Entrevista Nota 10: Janaína Lopes e o Ceará na vanguarda da economia azul

seg, 15 dezembro 2025 17:01

Entrevista Nota 10: Janaína Lopes e o Ceará na vanguarda da economia azul

Professora da Unifor fala sobre o comprometimento de governo, mercado e sociedade civil para tornar o estado modelo nacional no setor, que projeta como pilar do desenvolvimento sustentável no país


Doutora em Meio Ambiente pela Universidade Federal do Ceará, professora Janaína Lopes coordena o Laboratório Interdisciplinar de Pesquisa em Economia Azul (Lab Azul) da Unifor (Foto: Marjorie Zaranza)
Doutora em Meio Ambiente pela Universidade Federal do Ceará, professora Janaína Lopes coordena o Laboratório Interdisciplinar de Pesquisa em Economia Azul (Lab Azul) da Unifor (Foto: Marjorie Zaranza)

Com apoio da Universidade de Fortaleza (Unifor) — mantida pela Fundação Edson Queiroz — e de demais entidades, o Governo do Ceará consolidou, em 2025, o comprometimento de fomentar a economia azul, conceito que engloba atividades econômicas sustentáveis nos oceanos, zonas costeiras e bacias hidrográficas. No estado, o tema inclui pesca, aquicultura, turismo sustentável e energia renovável.

Uma das principais vozes no assunto é a professora Janaína Lopes, doutora em Desenvolvimento e Meio Ambiente pela Universidade Federal do Ceará (UFC) e mestra em Administração pela Universidade Estadual do Ceará (Uece). A docente coordena o Laboratório Interdisciplinar de Pesquisa em Economia Azul (Lab Azul) da Unifor e auxilia o Governo do Ceará com estudos sobre o tema.

A pesquisadora ressalta que o Ceará encontra-se em posição de destaque na economia azul nacional e mostra, como estado, compromisso pioneiro com a estruturação do setor, porém alerta para a necessidade de gerar resultados voltados principalmente às comunidades costeiras. 

Capitaneado por Janaína Lopes, o Lab Azul está em atividade desde junho de 2025 e surgiu com o propósito de fortalecer a economia azul do estado. A equipe, formada por professores, pesquisadores e alunos, desenvolve estudos interdisciplinares nas áreas de economia sustentável, mudanças climáticas, governança marinha, cultura oceânica e inovação tecnológica. 

Como destaca a professora, o laboratório atua na interface de diferentes Centros de Ciências da Unifor, visto que são desenvolvidos artigos e projetos nas áreas de comunicação e gestão, tecnologia, ciências jurídicas e saúde. As linhas de pesquisa envolvem desde a análise de cadeias produtivas marinhas e turismo sustentável, até o desenvolvimento de soluções em energias renováveis oceânicas e justiça ambiental costeira. 

Na Entrevista Nota 10, a professora Janaína Lopes fala sobre o comprometimento de governo, mercado e sociedade civil para tornar o estado modelo nacional no setor, que projeta como pilar do desenvolvimento sustentável no país. Ela também detalha a atuação e perspectivas do Lab Azul para o próximo ano.

Confira a seguir.

Entrevista Nota 10 — O conceito “economia azul” se popularizou, mas ainda não é amplamente reconhecido pela sociedade. Quais ações e estratégias são adotadas para que esse conceito torne-se comum a todos?

Janaína Lopes — É importante compreender o processo histórico do termo e sua aplicação, considerando que a definição de economia azul ainda não é pacificada no meio acadêmico e institucional. O conceito atual representa uma evolução do conceito tradicional de economia do mar. 

Embora a economia do mar tradicionalmente se concentre na exploração de recursos dentro do território marítimo, a economia azul amplia esse olhar ao reconhecer que o uso dos recursos marinhos ultrapassa o “maretório” e alcança o continente, visto que se manifesta em diversas dimensões sociais e econômicas: no turismo costeiro, nos esportes náuticos, na gastronomia baseada em produtos do mar, na biotecnologia marinha e em outros setores.

Entre as várias estratégias para difundir o conceito de economia azul — como educação ambiental, políticas públicas integradas e engajamento acadêmico — destaco a cultura oceânica (ocean literacy) como elemento central e transformador. Quando falamos em cultura oceânica, estamos nos referindo ao conjunto de conhecimentos, valores e comportamentos que nos ajudam a compreender a importância dos oceanos para a vida humana e planetária, além de reconhecer como nossas ações impactam os ecossistemas marinhos.

Nesse sentido, o Ceará tem avançado de forma significativa, com iniciativas que merecem destaque, como o projeto Universidade Azul, do Instituto de Ciências do Mar (Labomar/UFC). Outro exemplo importante é o Selo Escola Azul, da UNESCO, que certifica escolas comprometidas com a educação oceânica de forma transversal e interdisciplinar. Aqui no Ceará, aliás, temos motivo de orgulho: nosso estado se destaca como um dos que possui escolas certificadas pelo programa, incorporando temas marinhos nos currículos e nas práticas pedagógicas, sensibilizando nossos estudantes desde a educação básica.

Entrevista Nota 10 — Um estudo recente da Universidade de São Paulo (USP) aponta que a economia azul representa 6,39% do PIB brasileiro e 4,45% dos empregos quando considerados seus impactos diretos e indiretos, dados que reforçam o enorme potencial. Na sua visão, os benefícios desse campo ainda são pouco explorados? E como projeta o futuro?

Janaína Lopes — Sem dúvida, os benefícios da economia azul ainda são pouco explorados, apesar dos números expressivos que você mencionou. Esses dados demonstram que já existe uma base econômica consolidada, mas estamos apenas arranhando a superfície do verdadeiro potencial que os oceanos e zonas costeiras podem oferecer.

O que me entusiasma particularmente é que o tema vai muito além da simples utilização de recursos marinhos, ela responde a várias questões ambientais urgentes que enfrentamos globalmente. Um exemplo fascinante disso são as macroalgas marinhas, que não apenas capturam carbono da atmosfera de forma extremamente eficiente, contribuindo para a mitigação das mudanças climáticas, mas quando incorporadas à ração de bovinos, podem reduzir significativamente as emissões de metano produzidas por esses animais.

Ao olhar para o futuro, vejo a economia azul como pilar do desenvolvimento sustentável no Brasil. Com mais de 8.500 km de costa, a Zona Econômica Exclusiva (Amazônia Azul) e os recursos da plataforma continental, o país pode se tornar referência mundial. Para isso, são necessários investimentos contínuos em pesquisa, tecnologia e formação qualificada, além de políticas públicas integradas que enxerguem o oceano como território de oportunidades sustentáveis.

O futuro no Brasil é promissor, mas depende de escolhas conscientes que façamos hoje, escolhas que equilibrem desenvolvimento econômico, justiça social e preservação ambiental. E é justamente por isso que a difusão do conceito e da Economia Azul se torna tão fundamental.

Entrevista Nota 10 — O Ceará tem uma extensa faixa litorânea e diversas atividades econômicas ligadas ao mar, o que reforça o potencial do setor no estado. Na sua avaliação, o que pode ser feito para o Ceará alcançar as expectativas e consolidar uma economia azul próspera, inclusiva e sustentável?

Janaína Lopes — O Ceará está, de fato, numa posição de vanguarda quando falamos de economia azul no Brasil, e isso não é por acaso. Nosso estado tem demonstrado um compromisso pioneiro com a estruturação desse setor, e isso se reflete em iniciativas concretas que nos colocam à frente de muitos outros estados costeiros. Primeiro, é fundamental destacar que o Ceará foi vanguardista ao criar a figura do cientista-chefe de Economia Azul da Funcap, posição ocupada pelo professor Felipe Matias, que é, inclusive, parceiro de primeira hora do nosso laboratório. 

Ter um cientista dedicado exclusivamente a pensar políticas baseadas em evidências para a economia azul é algo único no país e posiciona o Ceará como referência nacional. Além disso, temos a Câmara Setorial de Economia Azul vinculada à ADECE (Agência de Desenvolvimento do Estado do Ceará), que articula diferentes atores, governo, academia, setor produtivo e sociedade civil, em torno de estratégias integradas para o desenvolvimento do setor. 

Destaco que governança participativa é essencial para que as políticas públicas reflitam as reais necessidades e potencialidades do nosso litoral. Outro marco fundamental é a Lei do Mar do Ceará, um instrumento regulatório pioneiro que estabelece diretrizes para a gestão integrada da zona costeira e dos recursos marinhos do estado. 

Apesar dos avanços, para o Ceará consolidar uma economia azul próspera, inclusiva e sustentável, é essencial fortalecer pesquisa e inovação, com mais investimento em laboratórios, equipamentos e formação de especialistas. Também é preciso diversificar atividades econômicas, ampliar a educação oceânica, atrair investimentos responsáveis e reforçar a governança oceânica. O Ceará tem todos os ingredientes para se tornar modelo nacional de economia azul: vocação histórica, marcos regulatórios pioneiros, liderança científica e uma costa rica em biodiversidade e potencial econômico.

Entrevista Nota 10 — O LabAzul foi criado em junho de 2025 e já possui atuação reconhecida, tanto que, em novembro, participou de um evento renomado como Feira do Conhecimento 2025. Qual o papel do laboratório para o crescimento da economia azul no Ceará e em todo o país? E as perspectivas do Lab Azul para os próximos anos?

Janaína Lopes — Como já destacado, o Lab Azul nasceu justamente do propósito de fortalecer a economia azul do estado. A Unifor já desenvolvia pesquisas nesse sentido, mas precisávamos da institucionalização de um laboratório que pudesse ser esse guarda-chuva, congregando diferentes iniciativas, pesquisadores e projetos sob uma estrutura consolidada e reconhecida.

Atualmente, temos seis projetos em curso com grandes chances de aprovação em distintas agências de fomento, o que ampliará significativamente nossa capacidade de pesquisa e impacto. Estamos também em constante articulação com outras universidades do país e do exterior, construindo uma rede colaborativa com o intuito de solucionar problemas dessa seara tão importante que é a economia azul. 

Um marco importante, mesmo em tão pouco tempo, foi o convite recente que recebemos como reconhecimento do nosso trabalho: o advogado Rômulo Alexandre, recém-empossado presidente da Câmara Setorial de Economia Azul do Ceará, nos convidou para integrar a câmara em 2026. Isso reforça o papel do laboratório universitário na formação de pessoas preparadas para enfrentar problemas reais e propor soluções baseadas em evidências, comprometidas com a transformação das comunidades.

Quanto às perspectivas do LabAzul para os próximos anos, sou muito otimista. Para 2026, além da nossa participação ativa na Câmara Setorial, pretendemos consolidar as linhas de pesquisa já iniciadas, ampliar a equipe de pesquisadores e envolver mais estudantes de diferentes cursos da Unifor. Ver estudantes de diferentes áreas do conhecimento engajados com o tema da economia azul, trazendo olhares multidisciplinares, é o que dá vida e futuro ao Lab Azul. É na formação desses jovens pesquisadores que reside nossa maior contribuição.

Pretendemos também ampliar a captação de recursos junto às agências de fomento e intensificar parcerias nacionais e internacionais. Também queremos fortalecer a conexão com comunidades costeiras, com projetos de extensão que levem os resultados da pesquisa a quem vive do mar. Afinal, a pesquisa só faz sentido quando dialoga com a realidade e quando seus resultados contribuem efetivamente para melhorar a vida das pessoas.

Entrevista Nota 10 — O debate sobre o equilíbrio entre desenvolvimento econômico e proteção ambiental segue em evidência, principalmente, após derrubada de vetos à Lei Geral do Licenciamento Ambiental. Como a nova legislação influencia a economia azul?

Janaína Lopes — Antes de falar especificamente sobre a nova legislação, preciso contextualizar: a economia azul, por definição, já nasce com o compromisso da sustentabilidade. Não estamos falando de simplesmente explorar recursos marinhos a qualquer custo, mas de utilizá-los de forma que garanta sua continuidade para as gerações futuras. Esse é o princípio fundante que diferencia a economia azul de modelos puramente extrativistas.

A nova legislação de licenciamento ambiental impacta diretamente a economia azul. Muitos defendem que a simplificação e agilização dos processos pode destravar investimentos em setores como aquicultura, energias renováveis oceânicas, portos e infraestrutura costeira — áreas essenciais para a economia azul. De fato, a burocracia excessiva pode inviabilizar projetos viáveis e ambientalmente responsáveis.

Por outro lado — e aqui está minha maior preocupação — é essencial que a agilização não resulte em fragilização da proteção ambiental. Ecossistemas marinhos e costeiros, como manguezais, recifes, estuários e áreas de reprodução, são extremamente sensíveis. Uma vez degradados, podem levar décadas para se recuperar, quando isso ocorre. Sem ecossistemas saudáveis, não há economia azul sustentável. No caso do Ceará, há um diferencial importante: a Lei do Mar estadual estabelece diretrizes claras para a gestão integrada da zona costeira e dos recursos marinhos. 

Defendo que qualquer legislação de licenciamento ambiental voltada à economia azul siga princípios inegociáveis. Primeiro, a exigência de estudos de impacto ambiental robustos e independentes, sobretudo para grandes empreendimentos ou aqueles em áreas sensíveis. Segundo, a participação efetiva das comunidades costeiras e tradicionais nas decisões, já que são elas que dependem diretamente dos recursos marinhos e sentirão primeiro os impactos de escolhas equivocadas.

Portanto, a nova legislação de licenciamento ambiental influencia profundamente a economia azul, e cabe a todos nós, pesquisadores, gestores públicos, setor produtivo e sociedade civil, garantir que essa influência seja no sentido de promover um desenvolvimento verdadeiramente sustentável, que preserve nosso patrimônio ambiental marinho enquanto gera oportunidades econômicas e inclusão social. O Ceará tem condições de ser exemplo nesse equilíbrio, e é isso que devemos buscar.


Esta notícia está alinhada aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU), contribuindo para o alcance do ODS 4 – Educação de Qualidade, ODS 8 – Trabalho Decente e Crescimento Econômico, ODS 13 – Ação Contra a Mudança Global do Clima e ODS 14 – Vida na Água.

A Universidade de Fortaleza (Unifor), assim, fortalece o uso sustentável dos recursos marinhos, incentiva iniciativas que promovem crescimento econômico responsável nas comunidades costeiras e apoia ações voltadas à mitigação e adaptação às mudanças climáticas, reafirmando seu compromisso com o desenvolvimento sustentável.