Entrevista Nota 10: Luís Praxedes e a justiça contra o sequestro internacional de crianças

seg, 19 junho 2023 14:45

Entrevista Nota 10: Luís Praxedes e a justiça contra o sequestro internacional de crianças

Juiz federal titular da 1ª Vara do TRF5-CE, ele fala sobre a Convenção de Haia de 1980, além de explicar as ações da justiça brasileira na subtração internacional de crianças


Luís é professor da Universidade de Fortaleza, mestre em Direito e especialista em Direito Processual Civil (Foto: Arquivo pessoal)
Luís é professor da Universidade de Fortaleza, mestre em Direito e especialista em Direito Processual Civil (Foto: Arquivo pessoal)

O que seria uma viagem de férias para uma criança com pais de nacionalidades diferentes pode acabar virando uma questão jurídica internacional. Isso porque, em diversas legislações ao redor do mundo, é necessário ter uma autorização prévia de um ou mais progenitores para sair do país de residência com os pequenos.

Com o intuito de proteger os interesses das crianças e evitar prejuízos pela mudança de domicílio e retenção ilícita delas, foi criada a Convenção de Haia no ano de 1980. O acordo estabelece procedimentos que garantam o retorno imediato do menor à sua residência habitual, bem como assegura a proteção do direito de visita dos pais ou responsáveis.

Segundo o Ministério da Justiça e Segurança Pública, cerca de 287 casos de sequestro internacional de crianças estão em trâmite no Brasil. Do total, 150 são de brasileiras que foram levadas para fora, já os outros 137 são de menores de diferentes nacionalidades trazidos para cá.

Luís Praxedes Vieira, juiz federal titular da 1ª Vara do Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF5) — setor competente pelos casos ligados ao tratado internacional no Ceará —, explica que, mesmo com certa extensão do prazo e problemas de tradução dos documentos, os processos são resolvidos rapidamente e da melhor maneira possível.

Professor do curso de Direito da Universidade de Fortaleza — instituição de ensino da Fundação Edson Queiroz —, Luís é mestre em Direito e especialista em Direito Processual Civil pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Na Entrevista Nota 10 desta semana, ele fala sobre a Convenção de Haia e explica as ações da justiça brasileira na subtração internacional de crianças.

Confira na íntegra a seguir.

Entrevista Nota 10 – Professor, em sua dissertação de mestrado, você trabalhou a questão dos juizados especiais federais cíveis. De que forma esses setores da justiça brasileira contribuem para a manutenção e celeridade do trabalho jurídico?

Luís Praxedes – A minha dissertação de mestrado eu defendi em 2002, então tinha pouco tempo da criação dos Juizados Especiais Federais (JEFs). Eles são como um juizado de pequenas causas da Justiça Federal, [recebendo casos de] até 60 salário mínimos em qualquer ação contra a União, empresas públicas federais, suas autarquias, por exemplo, o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e a Caixa Econômica.

Eles têm uma quantidade muito grande de processos, e é uma justiça célere, rápida. Resolve bastante as questões mais prementes de justiça das pessoas, então há uma procura muito grande. Tem Juizados aqui na capital e também no interior, onde a Justiça Federal tem vaga e vara. Acontece uma muita resolução de conflitos e, embora tenha uma demanda acumulada, é uma justiça rápida.

Entrevista Nota 10 – No início dos anos 2000, o Brasil se tornou signatário da Convenção de Haia de 1980, único tratado internacional que se debruça sobre o sequestro internacional de menores. Como funciona essa iniciativa e quais suas características?

Luís Praxedes – A Convenção da Haia, que trata sobre os efeitos civis do sequestro internacional de crianças, é de 1980, foi ratificada pelo Brasil no ano 2000 e é competência da Justiça Federal porque se trata de um tratado internacional. Essa convenção tem algumas características próprias, por exemplo, quem é criança, para efeito da convenção, tem até 16 anos incompletos. Completou 16 anos, já não se aplica mais à convenção. Ela compreende também que os estados sejam signatários, então só pode reivindicar o retorno da criança quem for signatário da Convenção.

Outra característica dela é a celeridade. Ela estabelece um rito próprio, que deve ter, no máximo, seis semanas. Só que os países signatários dificilmente cumprem esse prazo porque tem recurso e, às vezes, tem instâncias superiores que também intercedem no procedimento. Mas a tendência é que seja célere e o processo seja resolvido de uma forma rápida.

E quando é que a criança é retirada indevidamente? Há duas situações: quando o pai ou a mãe brasileira traz a criança de forma indevida sem que o outro cônjuge tenha conhecimento e sem a autorização judicial; ou então pela retenção indevida. A retenção indevida ocorre quando, por exemplo, a mãe ou o pai vem com a criança para passar férias e não retorna, dizendo que não está adaptado e que não pode retornar ao país onde a criança tem sua residência habitual.

Outro conceito também importante da Convenção é a residência habitual. Não é domicílio. A residência habitual é onde a criança vive, onde está radicada sua moradia. Em linhas gerais, essas são as características mais importantes do tratado internacional.

Entrevista Nota 10 – Segundo o Ministério da Justiça e Segurança Pública, cerca de 287 casos de subtração internacional de crianças estão em trâmite no país. Do total, 150 são de crianças brasileiras que foram levadas para fora, já os outros 137 são de menores de diferentes nacionalidades trazidos para o Brasil. Quais são as principais dificuldades jurídicas para a resolução desses casos? É possível evitá-los ou, pelo menos, reduzir seus números?

Luís Praxedes – Esses 287 casos são distribuídos em todo o Brasil. Aqui no Ceará, de 2017 para cá, nós só tivemos sete casos e todos já foram resolvidos. Então, da minha parte, não vejo muita dificuldade. A não ser essa questão, como já falei, da celeridade, porque a Convenção exige seis semanas e dificilmente conseguimos resolver isso nesse prazo. Então é só a questão da demora porque, para a criança, o tempo, quando ela é pequena, é muito importante. E a Convenção tem uma questão referente à adaptabilidade da criança, que é algo também muito polêmico. Quando a criança está adaptada, ela não é não é obrigada a regressar, mas o que é a adaptação? Às vezes fica muito subjetivo. 

Outra dificuldade que às vezes surge é a documentação. Dependendo do país, a documentação não vem bem instruída ou traduzida para você saber se a pessoa realmente tem a guarda. Aqui no Brasil, para sair ao exterior com a criança tem que haver a autorização do pai e da mãe. Mas em alguns países, como a Itália, por exemplo, basta a do pai ou da mãe, não precisa ter dos dois. Às vezes há uma pendência na justiça que a autoridade alfandegária não sabe e acaba permitindo que a criança saia só com um dos pais. Isso pode gerar uma dificuldade para identificar se deve ter o retorno ou não da criança. Mas, no mais, os processos são resolvidos da melhor forma possível.

Entrevista Nota 10 – Que papel tem a 1ª Vara do TRF5 em casos de rapto/subtração internacional de crianças? Por que foi tomada a decisão de centralizar esses casos em um único órgão responsável?

Luís Praxedes – Quanto à competência, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) tem uma resolução que estabelece que, em cada tribunal, deve haver um desembargador federal responsável por administrar as questões da Convenção da Haia e, em cada estado, deve ter uma vara responsável pela solução desses conflitos de sequestro internacional de crianças.

Na 5ª Região, que é o nosso Tribunal — fica em Recife e compreende os estados de Sergipe, Alagoas, Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará —, é a 1ª Vara, da qual sou o titular, que fica responsável por questões do sequestro internacional de crianças. A importância de vincular uma vara é que o juiz se torna especialista. Ele entende mais aquela questão, participa de seminários, de cursos sobre a Convenção e de como aplicá-la, ele dá uma maior atenção àquele processo e prima pela celeridade para que seja resolvido da forma mais harmoniosa e rápida possível.

Por isso que os Tribunais Regionais Federais, que são seis em todo o Brasil, designam uma vara para a solução desses conflitos. No nosso caso, é uma resolução de 2017 que estabelece que as primeiras varas de cada sessão judiciária são competentes para resolver situações envolvendo a Convenção da Haia.

Entrevista Nota 10 – No início do ano, você foi um dos participantes do seminário “Subtração internacional de crianças: a experiência comparada dos países do sistema da common law”, onde ocorreu uma troca de experiências e boas práticas entre os Judiciários do Brasil, Reino Unido, Estados Unidos, Canadá e Austrália sobre a proteção dessas crianças. Como enxerga a importância de eventos como esse para a atualização do debate? Isso costuma fortalecer a colaboração entre os países signatários?

Luís Praxedes – Seminários, encontros e congressos sobre o tema são muito importantes para fortalecer os laços e ampliar o conhecimento dos países sobre as legislações das outras nações. Por exemplo, dois países que têm legislação própria além do tratado internacional são o Uruguai e a Alemanha. Eles têm uma legislação interna que prima pela celeridade para resolução dos conflitos na Convenção da Haia, mas outros países, não. Então esses seminários são sempre muito importantes para fortalecer esses laços, divulgar a legislação, saber como são os procedimentos internos de cada país para que fiquemos mais inteirados e harmônicos em relação às tratativas quando formos julgar algum caso.

Aqui no Brasil, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), há mais ou menos um ano e meio, encaminhou um projeto de lei ao Congresso Nacional para regulamentar internamente uma norma processual para a Convenção da Haia, buscando tornar mais céleres os processos sobre sequestro internacional de crianças.