Entrevista Nota 10 | Michel Prieur, Julien Prieur e Laurent Vassallo e os rumos do direito ambiental após a COP30
ter, 2 dezembro 2025 15:08
Entrevista Nota 10 | Michel Prieur, Julien Prieur e Laurent Vassallo e os rumos do direito ambiental após a COP30
Referências mundiais no tema, os franceses abordam pautas ambientais no contexto recente e externam visão otimista, mesmo diante da postura de regressão adotada por alguns líderes mundiais

Firmes, otimistas e necessários como guias. Assim são os pontos de vista e as análises de três especialistas franceses em direito ambiental, que carregam uma vida inteira dedicada à proteção do meio ambiente. Como faróis para pesquisadores, tomadores de decisão de Estados-nação e para todos aqueles que abraçam a causa, os professores doutores Michel Prieur, Julien Prieur e Laurent Vassallo estiveram, no mês de novembro, na Universidade de Fortaleza (Unifor), vinculada à Fundação Edson Queiroz.
Na Unifor, reconhecida internacionalmente pelas ações voltadas ao cumprimento dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Organização das Nações Unidas (ONU), o trio ministrou uma palestra ao lado da coordenadora do Núcleo de Estratégias Internacionais (NEI), a professora doutora Gina Pompeu.
A docente conduziu o debate a partir de temas centrais da agenda ambiental contemporânea, como a 30ª Conferência das Partes (COP30) — maior reunião global da ONU sobre mudanças climáticas, realizada em Belém (PA) —, a Opinião Consultiva nº 32/2025 da Corte Interamericana de Direitos Humanos sobre o Mundo Interespécies e a cláusula de vedação ao retrocesso ambiental.
Michel Prieur (Foto: Ares Soares)
O decano do trio, Michel Prieur, é considerado um dos fundadores do direito ambiental moderno. Doutor em Direito pela Universidade de Paris e professor emérito da Universidade de Limoges (França), Michel criou centros de pesquisa pioneiros, como o Centre de Recherches Interdisciplinaires en Droit de l'Environnement de l'Aménagement et de l'Urbanisme.
Autor de obras de referência e fundador da Revue Juridique de l’Environnement, Prieur preside o International Center for Comparative Environmental Law (CIDCE). Atuou em organismos internacionais, como a União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN), e em conferências das (ONU). Reconhecido com diversos títulos honoris causa e distinções da França, é referência global na formulação de princípios como o da não regressão ambiental.
Julien Prieur (Foto: Ares Soares)
Julien Prieur, filho de Michel Prieur, é doutor e mestre em Direito pela Universidade de Limoges, e professor da Universidade Paris 1 Panthéon-Sorbonne. O docente é também integrante do International Center for Comparative Environmental Law (CIDCE) e representante da nova geração de estudiosos do Direito Ambiental.
Ele dedica suas pesquisas à interface entre justiça climática, direitos humanos e implementação do Acordo de Paris. Em eventos recentes na Europa Oriental e na América Latina, tem debatido a efetividade jurídica das promessas globais de redução de emissões e o papel da equidade no enfrentamento das desigualdades sociais diante da crise climática.
Laurent Vassallo (Foto: Ares Soares)
Laurent Vassallo é doutor em Direito e docente da Universidade de Montpellier II, especialista em desenvolvimento sustentável e direito aplicado à saúde e ao meio ambiente. Atua como pesquisador associado do Centre International de Droit Comparé de l’Environnement (CIDCE) e coordenou formações inovadoras, como o curso MOOC Ville durable: être acteur du changement. Sua produção acadêmica abrange sustentabilidade, governança e efetividade normativa.
Na Entrevista Nota 10 desta semana, os professores doutores Michel Prieur, Julien Prieur e Laurent Vassallo falaram sobre suas visões passadas e futuras a respeito do tema, compartilharam experiências e reforçaram como o direito ambiental caminha de mãos dadas com os direitos humanos.
Confira na íntegra a seguir.
Entrevista Nota 10 — Qual é a sua visão sobre a COP 30? Podemos avançar positivamente nas questões climáticas?
Michel Prieur — A COP 30 manteve a lógica das edições anteriores: reunir os países para fazer um balanço do que foi cumprido desde a Convenção de 1992 e apontar caminhos para o futuro. A edição em Belém teve um peso especial porque marcou dez anos do Acordo de Paris, funcionando como uma grande revisão da sua implementação.
Além das negociações oficiais, houve uma agenda técnica, científica e jurídica muito intensa, além de muitos eventos da sociedade civil, que não participa diretamente das negociações, mas pressiona e influencia os governos.
Na minha avaliação, a COP 30 foi um “momento da verdade” tanto para reafirmar a realidade do aquecimento global quanto para cobrar a execução do que já foi acordado. Não espero grandes novidades normativas — o foco tende a ser mais na implementação do que em novos compromissos. Os pontos com maior chance de ter peso político devem ser os financeiros, como propostas de fundos climáticos que ainda estão em discussão. No fim, o avanço positivo depende sobretudo de colocar em prática o que já foi decidido.
Entrevista Nota 10 — O que é a Opinião Consultiva 32/2025 e como ela transforma nossa compreensão dos direitos da natureza?
Michel Prieur — A Opinião Consultiva nº 32/2025 é um parecer muito relevante da Corte Interamericana de Direitos Humanos, feito a partir de perguntas apresentadas por dois países da América do Sul. Ela retoma o que a Corte já vinha dizendo desde 2017 sobre o direito humano a um meio ambiente saudável, mas agora reforça ainda mais o direito a um clima saudável e traz com mais força a ideia de “direitos da natureza”, que ganhou destaque especialmente em países como Equador e Bolívia.
Ao mesmo tempo, eu vejo que a própria Corte reconhece um limite importante: esses direitos da natureza ainda não são um princípio universal do direito ambiental, porque não existe consenso global sobre o tema.
Por isso, o parecer aponta a necessidade de ampliar essa proteção internacionalmente, defendendo uma convenção universal sobre o direito humano ao meio ambiente. Em síntese, a OC 32/2025 conecta de forma mais sólida direitos humanos, clima e meio ambiente, legitima essa linguagem e sinaliza um caminho para sua universalização no futuro.
Entrevista Nota 10 — Com tudo isso, o senhor é otimista em relação ao futuro do direito ambiental e das políticas climáticas?
Michel Prieur — Eu continuo otimista, mesmo com as regressões que alguns países têm mostrado. Em cerca de 50 anos, vi um progresso enorme no direito ambiental no mundo todo: hoje, quase todas as constituições nacionais incluem a proteção ao meio ambiente, como a brasileira de 1988.
Mesmo nos Estados Unidos, onde essa proteção não aparece na Constituição federal, existe desde 1969 uma lei importante — a National Environmental Policy Act — e vários estados reconhecem esse direito em suas próprias constituições. Os tribunais americanos aplicam essas garantias na prática.
Por isso, acredito que o direito ao meio ambiente não vai desaparecer: governantes passam, mas as estruturas jurídicas ambientais já estão criadas, se consolidam ao longo do tempo e dificilmente serão desmontadas, mesmo com crises pontuais.
Entrevista Nota 10 — Do ponto de vista jurídico, como a Corte Interamericana de Direitos Humanos reforça a cláusula de proibição de retrocesso ambiental?
Julien Prieur — O parecer consultivo de 29 de maio de 2025 da Corte Interamericana de Direitos Humanos é muito importante porque, pela primeira vez, reconhece oficialmente o princípio da não regressão ambiental. Ele segue a linha de decisões anteriores e é inovador justamente por tornar mais difícil justificar retrocessos em matéria ambiental.
Ainda assim, vale lembrar que continua sendo apenas um parecer consultivo: não é uma jurisprudência construída a partir de um caso contencioso, nem uma decisão obrigatória em um litígio concreto.
Também vejo alguns silêncios relevantes nesse texto. Ele não trata, por exemplo, da questão dos plásticos, apesar de estarmos há três anos negociando um tratado internacional sobre o tema, e perde a chance de dialogar com essa agenda atual. Falta ainda uma reflexão sobre a efetividade do direito ambiental, sobre como garantir que as normas existentes sejam realmente aplicadas.
O ideal é que, no futuro, a Corte complemente esse parecer com decisões em casos concretos, consolidando uma jurisprudência sólida de não regressão, como já fez ao estar na vanguarda da justiça climática e reconhecer a legitimidade de indivíduos e associações para acionar tribunais em temas ambientais.
Entrevista Nota 10 — E quais são os desafios para o Brasil e outros Estados-Nação ao implementar essas obrigações sem retroceder nas políticas ambientais?
Julien Prieur — Para o Brasil, há um grande desafio e também um grande potencial. Em nível internacional, vemos em muitos casos uma tendência à regressão. Justamente por isso, seria interessante que o Brasil assumisse o papel de exemplo, aplicando de forma consistente o princípio da não regressão e garantindo um progresso contínuo em matéria ambiental.
Isso é ainda mais relevante porque o Brasil foi um dos primeiros países a incluir a proteção ao meio ambiente na Constituição e possui um território com desafios e riquezas ambientais imensas, como a floresta amazônica. Em síntese: o parecer abre caminho. Mas agora é preciso transformá-lo em prática, e o Brasil pode ter um papel de liderança nesse processo.
Entrevista Nota 10 — Depois de conhecer as instalações e iniciativas sustentáveis já existentes na Universidade de Fortaleza (Unifor) — incluindo o Complexo Yolanda e Edson Queiroz —, como esses bons exemplos podem ganhar destaque e inspirar ações em escala global?
Julien Prieur — Depois do que vi na Unifor, entendo que a universidade está no coração do desenvolvimento sustentável ao colocar em prática os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Há um componente social muito forte, visível na existência de um hospital como o NAMI, de uma escola para crianças e de outras estruturas que produzem impacto direto na comunidade, o que demonstra compromisso real com essa agenda.
No plano ambiental, também percebo a instituição buscando dar exemplo ao avançar rumo à autonomia energética com painéis solares em estacionamentos e áreas do campus, combinando benefício ambiental e relevância econômica.
Além disso, iniciativas como os carrinhos elétricos que transportam alunos e colaboradores mostram que medidas aparentemente pequenas têm efeitos concretos e podem inspirar outras instituições.
Claro que sempre é possível fazer mais e melhor, mas isso depende também de uma mudança de mentalidade e de educação cotidiana, com atitudes simples como não jogar lixo no chão, consumir de forma mais consciente e reduzir resíduos. As transformações em escala global começam, inevitavelmente, com escolhas diárias e exemplos locais que se tornam referência.
Entrevista Nota 10 — Como o princípio da precaução, a melhor ciência disponível e a participação social podem ser aplicados politicamente para reforçar a proteção entre espécies (interespécies)?
Laurent Vassallo — Primeiro, eu acho essencial lembrar por que o princípio da precaução existe: hoje o ser humano tem capacidade de causar danos irreversíveis ao meio ambiente, e esse princípio foi criado justamente para evitar que cheguemos a pontos sem retorno. No caso das mudanças climáticas, ele serve para impedir que o aquecimento global avance até níveis que provoquem catástrofes incontroláveis. Por isso, politicamente, ele precisa orientar decisões públicas mesmo quando ainda há incertezas, sempre com base na melhor ciência disponível.
Ao mesmo tempo, acredito que a participação social é a base do direito ambiental e da sua efetividade. Esse direito não pode ser imposto de forma hierárquica por um Estado que decide sozinho; ele precisa reconhecer a relação entre pessoas e natureza e promover uma gestão comunitária dos bens naturais.
Participar não é só opinar, é construir as leis em conjunto e compartilhar a responsabilidade de aplicá-las. É o clássico “pensar globalmente e agir localmente”: ciência para entender riscos, precaução para evitar danos irreversíveis e sociedade envolvida para garantir justiça e proteção interespécies.
Entrevista Nota 10 — Que conselho o senhor daria a jovens pesquisadores que desejam influenciar as políticas climáticas mundiais e interespécies
Laurent Vassallo — O primeiro conselho que eu daria é participar de verdade. Ir às COPs, a reuniões políticas, entrar em associações, redes e movimentos. Não basta observar de fora como pesquisador; é preciso fazer parte do processo. Quando a gente participa, a gente passa a influenciar as decisões.
O segundo ponto é manter a esperança sem perder o senso crítico. Eu cresci num contexto de grandes catástrofes ambientais e de medo global, e ainda assim o mundo não acabou. Isso ensina duas coisas: nunca achar que se tem a verdade absoluta e permanecer humilde diante de temas ambientais, que são complexos e cheios de incertezas. No fundo, quem pesquisa essas áreas precisa juntar engajamento e rigor técnico, ser crítico, mas continuar esperançoso. É assim que se impacta, de fato, as políticas climáticas e interespécies.
Entrevista Nota 10 — Tendo como contexto como a Unifor acolhe e integra a essência da cultura cearense e brasileira, acredita que a cultura contribui para o desenvolvimento sustentável?
Laurent Vassallo — Pelo que vi hoje na Unifor, aqui em Fortaleza, vocês estão no coração do desenvolvimento sustentável por meio da cultura. Isso não é algo novo: já nos anos 1980 a Carta de Atenas, ligada à Unesco, ajudou a consolidar a cultura e o patrimônio como elementos fundamentais da humanidade, algo que precisa ser protegido. Depois, nos anos 2000, a Declaração de Hangzhou passou a conectar cultura e meio ambiente, reconhecendo a cultura como o quarto pilar do desenvolvimento sustentável, ao lado do econômico, do social e do ambiental.
Aqui no campus, percebi a cultura presente nas obras, no projeto de museu e na coleção de quadros, especialmente de artistas brasileiros, o que revela a história e a especificidade do povo do Brasil. A cultura contribui para o desenvolvimento sustentável porque faz parte da diversidade humana, sustenta a dignidade das pessoas e expressa aquilo que nos torna singulares entre as espécies.
É importante que o produtivismo e o consumo exagerado não destruam essas identidades. Cultura não é celular ou rede social; é memória, patrimônio, arte e pertencimento — e, justamente por isso, é essencial para um futuro sustentável.
Esta notícia está alinhada aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Agenda 2030 da ONU, contribuindo para o alcance dos ODSs 11 – Cidades e Comunidades Sustentáveis, 12 – Consumo e Produção Responsáveis, 13 – Ação Contra a Mudança Global do Clima, 14 – Vida na Água e 15 – Vida Terrestre.
Assim, a Universidade de Fortaleza reforça seu compromisso com práticas e iniciativas que promovem a sustentabilidade urbana, o uso responsável de recursos, a proteção do clima e a preservação dos ecossistemas marinhos e terrestres, ampliando o impacto positivo da sua atuação acadêmica e social.