sex, 2 dezembro 2022 10:12
Pesquisadores da Unifor criam aplicativo que auxilia a parar de fumar
Com colaboração internacional, o “TabCess” está em fase de avaliação técnica e testes de usabilidade para ser disponibilizado em três idiomas e países diferentes
Considerado uma epidemia mundial, o tabagismo é responsável pela morte de 8 milhões de pessoas por ano no mundo, sendo um milhão desses óbitos causados por fumo passivo, segundo relatório divulgado em 2021 pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Por ser uma ameaça tão grave à saúde pública, se faz necessário o estímulo à cessação do hábito de fumar.
Foi com essa perspectiva que pesquisadores da Universidade de Fortaleza, instituição de ensino da Fundação Edson Queiroz, criaram o aplicativo “TabAcess” para facilitar essa busca e acesso dos usuários. Tendo sido nomeada inicialmente como “Take a Breath”, a ferramenta está em avaliação técnica atualmente e passa por testes de usabilidade para ser disponibilizada em três idiomas e em três países.
O aplicativo é um recurso mHealth (mobile health), prática médica ou de saúde pública que, por meio de tecnologias sem fio, atua com trabalhos de prevenção, monitoramento e diagnóstico de doenças. Isso possibilita aos pacientes em tratamento antitabagismo um automonitoramento e a gestão do processo de parar de fumar, criando uma interface com os usuários e com o ambiente.
A tecnologia – que conta com versões em português, inglês e francês – já foi validada no Brasil e na cidade do Porto, em Portugal. Agora ela segue em processo de aprovação na Ilha da Madeira, também no país português, e na cidade de Rouen, na França.
(Foto: Ares Soares)
“A parceria internacional é importante porque o cenário nacional difere do estrangeiro em termos de tabagismo, uma vez que na Europa, por exemplo, as pessoas fumam mais. Porém, temos vivido neste momento, no Brasil, um problema com a chegada do cigarro eletrônico. Muitas pessoas que nem fumavam acham que o cigarro eletrônico não faz mal, quando ele é igualmente nocivo para a saúde das pessoas em relação ao cigarro convencional. Só a forma de fumar que difere, mas os impactos na saúde, eles existem, são perigosos e precisam ser advertidos” afirma Christina Praça, coordenadora do projeto e diretora de Pós-Graduação da Unifor.
Equipe multidisciplinar
Pesquisadores e docentes da Universidade de Fortaleza, da esquerda para direita: Eurico Vasconcelos, Denise Oliveira, Juliana Melo, Christina Praça, Silvana Souza, Rachel Sousa e José Fernando Ferreira (Foto: Ares Soares)
Tendo como título “Estudo da eficácia do aplicativo Take a Breath nas estratégias voltadas à cessação do tabagismo”, esse projeto de pesquisa faz parte do Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva. O aplicativo contou com a parceria de pesquisadores brasileiros e estrangeiros, além de 15 discentes dentre pesquisadores, bolsistas e voluntários da Universidade de Fortaleza.
Por trás da iniciativa há uma equipe multidisciplinar formada por fonoaudiólogos, médicos, profissionais de tecnologia da informação, marketing, designers e psicologia. Isso porque o objeto de estudo é transversal, envolvendo diversas áreas do conhecimento e de atuação.
Segundo Christina Praça, a parceria na Europa acontece por meio de colaboração com a pesquisadora e egressa da Unifor Regina Capelo, que atua como apoio na validação da tecnologia em Portugal. Já em Rouen, na França, quem está auxiliando na implementação do aplicativo é o médico patologista e chefe do laboratório de Patologia Molecular da Universidade de Rouen, Jean-Christophe Benoit Sabourin.
Pesquisadores juniores e discentes da Universidade de Fortaleza, da esquerda para direita: Thiago Praça, Beatriz Gomes, Yuri Nekan, Jorge Lins, Bruno Abreu, Rebeca Girão e Lucas Alves (Foto: Ares Soares)
Avaliação e testagem
Os pesquisadores diagnosticaram que as campanhas antitabagismo, em sua maioria, querem apenas convencer as pessoas a pararem de fumar, mas não dizem os malefícios e os benefícios a curto, médio e longo prazo. Além disso, durante o processo de avaliação de ferramentas já existentes, encontraram outras ferramentas já disponíveis com o mesmo objetivo do “TabAcess”.
No entanto, eles identificaram o que os outros não possuíam para poderem melhorar a experiência do aplicativo desenvolvido na Unifor. Trabalhando a partir dessas lacunas, o app foi ganhando telas interativas e novas funcionalidades.
O Vortex, laboratório de formação de alunos na área de tecnologia da informação e comunicação, ficou responsável pelo desenvolvimento do software. Sob o comando de Eurico Vasconcelos, diretor de Tecnologia da Informação, os pesquisadores se organizaram por meio do uso das metodologias SCRUM (otimização do processo de gestão do projeto, planejando e controlando as demandas a fim de economizar tempo) e MIDTS (método interdisciplinar para o desenvolvimento de tecnologias em saúde, perpassando por sua concepção, desenvolvimento e resultados).
O engenheiro de controle e automação Paulo Neto, mestre em Informática Aplicada pela Universidade de Fortaleza, trabalhou na execução de atividades voltadas para IoT (internet das coisas) e acompanhou o desenvolvimento do aplicativo (Foto: Ares Soares)
“O programa nasce com o nome ‘Take a Breath’, mas precisamos alterar o título porque já havia outro aplicativo com termo semelhante em Portugal. Atualmente, o software está em avaliação com especialistas – fase em que a ferramenta está pronta para rodar com a versão demo nas três línguas, e, em paralelo, um grupo de tabagistas em processo de cessação estão fazendo o manuseio da ferramenta”, revela Christina Praça.
Essa etapa da validação, explica, visa saber se a ferramenta está funcionando plenamente, se tem alguma tela que não está abrindo, bem como se os usuários gostam e compreendem o conteúdo. “O que está em avaliação é se a ferramenta eletrônica se comunica bem com o usuário”, reitera a docente. O próximo passo, destaca, é disponibilizar o aplicativo amplamente para toda a comunidade.
Telas de teste do aplicativo TabCess (Foto: Reprodução)
Funcionalidades
Para utilizar o aplicativo, o usuário precisa fornecer alguns dados (nome, CPF, e-mail e senha) para criar o cadastro. Após uma customização baseada em dados fornecidos pelo user, as interfaces das telas seguintes abordam a carga tabágica ao qual o usuário já foi exposto, por meio de algumas perguntas, como: “quantos maços de cigarro você fuma por dia?”, “há outros fumantes na sua família?”, “você participa de algum programa antitabagismo oficial?”, entre outras.
Ao entrar no programa, o usuário recebe incentivos para acompanhar a própria evolução no tratamento antitabagismo por meio de uma interface gamificada. “O aplicativo informa, por exemplo, a contagem diária de dias sem fumar, assim como os benefícios que não fumar pode trazer para o usuário”, explica a professora Christina.
Também é disponibilizado um relatório com gráfico de progresso, que vai melhorando à medida que os dias passam. Além disso, mostra o dinheiro que é possível economizar. Ele então cria metas e mostra os benefícios delas. “Ou seja, o aplicativo sempre vai dando um feedback e direcionando para a cessação do tabagismo”, pontua.
Apesar de ser focado em quem está buscando a cessação do tabagismo, o aplicativo também pode ser utilizado por quem não é o público-alvo, uma vez que traz informações e dicas sobre os malefícios dos diferentes tipos de cigarro, além de apresentar sites com informações úteis.
Apoio psicológico
O hábito de fumar é considerado uma doença crônica pela Organização Mundial da Saúde (OMS), podendo gerar dependência física, psicológica e comportamental, semelhante ao que acontece com diversas outras drogas (álcool, maconha, heroína etc). Nesse sentido, é fundamental que os fumantes que desejam parar com o tabagismo recebam também apoio psicológico.
Foi com esse intuito que os pesquisadores disponibilizaram no aplicativo vídeos explicativos, com psicólogos e pneumologistas que dão dicas bem práticas dos efeitos do tabagismo na saúde do usuário.
(Foto: Ares Soares)
“A psicologia analisa fatores físicos, comportamentais e sociais que estão relacionados ao comportamento tabágico. A partir desse olhar aprofundado é possível pensar e propor estratégias efetivas no apoio às pessoas que buscam a cessação ao tabagismo”, pontua Fabiana Neiva Veloso Brasileiro, docente do curso de Psicologia da Unifor, pesquisadora do Laboratório de Investigações em Análise do Comportamento (LINAC) e atuante no desenvolvimento do aplicativo.
“Em outras telas o usuário vai poder conferir os benefícios da cessação a curto, médio e longo prazo. E conferir, por exemplo, os benefícios para a saúde pulmonar, a saúde sexual, a saúde reprodutiva e a saúde mental”, diz Christina Praça.
Um dos maiores problemas de quem fuma é a chamada “fissura”, que é o desejo súbito e intenso de fumar, fruto de uma memória dos efeitos prazerosos experimentados anteriormente, em contraste com o sofrimento atual. Para esses momentos, o aplicativo fornece uma funcionalidade especial, conforme detalha a coordenadora do projeto.
“A tela de combate à fissura mostra outras atividades que você pode fazer, uma vez que esse período só dura cinco minutos. Se a pessoa conseguir superar esse tempo, não acenderá o cigarro. Essa tela de combate à fissura tem ajudado muito quem está na testagem da ferramenta”, diz.
Telas de teste do aplicativo TabCess (Foto: Reprodução)
Experiências reais
Beatriz Gomes, aluna do 8º semestre do curso de Psicologia e bolsista de iniciação científica do Laboratório de Investigação em Análise e Comportamento, conta que foi convidada a participar do projeto pela professora Christina Praça. Há dois anos ela faz parte da iniciativa.
“Quando entrei, ele ainda era uma ideia, estávamos tateando muito sobre o que poderia ser feito. Houve todo um processo de entendimento sobre qual a importância do que fazemos, e como ajudar essas pessoas, que querem parar de fumar, efetivamente”, diz a estudante. Conforme a futura psicóloga, o trabalho de saúde coletiva é essencial para que quem deseja parar de fumar obtenha êxito.
“Existem pouquíssimos grupos de apoio à cessação do tabagismo, que abrem a cada seis meses. Inclusive, um dos meus projetos deste ano é criar um grupo piloto de apoio ao encerramento do tabagismo no Núcleo de Atenção Médica Integrada (Nami) para podermos, no futuro, criar um ambulatório de cessação ao fumo, algo que não existe atualmente. Nosso sonho é esse”, destaca Beatriz.
“Foi uma honra trabalhar com pesquisadores tão competentes, referências na pesquisa no Brasil e no mundo. Dra. Denise Nunes e eu fazemos parte também de outro projeto de Cooperação Internacional da Unifor com a Universidade de Rouen, França, para pesquisa do câncer de pulmão e, desse modo, podemos levar informação sobre esse importante fator de risco para esse tipo de câncer para a população tabagística e para os familiares sobre os malefícios do uso do cigarro, bem como os benefícios caso o paciente tenha êxito”, afirma Juliana Melo, docente do curso de Medicina da Unifor, pesquisadora e apoiadora no desenvolvimento e validação do aplicativo.
“Os profissionais formados pela Unifor terão que lidar com o câncer de pulmão, neoplasia maligna que mais mata no mundo, difícil de ser diagnosticado em estágio precoce. Dessa forma, quando é diagnosticado já em estágio mais avançado, impacta diretamente na sobrevida e na qualidade de vida do paciente. À medida que o estudante de medicina se engaja em uma pesquisa dessa, ele está atingindo o maior objetivo do médico, que é com a medicina fazer prevenção de uma doença tão grave. Então, ele se entusiasma muito”, pontua Denise Nunes, docente do curso de Medicina e pesquisadora colaboradora do projeto.