ter, 2 maio 2023 10:42
Entrevista Nota 10: Zeca Camargo e o mundo sob a ótica da curiosidade
Jornalista e apresentador, ele fala sobre os desafios da comunicação nas plataformas digitais e da sua atuação enquanto repórter de viagens, além de dar dicas para quem quer começar na escrita criativa
Na última semana de abril, o jornalista e apresentador Zeca Camargo esteve na Universidade de Fortaleza, instituição da Fundação Edson Queiroz, para ministrar o curso de curta duração “Escrita de Viagem”, promovido pela Pós-Unifor. Os alunos tiveram a oportunidade de aprender sobre como escrever suas experiências de excursão de maneira cativante e informativa.
Com mais de 100 países visitados, Zeca é especialista em compartilhar conhecimentos e técnicas para criar histórias envolventes e inspiradoras. Iniciou sua carreira como repórter em 1987, quando trabalhava na Folha de S.Paulo, onde hoje é colunista do caderno de Turismo. Foi diretor de jornalismo e apresentador na MTV Brasil.
Apresentou o programa “Fanzine”, na TV Cultura, e depois virou colunista e editor da revista Capricho. Em 1996, foi chamado pela Rede Globo para ser repórter do programa dominical “Fantástico”. Zeca produziu "A Fantástica Volta ao Mundo", primeira série de reportagens totalmente gerada pela internet. Ele já fez quatro voltas ao mundo e entrevistou os principais nomes da música brasileira e internacional. Foi um dos criadores e apresentador do reality show “No Limite”.
Após 18 anos como apresentador do “Fantástico”, assumiu o comando do “Vídeo Show”, em 2013, e participou do programa semanal “É de Casa”, em 2015. Zeca ficou na TV Globo até 2020, quando foi contratado pela Band como diretor executivo e apresentador. Lá estreou o game show “1001 Perguntas” em 2022.
Seu livro "A Fantástica Volta ao Mundo", compilado das crônicas de viagem que publicava em seu blog, foi um best seller. Escreveu ainda o guia virtual "Eu Ando Pelo Mundo: Paris" e a biografia "Elza", à convite da cantora Elza Soares.
Zeca concedeu uma Entrevista Nota 10 exclusiva ao jornal Unifor Notícias, onde fala sobre os desafios da comunicação nas plataformas digitais e sua atuação enquanto repórter de viagens, além de dar dicas para quem quer começar na escrita criativa.
Confira na íntegra a seguir.
Entrevista Nota 10 – Em seus 37 anos de carreira como jornalista, apresentador e escritor, você já teve a oportunidade de produzir conteúdos para diversos formatos e mídias, tendo passado por importantes redações de jornal, emissoras de televisão e vem ampliando sua atuação nas mídias digitais. Como manter a credibilidade e informar de maneira cativante e criativa em diferentes plataformas de comunicação?
Zeca Camargo – Acho que tem que ser curioso sempre. Curiosidade é a coisa mais importante, e não só nas coisas que você vai falar, mas na maneira como você vai falar. Sou de uma geração diferente de vocês, que já nasceram com várias possibilidades de se comunicar. Sou do velho sistema de informação, da TV, rádio e jornal. Na verdade, foi até um pouco mais duro para minha geração se adaptar em levar isso que você falou, da credibilidade e da criatividade, para essas novas plataformas. Quem conseguiu fazer bem isso é porque teve sempre essa curiosidade aberta. Sempre acho que eu posso interferir, abraçar essa mídia aqui, abraçar esse modo de comunicar levando a minha bagagem sem prejuízo. E é isso que eu tento: quanto mais aparecerem coisas possíveis, vou querer fazê-las.
Entrevista Nota 10 – Você mencionou as novas gerações que estão integradas com as plataformas digitais. Só que essa migração dos veículos tradicionais gerou um fenômeno muito ruim para a sociedade e, principalmente, para nós que lidamos com a informação, que são as fake news. Como que o jovem e/ou o produtor de conteúdo pode informar com credibilidade e veracidade?
Zeca Camargo – Tendo certeza do que ele está fazendo! Fake news é realmente uma “praga”, mas ele não é exatamente um fenômeno recente. A intensidade dele é recente, mas já tinha isso desde muito tempo se pararmos para pensar só na história do século XX, desde as primeiras guerras mundiais, todo o Levante Comunista, a Rússia, os anos 1960. Você tem aí na sua mão o livro da Elza [Soares], que conta que, nos anos de 1960, ela já tinha hater e fake news que as pessoas inventavam sobre ela. Então não é exatamente uma novidade. Mesmo assim, o jornalista sobrevive até hoje com credibilidade porque existem pessoas, veículos e entidades que seguem perseguindo a verdade. No final das contas — eu sou um pouco otimista nesse sentido —, é a verdade quem vai ganhar.
A gente evoluiu como sociedade, como sistema político, como sistema econômico, como seres humanos, por que a gente ficou mais sábio. A grande missão do jornalismo é espalhar a sabedoria. Com todos esses obstáculos, continua sendo um projeto de sucesso. Talvez o “inimigo” fake news pareça mais presente hoje, mais espalhado, mas ele, conforme a intensidade, sempre existiu. E é a nossa missão — do jornalismo sério, comprometido, criativo e acessível — combater isso diretamente. Mas, sobretudo, (isso é o mais importante) trazer a boa notícia, a verdade realmente, os fatos bem contados.
Ninguém é dono da verdade. São as pessoas que vão avaliar o que é uma boa notícia, uma notícia significativa para elas. Então você tem que dar instrumentos para que elas tenham essa noção de que o que estão lendo condiz mais com a realidade que está em volta delas. A gente deve perseguir sempre isso. [A fake news] parece uma ameaça, mas não é uma batalha perdida.
Entrevista Nota 10 – Você já publicou livros sobre música, experiências de viagens, contos, entrevistas e, mais recentemente, a biografia da cantora Elza Soares (“Elza”, de 2018), à convite da própria artista. Como você descreveria o Zeca Camargo escritor?
Zeca Camargo – Olha, é difícil porque depende do assunto que estou escrevendo. Recentemente ando “flertando” um pouco com a ficção, fiz um livro de contos há um ano e pouco. Estou trabalhando e desenvolvendo um pouco mais isso até em projetos de streaming. Levo para a escrita a mesma curiosidade que eu levo para o jornalismo. Eu observo, vejo as pessoas, quero escrever sobre elas, mas, sobretudo, quero contar uma história surpreendente, que não foi contada.
Nesses primeiros contos que eu fiz no livro, que se chama “Quase normal” e saiu pela editora Todavia, são situações da pandemia, onde a vida parecia normal, mas não estava normal. A gente sabia muito bem disso. Gosto dessa estranheza, de a gente achar que as coisas estão normais, que a nossa vida está totalmente decidida, e o acaso, a própria imprevisibilidade das pessoas, acaba nos levando a novos rumos da nossa vida.
Então procuro explorar essa curiosidade. A mesma coisa que tenho na reportagem, eu tenho ao criar o personagem, a surpreender o leitor — no caso da não-ficção, seja com notícia e informação, e no caso da criação de ficção, com uma história e ponto de vista inédito e, sobretudo, com desfechos inesperados para essas histórias que poderiam ser muito comuns.
Entrevista Nota 10 – A Literatura e a Narrativa de Viagem permeiam boa parte de suas obras e do seu trabalho jornalístico enquanto repórter. De que forma esse gênero entra em sua vida? Quais são suas referências na área?
Zeca Camargo – É quase uma consequência porque eu gostava de viajar. As pessoas me conhecem pelas viagens que fiz na televisão, mas antes de ser jornalista, eu fui mochileiro. Sempre tive esse espírito, que falei durante a aula, muito inspirado pelos meus pais, que não eram exatamente exploradores, mas tinham uma visão de que a viagem é um aprendizado. Então todo o investimento, tanto em mim quanto nos meus irmãos, era de empurrar a gente para fora de casa, no melhor sentido. Sempre amei viajar.
Quando me tornei jornalista, foi uma consequência inevitável. Parte do grande prazer de ser jornalista é de dividir essa informação, porque se você passa por uma experiência e fica só para você, ela fica um pouco mais fraca. Vale para você, mas não vale para os outros. E a gente tem essa alavanca, que é a mídia, para espalhar essa notícia. Então resolvi juntar as duas coisas.
Primeiro que quando escrevia “Fantástica Volta ao Mundo” era um blog, muito inconsequente, nem achava que ia virar livro. Mas foi dando certo e, até hoje em dia, tenho uma coluna há dez anos na Folha de S.Paulo sobre turismo. Você pode, nas crônicas de turismo, brincar com vários motivos, linguagens e narrativas, e ao mesmo tempo ter um olhar contemporâneo. Na coluna desta semana, por exemplo, falei sobre o Chat GPT. Tudo é possível se você olhar o mundo com curiosidade.
Entrevista Nota 10 – Nos dias 26 e 27 de abril, você esteve na Universidade de Fortaleza para ministrar um curso sobre escrita de viagem e adaptação de conteúdos para as plataformas digitais. As aulas contaram com a presença de um público de diferentes áreas. Como a escrita criativa e essa experiência da escrita de pequenas crônicas do cotidiano podem ajudar no futuro profissional?
Zeca Camargo – Escrever deve ser para todo mundo. É um exercício de trabalho do cérebro, como aprender matemática. A gente pode não gostar ou não ser um grande matemático, mas faz parte do desenvolvimento da cabeça de qualquer jovem ou adulto. A escrita também é muito importante. “Ah, não tenho talento, não tenho jeito para isso”, mas todo mundo vive essas histórias. Transportá-las para um texto é bem menos difícil do que parece, é muito simples. Imagino que parte dessas pessoas já têm o interesse em narrar essas histórias.
A escrita criativa é quase uma “maldição”, porque a pessoa é sempre obrigada a ser surpreendente e tudo. Mas foi até bom falar isso porque eu comecei a fazer escrita de viagem como um blog, extremamente despretensioso. Muitas vezes a escrita de viagem nunca teve a intenção de ser uma escrita de viagem, é uma coisa relativamente recente, provavelmente da segunda metade do século XX. Eu brinco porque na aula começamos falando sobre a carta de Pero Vaz de Caminha, que nada mais é do que um relato.Ele pode ser lido com estranheza por conta dos relatos, pelo caráter exótico da linguagem que usa para descrever as pessoas que aqui habitavam — cujos descendentes estão aqui até hoje e que são os indígenas verdadeiramente brasileiros. Você tinha ali uma fascinante viagem sendo contada em uma carta que era, a princípio, muito formal.
Todas as formas são espontâneas e dependem, claro, do talento de cada um. Assim como falei de matemática — eu sou bom em matemática, mas não tenho especialmente um talento por números —, as pessoas vão se dedicar e descobrir. Eu gosto de experimentar várias linguagens. Se você pegar minhas colunas da Folha e botar os textos juntos parece que nem foram escritos pela mesma pessoa porque foram são várias maneiras de narrar. As três últimas, por exemplo, parecem que são de três autores diferentes. Que maravilha! Isso é uma escrita criativa? Isso é a escrita que eu faço.
Entrevista Nota 10 – E para quem quer ingressar nessa área: quais as principais dificuldades? Alguma dica para quem quer começar a escrever profissionalmente?
Zeca Camargo – Leia. Você não pode escrever sem ler, isso é o mais básico. Quando você lê, você é desafiado a escrever ou como aquela pessoa que você está lendo ou melhor do que ela ou de um jeito mais surpreendente. E aí você sai escrevendo. A princípio, a gênese de tudo é a leitura. É o conselho mais fácil, mais simples e mais óbvio, também, mas o mais precioso que eu posso dar para quem quer escrever.