio. Portanto, meu interesse em Inteligência Artificial e minhas pesquisas sempre foram muito práticas. Fiz projetos com aplicação de IA em muitas áreas, como cidades, segurança pública, desenvolvimento econômico com aspectos sociais... E hoje sou inclusive membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Nessa área, posso destacar um projeto realizado que é o Wikicrimes. Há dez anos, eu quis tocar em um tema que ainda hoje é relevante para a sociedade brasileira: a pouca transparência nos dados públicos relacionados à segurança. Na época, a gente criou um mapa colaborativo onde as pessoas podem reportar crimes dos quais foram vítimas ou sobre os quais têm conhecimento. Com isso, demos visibilidade a dados muitas vezes encobertos, o que significa, por outro lado, tocar no calo de muita gente. Percebi a problemática quando estava lá dentro da Secretaria de Segurança Pública, porque naquele início não existiam estatísticas criminais, nada. Tudo foi se construindo no âmbito do Ciops, ao longo de 20 anos. O recado era: não bastava mais ter dados, eles precisavam ser públicos. Então, a gente brigou com muita polícia pelo Brasil, porque continua sendo um tabu, essa transparência. E foi um projeto bacana do ponto de vista social e acadêmico, já que também havia, em paralelo, o desafio de dar credibilidade às informações colocadas no site. Para isso, usamos Inteligência Artificial para computar e aferir a reputação das pessoas que relatavam, já que havia relatos falsos. Isso veio à tona numa época em que o Wikipedia tinha acabado de ser lançado, então o mapa de crimes colaborativo foi um sucesso, porque fomos pioneiros no mundo e isso gerou muita mídia. Tivemos repercussão até na BBC de Londres, gerando debates de toda ordem e em diferentes contextos.

A mobilidade urbana é outro desafio enfrentado nas grandes metrópoles que dependem de soluções inovadoras. O que vem sendo pensado sobre isso na Unifor? 

VASCO FURTADO: Temos um projeto de mobilidade urbana desenvolvido junto à Prefeitura de Fortaleza que ganhou inclusive um prêmio do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), como a melhor inciativa de uso da tecnologia para mobilidade urbana na América Latina, em 2016. Foi uma parceria entre a Unifor, a Universidade do Arizona, nos Estados Unidos, e a PMF. Usando o conceito de Big Data, que se traduz como grande volume de dados, criamos o GPS dos ônibus, com vários softwares de Inteligência Artificial, onde é possível computar os trajetos que fazem, o horário em que passaram em cada parada, quantas pessoas subiram e passaram pela catraca usando o cartão eletrônico... enfim, é um volume imenso de dados que permite fazer análises diversas, como identificar gargalos e estrangulamentos, fornecer informações sobre onde se deve abrir uma linha exclusiva de ônibus ou onde se deve criar um miniterminal.  Eis a questão: o projeto é feito com o cliente, já que quem conhece o problema é ele. A academia tem o conhecimento que pode aportar para que problemas sejam resolvidos de forma inovadora. E esse é o papel da Diretoria. Que é também mostrar para a sociedade a importância da pesquisa, da geração de conhecimento. Sua vida ficou diferente por conta de uma tecnologia que foi pesquisada e produzida pela academia.

E o que está prestes a sair da cartola, em termos de inovação que, em um futuro próximo, dará uma guinada em nossas vidas? 

VASCO FURTADO: Acho que três áreas são portadoras de futuro na Unifor: a primeira é Cidades. Porque 60% da população mundial vive em cidades. A Unifor tem um Mestrado em Ciências das Cidades e pesquisadores que atuam em diversas facetas. Assim, cresce a participação da academia nos problemas das cidades, não só de Fortaleza. Estratégias estão sendo gestadas na área de Saúde, por exemplo, para controle de medicamentos fornecidos pelo SUS, evitando perdas e roubos. Outra área é a internet das coisas. Ou seja, coisas que passam a estar conectadas à internet. Por exemplo, o Gelágua, da Esmaltec, vai ser uma coisa conectada à internet, vai ser inteligente. Você vai poder programar o Gelágua pelo celular. Se vai viajar durante uma semana, desliga o Gelágua pelo telefone para economizar energia. Então, as coisas estarão cada vez mais conectadas à internet, como a televisão, a geladeira, tudo. Tem ainda muita inovação na área de saúde. Porque você tem todo um conjunto de sensores que cada vez mais vão permitir acompanhar sua saúde, como já existe, por exemplo, os relógios medem temperatura, pressão, batimentos cardíacos. Quando eu tenho internet das coisas significa que cada vez mais eu vou ter dados à disposição. Mas o que fazer com esses dados? É quando entra a Inteligência Artificial a serviço da prevenção em saúde, prevendo que você deve fazer mais exercícios físicos ou controlar a pressão. Sensores para apoiar e cuidar da sua saúde serão usados preventivamente. 

A Unifor tem cursos nas áreas da Saúde Pública, Ciências Médicas, Biotecnologia, um núcleo de biologia experimental usando, por exemplo, nanotecnologia para a produção de fármacos. O processo mais midiático dessa linha, aliás, é o da cabra transgênica. A grosso modo, a partir de uma cabra transgênica se produz o fármaco, ou seja, o leite daquela cabra pode ter substâncias que viram remédios. Daí você conta com um processo de fabricação de remédios muito mais natural e barato do que o processo de sintetização em voga hoje. São pesquisas demoradas, porque envolvem testes clínicos e normatizações, mas já estamos bem avançados, trabalhando com parceiros em todo o Brasil e com investimento crescente por parte da Unifor. O sensoriamento de carros com o uso das tecnologias de informação também só aumenta, a ponto de os carros virem a ser autônomos em breve, não precisando mais nem de motoristas. E este ano mesmo a gente vai participar aqui na Unifor de uma competição de carros de corrida elétricos, que é um dos projetos que a gente desenvolve junto à Enel, que, daqui pra frente, não quer só produzir energia para as casas ou objetos, até porque devemos contar com as energias alternativas - solar, eólica. O elétrico deve entrar no cenário para tirar o mercado de combustão. 

O Índice Global de Inovação 2018 revela que o Brasil está longe de ser uma potência inovadora, apesar de ter subido em posição, ocupando hoje o 64º lugar entre 126 economias avaliadas. Que tipo de investimento em pesquisa e desenvolvimento o Brasil prioritariamente precisa, afinal? 

VASCO FURTADO: De uma forma geral, a inovação depende basicamente de gente qualificada, para além de infraestrutura e outros aspectos envolvidos. O Brasil ainda investe muito pouco em pesquisa e recursos humanos. Sobretudo no âmbito governamental, deveria ter muito mais investimento em pesquisa científica. Por outro lado, no meio empresarial, embora isso tenha melhorado, ainda não se compreende muito bem o quanto o conhecimento científico pode ser importante para que o negócio seja potencializado. As condições para que a aproximação entre a academia e o meio empresarial se dê ainda não são muito favoráveis. Há ainda, no meio empresarial, aqueles que acham que inovação significa somente a compra de uma tecnologia, a aquisição de uma nova máquina, o que não deixa de ser algo importante. Mas é preciso perceber a necessidade de um diferencial em relação aos competidores. Isso ele não consegue comprar, vai ter que criar. E para criar vai ter que ser junto a alguém que detenha conhecimento. Essa cultura ainda está por se consolidar no Brasil. Os negócios vão depender cada vez mais de conhecimento científico, de tecnologias e informações que estão em fronteiras. Antes, as coisas eram muito separadas, a economia podia funcionar distante daqueles caras pensando as inovações que somente daqui a cem anos chegavam à sociedade. E esse conhecimento está na academia. Portanto, essa aproximação é mais do que necessária. E no Brasil, para além de investimento, precisamos de massa crítica, o que leva o problema lá para a escola. Precisamos de gente escolarizada, vencer esse deficit na educação para que as pessoas cheguem à academia para desenvolver pesquisas. Inovação é fruto de uma coisa que se chama educação, da básica à superior. Como pensar em um plano de inovação continuado se não temos um plano de educação abrangente?