Novo licenciamento ambiental: especialista alerta para riscos ao ecossistema brasileiro

seg, 8 dezembro 2025 16:00

Novo licenciamento ambiental: especialista alerta para riscos ao ecossistema brasileiro


Derrubada de vetos pelo Congresso flexibiliza etapas do licenciamento, abre caminho para autodeclarações e amplia riscos ambientais em um momento decisivo para a imagem do Brasil no cenário climático internacional


O licenciamento ambiental garante que atividades potencialmente poluidoras avancem de forma responsável (Foto: Getty images)
O licenciamento ambiental garante que atividades potencialmente poluidoras avancem de forma responsável (Foto: Getty images)

A derrubada dos vetos presidenciais à Lei Geral do Licenciamento Ambiental pelo Congresso Nacional reacendeu um debate fundamental para o futuro da política ambiental no Brasil, e a decisão do Poder Legislativo se deu em um momento particularmente simbólico. Logo após o fim da Conferência das Partes - COP30, sediada em Belém, o país se vê diante de uma decisão que, segundo especialistas, representa um grave retrocesso na proteção de ecossistemas sensíveis, na prevenção de tragédias e na credibilidade internacional do Brasil.

A nova lei abre espaço para que empreendimentos de médio impacto, incluindo barragens, minerodutos e obras de infraestrutura, passem a utilizar mecanismos simplificados, como a autodeclaração para obtenção de licenças ambientais. Os riscos associados à flexibilização são inúmeros, como aponta a professora Sheila Cavalcante Pitombeira, do curso de Direito da Universidade de Fortaleza (Unifor), vinculada à Fundação Edson Queiroz.

Desmatamento, perda de biodiversidade e impactos cumulativos

A docente Sheila Pitombeira, também procuradora de Justiça do Ministério Público do Estado do Ceará (MP/CE), destaca que a medida fragiliza a proteção dos biomas, permitindo supressão de vegetação sem estudos adequados, além de comprometer a capacidade técnica do Estado de avaliar impactos cumulativos.

Entre os riscos apontados, a docente, que é doutora em Desenvolvimento e Meio Ambiente, ressalta o aumento do desmatamento, a perda de biodiversidade e o enfraquecimento do controle sobre projetos de grande impacto. Para ela, a simplificação do processo reduz a atuação preventiva do licenciamento, deslocando o foco para uma abordagem reativa, que as autoridades só intervêm depois que o dano ocorre. 

A professora acrescenta que o licenciamento é um procedimento em que o poder público atua antes de o dano ocorrer, e sua fragilização aumenta diretamente a probabilidade e a magnitude de futuras tragédias ambientais.


A tragédia de Mariana, em 2015, foi o maior desastre ambiental do país, deixando 19 mortos e contaminando o Rio Doce (Foto: Divulgação/Senado Notícias) 

Sheila considera a opção de autodeclaração para empreendimentos como barragens de rejeitos um dos pontos mais preocupantes da nova lei. Trabalhos dessa natureza demandam expertise técnica independente, com avaliações que abrangem desde riscos geotécnicos até estratégias de emergência.

A dispensa de rigor técnico permite que omissões e erros que só poderiam ser identificados por profissionais especializados ocorram. Assim, segundo a professora, a alteração eleva o risco de colapso estruturais e tragédias como Mariana e Brumadinho, pois etapas preventivas deixariam de ser obrigatórias.

Autodeclaração: o maior conflito de interesses da nova lei

A crítica ganha ainda mais força quando se considera que, sob a legislação anterior, licenças ambientais envolviam estudos complexos, audiências públicas e monitoramento contínuo. Com as mudanças, elementos fundamentais do processo foram enfraquecidos. 

Para Sheila, haverá “subestimação ou omissão de impactos ambientais complexos”, diminuição das audiências públicas e, sobretudo, a substituição da perícia técnica pública pela autodeclaração privada. Isso, na prática, eleva o risco de fraudes e diminui a confiabilidade das análises.

Segundo a procuradora, permitir que as empresas avaliem seus próprios riscos é permitir que os interesses financeiros prevaleçam sobre a segurança ambiental. Isso gera um conflito de interesses claro: quem busca lucro torna-se o único encarregado de declarar o efeito de sua obra. “É o maior risco da nova lei, pois evidencia o conflito de interesses”, diz a docente

Outro ponto crítico é a descentralização das licenças, que passa a atribuir maior responsabilidade aos estados e municípios. A professora aponta que muitos órgãos regionais não possuem estrutura técnica e orçamentária suficiente para lidar com análises de alta complexidade. Assim, amplia o risco de decisões influenciadas por pressões econômicas locais, reduzindo o rigor técnico e potencializando desigualdades ambientais

Além disso, essa fragmentação pode criar verdadeiras “brechas regulatórias”, favorecendo o chamado “turismo do impacto”, em que empreendedores migram para áreas com regras mais permissivas. A professora destaca que a nova lógica compromete a função preventiva do sistema.


 “As pessoas não entendem que o licenciamento é um procedimento em que o poder público atua antes do dano, exigindo ajustes no projeto para torná-lo seguro ambientalmente. Ao permitir autodeclaração e reduzir o crivo técnico para projetos complexos, a lei move o foco da prevenção para a mitigação e punição” Sheila Pitombeira, docente da Unifor e procuradora de Justiça do Ministério Público do Estado do Ceará (MP/CE)

A flexibilização do licenciamento ambiental pode afetar negativamente a reputação do Brasil no cenário global, sendo percebida como um retrocesso após a COP 30. Ademais, pode complicar o acesso a financiamentos de fundos e instituições financeiras que adotam critérios rigorosos de ESG — sigla em inglês para Environmental, Social and Governance (Ambiental, Social e Governança).

Como resultado, grupos vulneráveis, como comunidades ribeirinhas, indígenas e quilombolas, também costumam ser impactados de forma desproporcional. Sheila esclarece que esses grupos geralmente são os primeiros a enfrentar consequências ambientais, seja pela contaminação de fontes de água, seja por incidentes como o rompimento de barragens. Com o enfraquecimento do licenciamento, a exposição ao risco aumenta, ao mesmo tempo em que a participação social é reduzida. 

Mudanças retomadas com a derrubada dos vetos:

  • Licenciamento autodeclaratório, referente à Licença por Adesão e Compromisso (LAC);
  • Dispensa de licenciamento em áreas inscritas no Cadastro Ambiental Rural (CAR);
  • Enfraquecimento da proteção da Mata Atlântica;
  • Restrição às consultas a indígenas e quilombolas;
  • Dispensa de licenciamento para saneamento;
  • Dispensa de licenciamento para manutenção de rodovias.

O retrocesso representado pela derrubada dos vetos também fere diretamente um dos princípios fundamentais do direito ambiental: a vedação ao retrocesso. Esse princípio determina que leis ambientais não devem reduzir o nível de proteção existente. Para Sheila, a aprovação da nova lei representa “retrocesso absurdo”, na medida em que desmonta mecanismos essenciais para garantir segurança, prevenção e transparência.

É possível equilibrar desenvolvimento e proteção ambiental?

Apesar de reconhecer a importância de agilizar processos quando se trata de atividades de baixo impacto, a professora enfatiza que obras de grande porte e alto risco devem preservar rigor técnico e participação social. O equilíbrio entre desenvolvimento e sustentabilidade, segundo ela, só é possível quando há investimento robusto nos órgãos ambientais, com fortalecimento da capacidade técnica e autonomia para fiscalizar.

Em resumo, a derrubada dos vetos à Lei Geral de Licenciamento Ambiental altera profundamente a dinâmica de controle ambiental no Brasil. Ao priorizar rapidez e interesses econômicos, a legislação enfraquece instrumentos preventivos e amplia riscos que já se mostraram devastadores no passado recente.

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Esta notícia está alinhada aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Agenda 2030 da ONU, contribuindo para o alcance dos ODSs 11 – Cidades e Comunidades Sustentáveis, 12 – Consumo e Produção Responsáveis, 13 – Ação Contra a Mudança Global do Clima, 14 – Vida na Água, 15 – Vida Terrestre e 16 – Paz, Justiça e Instituições Eficazes.

A Universidade de Fortaleza reafirma, assim, seu compromisso com práticas sustentáveis e com a construção de sociedades mais resilientes, conscientes e socialmente justas. Ao incentivar responsabilidade ambiental, proteção dos ecossistemas e enfrentamento das mudanças climáticas (ODS 11, 12, 13, 14 e 15), a instituição também fortalece a cultura de transparência, participação e governança eficaz (ODS 16).