seg, 8 abril 2024 16:43
Pesquisa Unifor: Estudo analisa saúde das mulheres com complicações sérias em gravidez e pós-parto
O artigo é fundamental para identificar lacunas no sistema de saúde e desenvolver estratégias para melhorar a qualidade dos cuidados maternos
Ter acompanhamento médico ao longo da gravidez e no período pós-parto é uma medida crucial na prevenção e detecção precoce de condições médicas que podem se tornar graves. Principalmente nesses casos, o acesso a informações e orientações específicas faz toda diferença à gestante, que vem a entender melhor os cuidados necessários para garantir a própria saúde e a do bebê.
Por isso, a médica especialista em ginecologia e obstetrícia Aline Veras — diretora do Núcleo de Atendimento Médico Integrado (NAMI) e docente de graduação e pós-graduação da Universidade de Fortaleza, instituição da Fundação Edson Queiroz — elaborou o artigo “Between the search for assistance and its realization: the peregrination of pregnant and postpartum women with Maternal Near Miss”.
O estudo (“Entre a busca por assistência e sua efetivação: peregrinação de gestantes e puérperas com quadro de Near Miss Materno”, em tradução livre), busca identificar padrões na jornada de mulheres no período pós-parto e gestantes que desenvolveram complicações graves, desde sua chegada ao primeiro serviço de assistência até sua admissão em uma maternidade de nível terciário.
Tal situação é conhecida na medicina como Near Miss Materno (NMM), quando há complicações graves durante a gravidez, parto ou pós-parto que quase resultam na morte da mãe, mas são evitadas por intervenção médica.
“O foco em particular desse artigo foi a peregrinação. Nesse sentido, os atrasos catalogados foram a demora no diagnóstico na instituição de origem, demora no início do tratamento na instituição de origem e dificuldades em referenciar o caso e/ou com a regulação. A etapa quantitativa mostrou que todos esses atrasos aumentam o risco de Near Miss Materno. Mas nossa pesquisa buscou ainda ir mais a fundo e compreender o que está associado a cada um desses atrasos” — Aline Veras, autora do artigo, professora da Unifor e diretora do NAMI
Além de Aline, também participaram do artigo: Monalisa Colares e Ottorino Bonvini, doutorandos do Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva (PPGSC) da Unifor; July Grassiely, pós-doutoranda; Rosa Lívia, professora afiliada à Universidade de Fortaleza na época da pesquisa; e Silvio Alves, estudante de mestrado.
Métodos
Ao longo da execução do estudo, a equipe de pesquisadores optou por uma abordagem mista, realizando uma investigação sequencial exploratória em três maternidades de referência da Região Metropolitana de Fortaleza durante o período de 2010 a 2019.
Para isso, o grupo encontrou a necessidade de fornecer uma contextualização sobre a estrutura de assistência à saúde materno-infantil no Ceará. Essa etapa foi essencial, pois a fase quantitativa do estudo envolveu uma análise transversal e analítica da série temporal, utilizando prontuários e registros de internação de mulheres atendidas nas maternidades monitoradas.
Foram examinados um total de 3.552 prontuários, dos quais 1.703 pertenciam a mulheres que buscaram assistência em pelo menos uma instituição de saúde antes de serem admitidas em um dos três serviços abrangidos pela pesquisa. A partir dos prontuários das pacientes, procurou-se identificar atrasos em três áreas específicas:
- no diagnóstico na instituição de origem,
- no início da terapia na instituição de origem (após o diagnóstico),
- no processo de transferência para outro centro de saúde.
Esses últimos dados foram obtidos a partir de bilhetes ou fichas de encaminhamento anexados aos prontuários, do documento síntese da internação, das anamneses feitas durante a admissão — frequentemente conduzidas por estudantes de medicina — e dos registros de admissão feitos pela equipe de enfermagem.
Para a etapa qualitativa, foram realizadas entrevistas com mulheres puérperas que preencheram critérios para Near Miss Materno (NMM) e estiveram internadas nas maternidades participantes entre janeiro e setembro de 2020.
Os pesquisadores analisaram 3.552 prontuários de gestantes em três maternidades de referência da Região Metropolitana de Fortaleza (Foto: Getty Images)
Quanto à coleta de dados, a equipe empregou a técnica de entrevista narrativa autobiográfica. Essa abordagem permite que os pesquisadores analisem a construção de uma narrativa completa da vida de uma pessoa ou de um ciclo específico de tempo, relacionado ao conteúdo de uma biografia.
Neste caso, as biografias elaboradas abarcaram todo o período que engloba o pré-natal, o parto, o nascimento e o puerpério. Após a conclusão da construção de cada narrativa, deu-se início à organização dos dados por meio de uma análise formal.
Os dados foram inicialmente divididos em duas categorias: material indexado, representando o conteúdo racional e concreto que pode ser ordenado cronologicamente, e material não indexado, que inclui conteúdos subjetivos como juízos de valor, sentimentos e reflexões.
Seguindo com o trabalho, o conteúdo indexado foi organizado para reconstruir as trajetórias individuais das mães, enquanto o material não indexado foi integrado às trajetórias e organizado em núcleos de significado.
Depois, os dados foram organizados de forma a facilitar comparações entre as trajetórias individuais e os núcleos de significado emergentes, permitindo a identificação de padrões comuns e contrastes.
A interpretação integrada das etapas quantitativas e qualitativas, então, possibilitou a construção de um modelo teórico que descreve a jornada das gestantes em busca de atendimento na Região Metropolitana de Fortaleza.
Resultados
Após o trabalho desenvolvido, os pesquisadores chegaram à conclusão de que as deficiências na assistência hospitalar contribuem para a demora na chegada das mulheres com condições graves às maternidades de referência, aumentando assim o risco de Near Miss Materno (NMM).
As deficiências na assistência hospitalar contribuem para a demora na chegada das mulheres com condições graves às maternidades (Foto: Getty Images)
Essas lacunas estão relacionadas a questões assistenciais, como não seguir protocolos adequados e comunicação ineficaz e, em alguns casos, agressiva. Além disso, aspectos estruturais também contribuem, destacando falhas nos processos de regionalização e na organização dos sistemas de referência e contrarreferência.
Atrasos identificados incluíram a demora no diagnóstico e no início do tratamento na instituição de origem, bem como dificuldades na referência do caso e/ou no processo de regulação. Portanto, a análise quantitativa revelou que todas essas questões contribuíram para o aumento do risco de NMM.
Os pesquisadores ainda se dedicaram a compreender as causas subjacentes a essas questões e identificaram vários fatores relacionados a elas, alguns dos quais já eram esperados e evidentes, como a falta de disponibilidade de vagas em instituições de referência e a precarização estrutural de determinados serviços de saúde.
Demais fatores, no entanto, aprofundam esses atrasos de forma mais complexa. Entre eles, destaca-se a falta de conformidade com os protocolos estabelecidos, uma questão por vezes relacionada a deficiências estruturais, mas também ocorrendo independentemente delas.
Além disso, a transferência de responsabilidade entre profissionais e entidades administrativas, a ausência de comunicação eficaz entre profissional e paciente e entre os próprios profissionais, entre outros aspectos, contribuem para essas situações de atraso.
“A melhoria da assistência obstétrica e a redução das peregrinações demandam um sistema de saúde que possua ferramentas de acompanhamento da qualidade do serviço prestado pelos profissionais de saúde, processos assistenciais bem estabelecidos, estruturas físicas e uma Rede de Assistência à Saúde que suportem o seguimento desses processos” — Aline Veras, autora do artigo, professora da Unifor e diretora do NAMI
Aline Veras ainda ressalta que essas mudanças demandam também uma análise da distribuição geográfica dos serviços e a efetivação de processos bem estabelecidos baseados nos critérios de regionalização.
“Essas medidas só podem ser alcançadas mediante o fortalecimento do SUS e a superação do subfinanciamento e da dicotomia público-privada”, finaliza a docente.
Publicação Internacional
O estudo destacou-se pela importância na identificação de deficiências no sistema de saúde e na formulação de abordagens para aprimorar o cuidado e a qualidade dos serviços maternos. Por isso, foi publicado em 15 de março no renomado periódico Scielo - Public Health.
A revista desempenha um papel vital ao promover a divulgação de pesquisas científicas originais que abordam questões fundamentais para a saúde pública em uma ampla gama de áreas, proporcionando um espaço significativo para o compartilhamento de conhecimento e a discussão de estratégias para melhorar os cuidados de saúde materna e, consequentemente, a saúde geral da população.