sex, 5 março 2021 01:34
A emoção e o desafio de ser mãe durante a pandemia
Duas professoras da Universidade de Fortaleza contam como se sentiram ao se deparar com a maternidade em meio ao cenário de crise sanitária que assola o mundo
Há exatamente um ano, em março de 2020, começávamos a viver um momento digno de ficção científica: a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou situação de pandemia devido à doença Covid-19, causada por um vírus de características ainda desconhecidas. De repente, indivíduos ao redor do globo se viram confinados durante meses em seus próprios lares, que se tornaram os únicos refúgios minimamente seguros. Até a ida ao supermercado representava riscos. O mundo entrou em pausa.
De uma forma geral, as adaptações às novas medidas de proteção foram difíceis. Crianças e jovens tiveram que se ajustar ao estudo remoto, os adultos ao home office e os idosos a ficarem longe da família, já que eles são considerados o grupo de maior risco. Porém, um grupo que se mostrou particularmente vulnerável, mesmo após um ano de pandemia, é o das mães.
A maternidade, ainda que seja um período desejado e esperado por muitas mulheres, se tornou um duplo desafio para as mães durante a maior crise sanitária do século XXI, sejam elas tentantes, grávidas, puérperas ou mães de crianças e adolescentes. Para trazer um panorama da situação, duas professoras da Universidade de Fortaleza, da Fundação Edson Queiroz, contam como reagiram ao cenário atual enquanto entravam no universo da maternidade. As docentes comentam, ainda, como lidaram com o medo e a ansiedade, e o que representou para elas dar à luz em meio a um período de escuridão.
A realização de um sonho
Ana Cláudia Farias, professora do curso de Design de Moda da Unifor, sempre quis ser mãe. Devido a várias circunstâncias da vida, esse sonho precisou ser adiado algumas vezes. Porém, em 1º de novembro de 2019, Ana Cláudia descobriu que estava grávida. De acordo com a professora, a gravidez foi muito “vivenciada”. “Assim, ‘sentida’ no melhor aspecto da palavra, de poder estar ali, conectada com esse ‘serzinho’ que estava para vir para o mundo”, afirma.
No entanto, cinco meses depois, a pandemia atingiu o Brasil, e Ana Cláudia e o marido, Marcelo Bandecchi, precisaram, assim como o resto da população, se isolar. Porém, o casal precisou redobrar o cuidado. “O primeiro pensamento, a primeira sensação, foi de medo. De medo desse vírus, muito desconhecido ainda, que estava causando muitas mortes. [...] A gente não sabia como isso afetava uma gravidez. Se caso a mãe pegasse, afetava o feto, ou se poderia ser um fator determinante para interromper gravidez. Então, foi de muito medo mesmo”, conta a professora, ao ser questionada sobre como reagiu à situação na época.
Durante a gravidez, Ana Cláudia continuou trabalhando, e também precisou se adaptar ao ensino remoto e às novas tecnologias e ferramentas que ele trouxe. Marcelo, seu marido, também é professor. Antes da pandemia, ele passava três dias da semana no interior do Ceará; porém, com a mudança do presencial para o online, passou a ficar todos os dias em casa, o que propiciou uma maior aproximação e união entre o casal, e isso foi essencial para o momento de gravidez.
A docente afirma ainda que a pandemia, principalmente no período de lockdown, foi um misto de sensações e emoções, e não poder contar, fisicamente, com a sua rede de apoio pesou muito durante a gravidez. “Não podia ver as pessoas, não podia abraçar. Eu não podia encontrar com os amigos, eu não podia estar com os meus familiares, nem contar com eles, porque todos também estavam se protegendo, ao mesmo tempo. Mas aí, para a minha sorte, eu tenho, graças a Deus, muitos amigos e familiares maravilhosos, que não puderam estar fisicamente, mas remotamente eles estavam comigo o tempo inteiro”, relata ela.
Ana Cláudia deu à luz a uma menina no dia 19 de junho de 2020. A professora conta ter sonhado com o nome, e, após dividir o sonho com o marido, ficou decidido que a bebê se chamaria Ana Bella. A rotina na pandemia, após o nascimento de Bella, ficou ainda mais difícil e desafiadora para o casal. “Porque éramos os dois, né? Vivenciando tudo aquilo, toda aquela emoção de estar com ela nos nossos braços. Mas sem nenhum tipo de ajuda”, conta a professora.
A nova mamãe voltou ao trabalho meses após o nascimento de sua filha, e a rotina pesou um pouco mais. “No primeiro momento, eu estava só na assessoria da coordenação, e quando as aulas voltaram, foi um pouco mais complicado. Eu tinha algumas aulas presenciais, que eu tinha que ir e voltar correndo para dar de mamar. Depois ficou tudo online de novo. Por um lado facilitou, pois eu pude estar perto da minha filha, acompanhar seu crescimento e todas as suas descobertas. Por outro, ficou um pouco difícil, porque é aquela história: você está bem aqui e o bebê sabe, fica lhe chamando, quer que você esteja perto, mas ao mesmo tempo você tem que focar no que está fazendo”, relata a professora.
Atualmente, Ana Bella está com oito meses. Em fevereiro deste ano, a professora Ana Cláudia comemorou o seu aniversário de 50 anos, o primeiro aniversário com sua filha fora da barriga. “É muito forte para mim a maternidade. É muito forte estar vivendo ela em um momento desse em minha vida. E é muito forte os vínculos da gente. Meu, do Marcelo e da Bella”, afirma a professora.
Para as mulheres que estão entrando no universo da maternidade agora, Ana Cláudia aconselha tomar “muito cuidado, muita cautela, manter o distanciamento, para evitar a todo custo pegar esse vírus. Porque a gente não sabe ainda como afeta a mãe e o bebê na gestação”. E acrescenta: “Aproveitem ao máximo essa fase, o crescimento da barriga, sentir o bebê mexendo. Conversem com os seus bebês. Cantem para ele. Mostrem o quanto está sendo esperado, o quanto está sendo amado. E se Deus quiser, vai dar tudo certo. [...] Acho que quando a gente tem fé, já é meio andado para conseguir que dê certo”.
Uma luz em meio à escuridão
Priscila Medeiros destaca a importância de uma rede de apoio durante a gravidez.
(Foto: Acervo pessoal)
A professora Priscila Medeiros, também do curso de Design de Moda da Universidade de Fortaleza, descobriu sua gravidez em abril de 2020, no início da pandemia. “Foi ‘literalmente’ uma surpresa. Durante três anos fui tentante, já estava sendo acompanhada por médicos de reprodução humana, mas tive uma gravidez natural”, conta a professora. Assim como Ana Cláudia, Priscila diz que os primeiros meses foram difíceis, devido à falta de informação sobre a doença (Covid-19), e principalmente os seus efeitos em gestantes.
“Então, foi uma mistura de felicidade e muito medo. Além disso, tudo se tornou mais difícil. Tive praticamente que comprar todo meu enxoval online. Nunca imaginei vivenciar isso desta forma. Tive que trabalhar muito minha mente e espiritualidade. Lembro inclusive que evitava ler notícias sobre a pandemia e assistir TV, pois tudo aquilo me abalava demais. Ficava ansiosa, angustiada e temerosa”, relata Priscila sobre o que sentiu durante o período de isolamento social.
Após o lockdown e o afrouxamento do distanciamento social, a professora decidiu voltar, ainda que com todos os cuidados necessários, a trabalhar presencialmente, mesmo estando grávida. Priscila, que trabalhou até a véspera de seu parto, conta que isso foi um alento para sua alma. “Acredito que nossa cabeça é nosso maior guia. Então, se ficamos focadas em uma coisa, acabamos consumindo toda nossa energia naquilo. Eu decidi investir minha energia em algo que me faz bem: meu trabalho. Acho que isso foi providencial para eu não ‘surtar’”, afirma a professora.
Priscila teve que encarar uma gravidez reclusa e sem contato com amigos e familiares, e, assim como muitas gestantes, não pôde contar com sua rede de apoio, tão fundamental para as mães durante e após a gestação. “Foi difícil não contar com a rede de apoio. Até mesmo na maternidade as visitas eram restritas. [...] Quero enfatizar a necessidade da rede de apoio. A jornada é bonita, mas muito desgastante, e se não contamos com apoio tudo se torna mais difícil. Mãezinhas, garantam sua rede de apoio! Dividam a jornada! Vocês nunca serão menos mãe por isso”, aconselha.
Priscila deu à luz a um menino em dezembro de 2020, o qual o chamou de João Pedro. Este mês, ele completa três meses de vida. “Até o dia do parto, eu vivi os melhores e piores dias da minha vida. Era o momento mais feliz, mas também a minha maior preocupação. O nascimento do meu filho simbolizou muita coisa, mas principalmente me ensinou que enquanto há vida, há esperança”, finaliza a professora.
Veja, abaixo, galeria com registros enviados por Ana Cláudia Farias para esta matéria. As fotos retratam sua gravidez, a bebê Ana Bella em dias atuais e a família formada com Marcelo Bandecchi.