seg, 15 dezembro 2025 16:20
Pesquisa Unifor: estudo investiga a inclusão da comunidade LBGTQIAPN+ no setor energético
Coordenado por João Henrique Viana, o trabalho buscou analisar como a exclusão da comunidade LGBTQIAPN+ se manifesta no discurso e nas metas estratégicas das grandes empresas de energia

A transição energética, discutida globalmente como caminho para reduzir emissões e impulsionar fontes limpas, vem ganhando um novo enfoque: a participação e a representatividade da comunidade LGBTQIAPN+ nesse processo. A mudança para um modelo energético sustentável não é apenas tecnológica, mas também vem sendo social, onde grupos historicamente excluídos continuam enfrentando barreiras para acessar empregos verdes, espaços de decisão e benefícios gerados pelo setor.
De olho nesse cenário, a Universidade de Fortaleza (Unifor), vinculada a Fundação Edson Queiroz, fomenta estudos que lutam pelas reais intenções de inclusão da comunidade dentro das empresas. O artigo “Energia Queer: Uma Análise Estrutural da Inclusão LGBTQIAPN+ na Transição Energética Justa”, é um desses exemplos.
Ao investigar como o setor energético brasileiro lida com a inclusão dessa comunidade, o estudo analisa documentos de quatro grandes empresas do setor — Petrobras, Eletrobras, Raízen e Neoenergia — e do Plano Nacional de Energia (PNE 2050), contrastando o discurso corporativo de diversidade com a ausência de metas concretas de poder e o silêncio das políticas estatais sobre o tema.
Segundo João Henrique Viana, doutorando do Programa de Pós-Graduação em Administração (PPGA) da Unifor e que está a frente do estudo, o objetivo principal foi analisar como a exclusão da comunidade LGBTQIAPN+ se manifesta no discurso e nas metas estratégicas das grandes empresas de energia, comparando esse cenário com o planejamento do Estado. A equipe buscou entender se a inclusão é estrutural (com acesso a poder) ou apenas discursiva (retórica ética sem metas de liderança).
João Henrique explica que a motivação para o artigo surgiu da tensão entre o conceito de “Transição Energética Justa” — que deveria corrigir desigualdades históricas — e a realidade de um setor energético dominado por um perfil homogêneo (homens brancos). “Notamos que, embora se fale muito em diversidade, a comunidade LGBTQIAPN+ muitas vezes fica invisibilizada nas decisões estratégicas, sendo tratada de forma diferente das pautas de gênero e raça”, declara.
“É fundamental continuar realizando essas pesquisas para romper a ‘inclusão seletiva’. O estudo mostrou que, sem pressão e análise crítica, as organizações tendem a manter a pauta LGBTQIAPN+ apenas no campo do discurso ético, sem conceder espaço real de poder. A pesquisa acadêmica fornece os dados necessários para transformar discurso em prática e política pública” — João Henrique Viana, doutorando do PPGA da Unifor e pesquisador de marketing
Além de João Henrique, o estudo contou com a participação de Geilson do Nascimento Silva, mestrando do PPGA, Bruno Lessa, professor da graduação em Administração e do PPGA, e Maria Bruna Silveira, mestranda do PPGA.
Estudo premiado
O artigo foi premiado no Encontro Internacional sobre Gestão Empresarial e Meio Ambiente (ENGEMA), considerado um dos eventos acadêmicos mais importantes e tradicionais do Brasil na área de sustentabilidade corporativa. Ele é organizado pela Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA/USP), com apoio da FIA Business School.
O evento — que aconteceu de 1 a 4 de dezembro de 2025, de forma híbrida, com atividades presenciais sediadas na FEA/USP e atividades transmitidas online — reuniu pesquisadores, docentes e profissionais para discutir tendências e inovações em gestão socioambiental. A XXVII edição teve como tema central “O caos global e os desafios da inovação para a sustentabilidade”.
A pesquisa dos alunos e professores da Unifor recebeu dois prêmios de grande destaque. Primeiro, foi eleita como “Melhor Artigo da Área” na divisão de Gestão de Pessoas e Sustentabilidade. Depois, em uma conquista ainda maior, o trabalho conquistou o 1º lugar na categoria geral de “Artigo Acadêmico”, sendo reconhecido como o melhor artigo científico de todo o evento.
Os anais do evento estão sendo produzidos, onde logo em breve o artigo estará disponível para consulta pública no site oficial do ENGEMA.
A importância e os benefícios sociais da pesquisa
Também pesquisador de marketing, João Henrique diz que a pesquisa é vital para mostrar que a transição para uma economia verde não pode ser apenas tecnológica, mas também precisa ser socialmente justa. De acordo com ele, o estudo denuncia que a “justiça” na transição energética estará incompleta se continuar excluindo grupos historicamente marginalizados dos espaços de decisão e poder.
Ele ressalta que o trabalho oferece um diagnóstico claro para melhorar políticas públicas e corporativas. Ao apontar a “hierarquia de diversidade” (onde algumas pautas têm metas e outras não), os resultados da pesquisa pressionam as empresas a criarem metas reais de liderança para pessoas LGBTQIAPN+ e alerta o governo sobre a necessidade de incluir a diversidade identitária no planejamento energético nacional, que hoje é omisso.
Maria Bruna Silveira, mestranda do PPGA, diz que a importância reside na urgência de promover o que é chamado de “justiça epistêmica”. De acordo com ela, historicamente, a sociedade foi moldada por uma visão eurocêntrica e cisheteronormativa que define quem detém o conhecimento e quem ocupa os espaços de poder.
“Essa pesquisa rompe com essa lógica ao colocar subjetividades LGBTQIAPN+ no centro da produção intelectual e científica. Ela é fundamental para desnaturalizar as ausências e questionar por que certos corpos e identidades são sistematicamente invisibilizados em espaços de prestígio ou liderança”, comenta.
A mestranda explica que os benefícios vão além da inclusão e que tratam-se de inovação e pluralidade. Bruna diz que quando as perspectivas críticas são trazidas para o centro do debate, a sociedade se enriquece com vivências e soluções que uma visão monocultural não consegue enxergar.
“O estudo beneficia [a sociedade] ao demonstrar que a diversidade não é apenas uma ‘pauta’, mas um motor de desenvolvimento social e econômico. Ele nos ajuda a construir um tecido social mais democrático, onde a diferença não é motivo de exclusão, mas sim de potência criativa e transformadora”, declara.
Para ela, num contexto social ainda marcado por estruturas coloniais que hierarquizam vidas, pesquisar a comunidade LGBTQIAPN+ é um ato político de resistência e existência. E que, além disso, continuar esses estudos é vital para combater o apagamento histórico dessas narrativas, onde é preciso produzir dados e teorias que partam das realidades, desafiando a norma estabelecida e oferecendo ferramentas teóricas para desmontar preconceitos estruturais.
“Participar deste projeto refinou meu olhar crítico e fortaleceu minha identidade como pesquisadora comprometida com a transformação social. Na minha formação, especialmente no mestrado, busco entender a administração para além das ferramentas técnicas, focando nas relações humanas e culturais. O projeto me permitiu exercitar uma metodologia sensível e engajada, reafirmando que a ciência não é neutra e que, como acadêmicos, temos a responsabilidade ética de questionar o status quo e propor novos futuros possíveis” — Maria Bruna Silveira, mestranda do PPPGA da Unifor
Resultados e estrutura
João Henrique relata que foi descoberta a existência de uma “hierarquia de pautas”: enquanto gênero e raça já possuem metas estratégicas de liderança nas empresas analisadas, a pauta LGBTQIAPN+ não possui metas de poder (liderança), limitando-se a ações de conscientização.
Além disso, ele diz que foi possível identificar um “silêncio estrutural” no Plano Nacional de Energia 2050, que ignora completamente questões de identidade de gênero e orientação sexual, tratando o setor de forma puramente tecnocrática. Ademais, esse trabalho colabora com as inúmeras possibilidades que o tema da tese de doutorado de João Henrique está desenvolvendo, sobre a autenticidade no marketing para a comunidade LGBTQIAPN+.
Para ele, a Unifor é a instituição de filiação de todos os autores, proporcionando todo o ambiente acadêmico e institucional necessário para o desenvolvimento da investigação. O doutorando ressalta que o artigo surgiu no contexto da disciplina de Inovação para a Sustentabilidade, ministrada pelo professor Bruno Lessa, no doutorado do PPGA.
Já Bruna destaca que a Unifor foi essencial ao proporcionar não apenas a estrutura física, mas, principalmente, a liberdade acadêmica necessária para tocar em temas sensíveis e urgentes, onde o suporte institucional valida a relevância do tema diante da sociedade. Ao fomentar projetos como o “Energia Queer”, afirma a aluna, a Universidade cumpre seu papel social, abrindo portas para o debate crítico e se posicionando como um espaço de vanguarda que acolhe e impulsiona a diversidade intelectual e humana.
Esta notícia está alinhada aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU), contribuindo para o alcance do ODS 8 – Trabalho Decente e Crescimento Econômico e do ODS 10 – Redução das Desigualdades.
A Universidade de Fortaleza, assim, reforça seu compromisso com a promoção do trabalho decente e com a inclusão da população LGBTQIAPN+ no setor energético (ODS 8), ao mesmo tempo em que contribui para a redução das desigualdades e a ampliação de oportunidades de formação e empregabilidade para todas as pessoas (ODS 10).